por Fernando Barrichelo
 
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Decisões, Jogos e Insights
 
Lourdes quer comprar leite e precisa decidir se vai ao mercado A ou B, dependendo do preço da unidade e distância da sua casa. Carlos vai de ônibus ao trabalho e precisa decidir se leva o guarda-chuva, dependendo da probabilidade de chover. Maurício é gerente do mercado A e precisa decidir se faz promoção de leite e guarda-chuva, mas depende de como o concorrente, o mercado B, vai reagir. Patrícia é dona do mercado B e precisa decidir se faz uma campanha de marketing, mas depende do que Maurício está pensando fazer a respeito do leite. Nossa vida diária é repleta de decisões, como as anteriores e muito mais - vivemos tomando decisões sobre tudo. Algumas são simples e imediatas, outras são mais complexas e precisam de reflexão.

Há vários tipos de decisões: neste livro vamos abordar as chamadas decisões estratégicas. Sem conceito universal, as palavras "estratégia" e "estratégica" possuem diferentes significados para diferentes autores. No nosso caso, decisões estratégicas são aquelas iguais as de Maurício e Patrícia. Ambos se encontram em situações estratégicas, cenários em que a decisão de um afeta a decisão do outro porque os resultados estão conectados. Se Maurício abaixar o preço do leite e Patrícia não, Maurício vai se dar bem pois venderá mais. Mas se Patrícia também abaixar o preço, o resultado muda de figura. Este conceito será bem explicado com vários exemplos ao longo do livro.

Você pode melhorar suas decisões estratégicas, e por fim, o seu pensamento estratégico? É claro, para isso existem vários insights úteis e modelos de decisão. Como analogia, para cada tipo de desenho ou pintura existe uma ferramenta adequada, seja lápis, giz, pincel, entre outros. O grande artista, no seu kit de instrumentos, sabe escolher qual deles usar em cada ocasião. O grande estrategista faz a mesma coisa: para cada decisão existe um modelo de pensamento mais adequado. Modelos de decisão são um conjunto de regras mentais que tornam o raciocínio mais rápido e direcionado.

Aqui vamos apresentar um dos modelos de decisão mais poderosos para as situações estratégicas, a Teoria dos Jogos. Ela também é chamada por alguns autores como a Arte e Ciência da Estratégia. Em poucas palavras, é sobre antecipar como os outros vão responder ao que você fará, quando simultaneamente eles estão pensando o mesmo sobre você. Teoria dos Jogos é o estudo sobre as tomadas de decisões estratégicas e a lógica das interações humanas. Ela é um grande framework - uma caixa de ferramentas com modelos que organizam o seu raciocínio - para que, junto com outros tradicionais conceitos, você decida melhor nos ambientes estratégicos.

Ao contrário do que parece ser, Teoria dos Jogos não se refere a videogames, nem mesmo a simulação de cenários em jogos de empresas. Utilizamos a palavra "jogos" devido a analogia com as situações estratégicas: você precisa tomar uma decisão enquanto imagina a decisão do outro, como nos jogos tradicionais. A palavra "teoria" é usada porque se trata de uma coletânea de ideias que ajudam a descrever ou prescrever fenômenos ou comportamentos. É por isso que a Teoria dos Jogos pode ser considerada a arte e ciência das decisões estratégicas.

Originalmente, a Teoria dos Jogos possui uma rigorosa linguagem matemática. Entretanto, não usaremos formulações matemáticas neste livro. É verdade, existem algumas vantagens ao usar a matemática como pano de fundo de um modelo mental; uma linguagem formal oferece precisão na comunicação e retira ambiguidades. Mas o problema do lado matemático da Teoria dos Jogos é que afasta muita gente. A linguagem estritamente formal e conceitos muito abstratos tornam o estudo muito árido e com poucas aplicações práticas. Ainda, como diz Ariel Rubenstein, a formalidade da Teoria dos Jogos cria a ilusão de que a teoria é científica a ponto de resolver todos os problemas[1]. Neste livro vamos usar apenas estórias, analogias, jogos e figuras esquemáticas[2]. Concordo com Rubenstein quando ele comenta que "existe uma conexão meio mágica entre os símbolos e as palavras no mundo da Teoria dos Jogos". Esta transposição de conceitos formais em fábulas é fascinante. Na prática, esses recursos ajudam a sistematizar o intuitivo.

