por Fernando Barrichelo
 
O Jogo do Ultimato e o Contra-Intuitivo ao Racional
 
O jogo do ultimato é um famoso jogo e experimento utilizado por pesquisadores e teóricos dos jogos. Carl Sigmund, no artigo The Economics of Fair Play, discute porque preferimos justiça e cooperação no lugar de auto-interesse racional.

Imagine uma situação onde você e outra pessoa anônima estão em salas separadas, sem poder trocar informação. Um sorteio com uma moeda decide quem fará uma proposta de dividir R$ 100. Digamos que você ganhou. Você deve fazer uma simples proposta de como dividir o dinheiro entre vocês dois, e a outra pessoa só pode dizer sim ou não. Ela também conhece as regras e o total de dinheiro a ser dividido.

Se a resposta for sim, o negócio é feito. Se a resposta for não, ninguém ganha nada. Em ambos os casos, o jogo termina e não pode ser repetido. O que você faria? Instintivamente, muitas pessoas entendem que dever oferecer 50% porque a divisão seria justa e provavelmente seria aceita. Outras pessoas mais audaciosas acham que deve oferecer menos que a metade. Antes de responder, você deve se perguntar o que faria se você fosse o respondente. A única coisa que pode fazer como respondente é dizer sim ou não. Se te oferecerem 10%, você aceitaria R$ 10 para o outro ficar com R$ 90, ou preferiria ficar com nada? E se fosse 1%? Seria R$ 1 melhor que nada? Lembre-se: pechincar e conversar é proibido - ou aceita ou rejeita, e o jogo acaba.

Então, qual seria sua oferta? Você se surpreenderia com o resultado de vários experimentos:
- dois terços ofereceram entre 40 e 50%
- apenas 4% ofereceram menos que 20%
- mais que a metade dos respondentes rejeitaram ofertas de menos de 20%

Propor uma quantia muito baixa é arriscado, pois pode ser rejeitada. Mas aqui está o enigma: por que alguém rejeitaria uma oferta baixa? O respondente só tem 2 opções: ou aceita algo, ou fica sem nada. A única opção racional economicamente é aceitar pois R$ 1 é melhor que nada. Um proponente egoísta que está seguro que o respondente é egoísta irá fazer a menor oferta possível e ficar com o resto. Na análise via Teoria dos Jogos, que assume que pessoas são racionais e com auto-interesse, tudo indica que o proponente deve oferecer o menor possível pois o respondende vai aceitar. Mas não é como a maioria das pessoas jogam este jogo.

A teoria econômica entende que indivíduos racionais fazem escolhas para maximizar seus ganhos. Mas experiência com este jogo mostra que as pessoas são reguladas e influenciadas tanto por emoções como a lógica fria e auto-interesse. Esse jogo foi testado várias vezes e em muitas culturas e países, todos com o mesmo resultado. Em todos eles houve um contraste impressionante entre o que maximizadores de resultados deveria fazer e quanto peso eles deram para resultados mais justos. E como na vida real, há muitas situações que envolvem trade-off entre o egoísmo e justiça, entre cooperação e competição.

Mas ficam algumas questões. Imagine que um colega peça colaboração em um projeto. Você ficará feliz em ajudar, e você espera um retorno justo do seu investimento de tempo e energia, numa próxima oportunidade que você precisar. Mas no jogo de ultimato, entretanto, as regras não são as mesmas que na vida real, como (1) pechincar não é possível, (2) as pessoas não se conhecem, não se vêem e não sabem quem são após o experimento e (3) o dinheiro desaparece se não aceitarem e (4) o jogo nunca será repetido. É diferente da vida real onde colaboração existe porque há afinidade e porque um ajuda o outro em outros momentos. Na vida real, se você fizer retaliação, sofrerá consequencias do seu egoísmo no futuro. Mas neste jogo do Ultimato não.

Por que as pessoas agem de forma diferente?

Os economista exploraram este jogo com outras variações para ver os resultados. Numa delas, quando o proponente não é escolhido por sorteio numa moeda, e sim por melhor performance num quiz, as ofertas são frequentemente mais baixas e são mais aceitas - a desigualdade é sentida ser justificada e merecedora. Uma das conclusões foi que em jogos em pares, como este, as pessoas não adotam a postura pura de auto-interesse, mas consideram a visão do parceiro. Elas não estão interessadas apenas no próprio resultado, mas comparam com o do parceiro e numa situação justa.

Por que nós colocamos um alto valor na justiça a ponto de rejeitar 20% de uma boa quantia só porque nosso outro jogador levará quatro vezes que nós? Opiniões são divididas. Alguns especialitas em teoria dos jogos acreditam que esses indivíduos falham no entendimento que o jogo só ocorrerá uma única vez. Assim os jogodores vêem o aceite ou rejeição simplesmente como a primeira fase de um processo de barganha.

A pechincha, barganha e negociação sobre pedaços de recursos é um tema recorrente desde os nossos ancestrais. Mas por que é tão difícil entender que o Jogo do Ultimato é um jogo de uma interação apenas? Existem evidências em outros jogos que as pessoas sabem das diferenças entre encontros repetidos e de uma jogada só. Uma explicação dos autores está num estudo de modelo evolucionário: nosso aparato emocional tem sido moldado há milhões de anos ao viver em pequedos grupos, onde é difícil manter nosso segredos. Nossas emoções não são tão ajustadas para interações em condições de anonimato absoluto. Nós temos a expectativa que nossos amigos, colegas e vizinhos vão notar nossas decisões.

Se outros descobrem que eu fico contente com uma pequena divisão, eles provavelmente vão me fazer uma oferta baixa. Se eu sou conhecido por ficar bravo quando encontro um oferta pequena, outros tem incentivos para me dar ofertas maiores. Assim, evolução deve ter criado respostas emocionais para baixas ofertas. Como interações de uma jogada só são raras durante a evolução humana, essas emoções não discriminam entre interações repetitivas e únicas. Essa é provalvemente uma das explicações de porque muitos respondem emocionamente a baixas ofertas no Jogo do Ultimato. Nós sentimos que devemos rejeitar um oferta baixa para manter nossa auto-estima. Do ponto de vista evolucionário, essa auto-estima é um mecanismo interno para adquirir reputação, que é benéfico para futuros encontros.

Nas minhas leituras sobre o tema percebo que o Jogo do Ultimato intriga até hoje os pesquisadores pois as experiências mostram que nem todos agem de forma racional e no fim se prejudicam a si mesmos. Quem prefere ficar com nada do que com $10 faz isso para punir o outro jogador a fim de que fique com zero, mesmo que essa punição não seja educativa uma vez que não há segunda rodada. Há doadores que não acham justo fazer uma divisão desigual por motivos humanísticos, e há os que ficam com medo do parceiro rejeitar, então melhor ficar com $50 com certeza do que correr o risco de ficar com nada.

De qualquer forma, o mundo real é complexo mesmo, e ter um bom raciocínio estratégico ajuda nestes casos ao conseguir identificar, por exemplo, se o jogo é anônimo, se você conhece o perfil do adversário, se pode combinar antes e se os jogos são repetidos. Mais uma vez, independente da solução "racional-matemática", este é mais um exemplo de como é importante conhecer o outro jogador e quais são os reais incentivos dele.
 

[1] Scientific American, 2001, The Economics of Fair Play, by Karl Sigmund, Ernst Fehr e Martin A. Nowak
 

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