O Dilema dos Prisioneiros é uma excelente analogia sobre como as pessoas se comportam quando precisam decidir se cooperaram ou não. Eu chamaria de Dilema da Confiança. Se você não conhece isso, leia primeiro O que é o Dilema dos Prisioneiros e também Cooperação ocorre nos Jogos Repetitivos.
O vídeo abaixo é encontrado no YouTube e num post do Freakonomics. Eu editei o vídeo para ficar mais curto e objetivo, e no final eu faço a minha própria análise.
Programa "Bachelor Pad" - Keep Or Share? (Mantém ou Compartilha?)
O episódio final do reality show Bachelor Pad (Rede americana ABC, 06/09/2010) apresentou um desafio interessante. Quando chegou a hora de prêmio final, de US$ 250.000, os dois finalistas, Dave e Natalie, foram forçados a entrar em salas separadas e decidir se eles queriam "manter" ou "compartilhar" o prêmio final. - Se ambos escolhessem "compartilhar", o dinheiro seria dividido igualmente entre eles (US$ 125.000 cada). - Se apenas um escolhesse "compartilhar" e o outro "manter", quem escolhesse "manter" receberia o prêmio inteiro (US$ 250.000) e o outro não ganharia nada. - Se ambos escolhessem "manter", nenhum deles receberia o dinheiro, que deveria distribuido para a platéia.
Segundo a Teoria dos Jogos e a forma em que os incentivos (as recompensas) deste jogo é colocado aos jogadores, a decisão racional é Manter, ou seja, trair e ficar com todo dinheiro.
Foi isso que aconteceu? Assista o vídeo abaixo antes de continuar a leitura.
Acabamos de assistir que ambos preferiram compartilhar. Por que isso aconteceu? Seguem algumas hipóteses:
1. Como primeira resposta, poderíamos dizer que os jogadores não seguiram a solução racional, então eles simplismente foram irracionais. Mas não é uma boa explicação, afinal ganharam $ 125 mil e se ambos traíssem ganhariam nada.
2. Outra possível explicação seria que as regras foram ditas quando ambos os competidores estavam sentados juntos. Assim, imediatamente os dois fizeram contato com os olhos e combinaram em compartilhar dado o relacionamento anterior. Isso é bem diferente dos prisioneiros que estavam em sala privada de interrogatório e não podiam se comunicar. Entretanto, embora eles possam ter combinado com os olhos, nada impediria de trair no final e ganhar tudo. Como você poderia confiar? Bastaria o compromisso e a ética? Não necessariamente.
3. Poderíamos também argumentar que, na verdade, este não é um Dilema dos Prisioneiros típico devido a forma que o prêmio (os incentivos, payoffs) são arranjados para cada alternativa - vide a figura abaixo.
De acordo com o Dilema do Prisioneiro típico, a estratégia de traição tecnicamente "estritamente domina" a estratégia de cooperação, ou seja, não importa o que o outro jogador decida fazer, você sempre maximiza o seu resultado ao trair. No entanto, neste caso, se um Dave decide manter o dinheiro (trair a Natalie), então Natalie é indiferente entre compartilhar e manter, já que ela não recebe qualquer dinheiro de qualquer maneira (resultado é zero).
Uma vez que ela recebe nada de qualquer forma, quem sabe ela pode preferir Compartilhar, deixando o Dave ficar com o dinheiro do que distribuir para a platéia.
Resumindo, se Dave escolher Compartilhar, a melhor escolha de Natalie seria Manter (ficar com todo dinheiro). Mas se Dave escolher Manter, Natalie não tem uma melhor escolha (ambas opções é zero, por isso dizemos que ela é indiferente). Portanto não existe uma estratégia dominante, e o inverso também é verdade para Dave. Nesta configuração não existe Equilíbrio de Nash para Manter-Manter (Trair-Trair). Consequentemente, a decisão racional não é trair, o que torna a decisão mais difícil. O resultado do jogo não é racional nem previsível.
4. Outra explicação. Esta matriz de decisão (a forma em que os incentivos são distribuídos) é bastante equilibrada em termos do dinheiro, o que a torna muito menos interessante. Imagine se trair recebesse US$ 250 mil, se amboms compartilharem recebessem apenas US$ 30 mil cada, e se ambos trairem ele ganhasse 8 mil, como na figura abaixo. Com certeza a tentação para trair seria MUITO maior....
Este sim seria o desenho de um Dilema dos Prisioneiros típico. Nitidamente a opção Manter (trair) é a estratégia dominante pois melhor Manter e ganhar 8 mil do que nada.
5. Mas a explicação que eu acho mais razoável é que este jogo não termina aqui. Vimos pela Teoria dos Jogos que a repetição do jogo leva a cooperação devido o medo de retaliação nos próximos passos.
Neste caso, o fator amizade ou companherismo desenvolvido ao longo do programa induz a uma decisão emocional - não é correto trair um colega. Mas ainda é um resposta parcial. Um reality show mostra por muito tempo a vida e perfil dos jogadores e todos acabam por construir alguma reputação no período. Essa reputação servirá para conquistas futuras, como namorados, empregos, patrocínio, exposição na mídia, etc.
Dado a alta exposição e envolvimento dos participantes com o público, a decisão politicamente correta é compartilhar. Se o jogador trair, ele não sabe qual o impacto causaria na sua reputação, carreira ou relacionamento; assim é mais seguro compartilhar. O jogo da vida não termina ai. Os benefícios futuros é bem maior do que a "perda" pontual em compartilhar, mesmo sendo US$ 125 mil.
Ou seja, continua válida a Teoria dos Jogos (mesmo não existindo a estratégia dominante como num dilema dos prisioneiros típico), onde a repetição do jogo e o medo da retaliação leva a cooperação. Essa cooperação continua sendo "egoísta". Em outras palavras, visando seu próprio interesse, é melhor cooperar.
Programa "Golden Balls" - Split Or Steal? (Divide ou Rouba?)
Agora veja o vídeo abaixo, encontrado no Youtube. O programa Golden Balls (rede inglesa ITV, 14/03/08) também oferece no final a chance de "Dividir" ou "Roubar". As regras do jogo são iguais ao anterior.
Como vimos, eles combinaram explicitamente em dividir, mas a moça desrespeita o acordo e trai. E agora, o que dizer deste comportamento de acordo com a Teoria ?
De novo, a configuração do jogo não tem uma estratégia dominante para que traição seja a solução racional (é o que faz o jogo ser um "dilema"). Entretanto, existe um componente clássico neste jogo que é mais próximo ao típico Dilema dos Prisioneiros: os dois jogadores nunca se viram, nunca se relacionarão depois (realmente é o fim do jogo), a moça não é figura pública, não precisa da reputação e usou da boa fé do outro jogador que se prometeu dividir. Neste Dilema da Confiança, a moça não foi confiável. E ganhou.
Não é exatamente um boa moral da estória nem um conselho para trair. É simplemente uma constatação do comportamento humano de acordo com incentivos matemáticos e a lógica. Sem repetição do jogo, as pessoas tem incentivos para trair.
É por isso que turistas, em lugares que nunca mais voltarão, não tem incentivos para dar grandes gorgetas, diferente de você que sempre frequenta o mesmo restaurante. Nunca se sabe a reação de um garçon ou cozinheiro... Afinal, o mundo dá voltas.