Os três grandes insights da Teoria dos Jogos

A parte I aborda com mais detalhes sobre Estratégia, Situações Estratégicas e Modelos de Decisão. Nas partes II a IV vamos mostrar vários modelos e estórias que fornecem os três tipos de insights mais relevantes da Teoria dos Jogos: os insights para competir, insights para colaborar e insights para sinalizar.

Nos Insights para Competir, você verá a regra número um da Teoria dos Jogos: coloque-se na posição do concorrente, pense adiante e raciocine para trás. Basicamente funciona assim. Ao entender as suas alternativas, as opções do adversário e os ganhos de cada um para cada escolha, imagine as melhores ações do outro jogador e depois decida o movimento que maximize o seu resultado considerando o provável decisão do concorrente. Uma boa alternativa é usar esquemáticos como árvores de decisão, porém o conceito simplificado é mais poderoso do que um completo mapeamento formal. O importante é forçar-se a pensar com a cabeça do outro. Por isso, a regra número dois é igualmente importante e complementar: saiba exatamente os incentivos de motivações do seu concorrente. Se você quer maximizar o seu lucro financeiro, mas o seu adversário está interessado em aumentar o market-share mesmo perdendo dinheiro no início, você precisa levar isso em conta, caso contrário não estarão jogando o mesmo jogo. Assim, entender todas as motivações, até as irracionais, faz parte do mapeamento da situação estratégia. Aqui você verá o conceito da "lógica da situação", ou seja, o entendimento do cenário completo - quem são os jogadores, qual a seqüência de decisões, quais os ganhos de cada um, etc. Entender a lógica da situação ajuda a compreender porque os comerciais de TV são mais longo a medida que o filme avança, porque algumas negociações aparentemente óbvias e ganha-ganha não são concretizadas, porque multar pais pelo atraso em buscar os filhos não funciona e porque Garrincha estava certo quando perguntou "o senhor já negociou com os russos?"

Nos Insights para Colaborar, apresentamos um famoso jogo que representa bem o dilema entre cooperar e trair, chamado de Dilema dos Prisioneiros. Este "jogo-modelo" é uma das metáforas mais poderosas na ciência do comportamento humano pois inúmeros relacionamentos sociais/econômicos tem a mesma estrutura de incentivos. Neste jogo, existe a grande tentação para trair e aumentar os ganhos individuais. O intrigante é que a melhor solução "racional" é competir mesmo quando colaborar fornece melhor resultado a ambos, caracterizando o dilema. Para sair deste cilada vamos mostrar duas formas básicas. A primeira é o uso de uma autoridade central que force os jogadores a fazer as escolhas melhores. A segunda forma é transformar o jogo de uma jogada só em um jogo de infinitas interações. O relacionamento repetido cria um mecanismo automático de cooperação sem precisar de uma autoridade central, mas para isso você precisa jogar a tática do "Olho por Olho". Alguns biólogos utilizam este conceito para explicar como surgiu a colaboração na evolução das espécies. Quando existem múltiplos ou infinitos jogadores, a metáfora ajuda a explicar o comportamento dos free-riders, como exemplo, porque as pessoas gastam mais quando a conta do restaurante é dividida de forma igual e porque as pessoas não se preocupam com o aquecimento global.

Nos Insights para Sinalizar, você verá os conceitos de comprometimento e ameaças críveis. Seja para competir ou colaborar, fazer uma sinalização das suas intenções de forma crível é uma das melhores formas de convencer seu interlocutor. Aqui mostraremos, por exemplo, porque muitas vezes ter menos opções é muito melhor do que ter muitas alternativas de escolha.

Em Conclusões: Jogando Melhor, apresentamos uma recapitulação dos conceitos e fornecemos conselhos sobre como "jogar melhor", ou seja, como identificar oportunidades e tomar melhores decisões estratégicas.

Não vamos fugir da discussão sobre as limitações da Teoria dos Jogos. Muitos estudantes aprendem a "teoria" em disciplinas de graduação ou pós-graduação e, no final, saem do curso sem saber como aplica-la na vida real. Faz sentido. Primeiro porque ela é explicada através dos conceitos matemáticos e abstratos que possuem fins mais acadêmicos do que práticos. Segundo, porque as interações estratégicas no mundo real não são tão simples como nos exemplos didáticos dos livros. Nem sempre os elementos do jogo são suficientemente claros para aplicar em um modelo e ter uma resposta pragmática. Ainda, nem sempre os jogadores agem de forma racional conforme prescreve a teoria econômica. Entretanto, este dilema teoria-prática não é exclusividade da Teoria dos Jogos. Alias, praticamente em todos os conceitos nas universidades existe certa dose de abstração com o propósito de construir o conhecimento, e não dar treinamento prático. Até hoje, por exemplo, nunca vi um caso real onde mapeou-se todos os pontos do gráfico de preço-quantidade (curva da demanda) para calcular a elasticidade e definir o preço que maximiza o lucro. Apesar disso, o conceito é rico e utiliza-se para se comunicar e testar estratégias.

Assim, neste livro também utilizamos exemplos simplificados pois é muito mais didático para a compreensão. Como comentado, todos as disciplinas nas escolas de administração utilizam modelos simplificados. Na prática, a Teoria dos Jogos e seus três insights (Competir, Colaborar e Sinalizar) oferecem dicas palpáveis para se ter mente e conseguir reconhecer situações estratégicas.

Nos Apêndices: Aprofundamento para Mentes Curiosas apresentamos outros detalhes opcionais.

Uma nova forma de pensar

Muitas coisas parecerão senso comum. Alguém poderia dizer que não é preciso da Teoria dos Jogos para chegar as mesmas conclusões. Isso é verdade. A Teoria dos Jogos é estudada dentro de três disciplinas - teoria das decisões, economia e estratégia. Não é trivial segregar nitidamente a "propriedade" de cada conceito em cada uma das quatro matérias. Onde começa um e termina o outro? Ainda, é possível mesclar conceitos com a economia comportamental, psicologia, filosofia e lógica.

Entretanto, o óbvio apenas parece ser óbvio depois de entrar em contato. Ainda, não é porque é óbvio então é fácil, e principalmente, comunicável. A vantagem de estudar este tópicos sob o guarda-chuva da Teoria dos Jogos (alias, vale para qualquer disciplina) é ter todos os conceitos que "organizam o raciocínio" e "aceleram o conhecimento". O grande mérito é conseguir sistematizar o intuitivo a ponto de ser categorizado, organizado e melhor comunicado. Esta é função de qualquer modelo de decisão. Aliás, esta é função da ciência. Ciência nada mais é que o conhecimento organizado, feita para ser comunicada eficientemente e testar hipóteses.

Este "senso comum organizado" ajuda a pensar diferente. Abordar as suas próximas negociações e situações do cotidiano usando conceitos da Teoria dos Jogos deixará o seu raciocínio mais flexível, inteligente e tolerante a ambiguidades e ineficiências. David McAdams utiliza o termo "game-awareness" como a habilidade de ver o mundo a sua volta com olhos mais abertos e estratégicos [3]. Esta "consciência sobre o jogo" significa entender as características da situação (do jogo) em questão. A consciência permite reconhecer as oportunidades estratégicas que outros não vêem, seja para competir, colaborar ou sinalizar.

Um exemplo de McAdams de como o "game-awareness" pode ajudar nos negócios é Alfred Sloan, legendário líder da General Motors. A biografia de Sloan mostra a habilidade dele em entender como o jogo do mercado automobilístico transformaria não somente a GM como toda a indústria. Como exemplo, Sloan percebeu que o design de carros era importante aos consumidores e levou a GM a introduzir um novo modelo por ano, encorajando o comércio por carros usados. Da mesma forma, o entendimento de Sloan sobre os incentivos das concessionárias levou a GM a ser o primeiro fabricante a oferecer a compra de estoque encalhado, bem como o pioneiro a implantar um sistema contábil integrado.

Aproveite a jornada deste livro. Você terá seus próprios insights para um melhor pensamento estratégico, obtendo vantagens competitivas/colaborativas nas sua próximas interações estratégicas.
 
[1] Ariel Rubenstein é escritor de vários livros sobre Teoria dos Jogos. Um texto curto sobre vantagens e limitações da teoria é no link http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/debatten/game-theory-how-game-theory-will-solve-the-problems-of-the-euro-bloc-and-stop-iranian-nukes-12130407.html
[2] Leitores mais voltados para a matemática podem ser aprofundar lendo vários livros-textos usados nas disciplinas das universidades.
[2] Game-changer: Game Theory and the Art of Transforming Strategic Situations, David McAdams, 2014, WW Norton.



Pensamento Estratégico e Decisões Estratégicas
 
O que é o Pensamento Estratégico

Seja um executivo, consultor, gerente ou consumidor, no mundo atual você precisa analisar o ambiente a sua volta para tomar boas decisões e ter bons resultados. Para isso, você precisa pensar estrategicamente. Há muitas ferramentas que ajudam o seu pensamento analítico e estratégico, e este site oferece alguns insights, teorias e modelos para este fim.

Mas o que é pensamento estratégico? Ele envolve analisar os problemas e as oportunidades a partir de uma perspectiva ampla, pensando no longo prazo e compreendendo o impacto de suas ações sobre os outros e vice-versa. Como todo mundo, você rotineiramente se depara com situações complexas e problemas difíceis. Seu trabalho é lidar com essas situações da melhor forma possível, usando as informações que você tem. Em um mundo ideal, você tem acesso a todas as informações que precisa para enfrentar estes desafios, porém na prática você tem apenas uma quantidade limitada. O pensar de forma estratégica ajuda a superar essas limitações.

O pensamento estratégico é uma habilidade poderosa e valiosa que aumenta as chances de sucesso nos seus projetos profissionais e pessoais. Quando você pensa estrategicamente, você gera benefícios importantes, como (1) desenvolver planos de longo prazo com mais eficiência ao antecipar o inesperado, (2) avaliar se deve competir ou cooperar com concorrentes e (3) visualizar a cadeia de reações para maximizar seus resultados. Ainda, consegue alinhar as ações com os demais interlocutores, se comunicar melhor, ganhar compromisso e promover a cultura do planejamento. Com as habilidades de pensamento estratégico, você tem um guia simples e abrangente com táticas, ferramentas e estudos de caso.

Existem várias teorias e técnicas para desenvolver esse tipo de raciocínio. Como exemplo, o curso online da Harvard Business School chamado Strategic Thinking destaca as sete habilidades dos melhores estrategistas: entender o quadro geral (big picture), ter claro os objetivos estratégicos, identificar os padrões, relacionamentos e tendências, pensar criativamente, analisar informações, priorizar as ações e assumir os trade-offs [1]. Já Denise Cummins, no livro Good Thinking - seven powerful ideas that influence the way we think apresenta sete métodos que ajudam a ter um melhor julgamento: escolha racional, julgamento moral, raciocínio científico, lógica, solução de problemas, raciocínio análogo e teoria dos jogos [2].

Geralmente, as publicações voltadas ao tema usam modelos mentais muito bem estruturados. O objetivo deste site é adicionar ao seu framework do pensamento estratégico uma poderosa ferramenta, chamada Teoria dos Jogos, que é especificamente útil para aprimorar o seu raciocínio nas situações de competição e cooperação. Além dela vamos incorporar os conceitos da Economia clássica, Economia comportamental, Teoria das Decisões, entre outras. Mas antes de explicar esses temas propriamente ditos (no capítulo 2 em diante), é importante abordar um pouco mais sobre o processo decisório no raciocínio humano para poder explicar o que é uma Decisão Estratégia e, por fim, o que é significa a palavra Estratégico(a) no mundo da Teoria dos Jogos.

O que é uma Decisão Estratégica

Preste atenção sobre o seguinte. Pensar estrategicamente significa decidir estrategicamente. Decidir significa fazer uma escolha, escolher significa selecionar um item de um menu de opções. Como em um restaurante, você quer decidir o que comer, então pede o cardápio e escolhe um dos itens do menu. A figura abaixo apresenta os três tipos de escolhas que rodeiam o nosso cotidiano [3]: (1) a escolha com certeza, (2) a escolha com incerteza probabilística e (3) a escolha com incerteza estratégica.



A escolha com CERTEZA ocorre quando os itens do menu de opções são finitos, com preferências e conseqüências bem definidas e racionais. Como no exemplo do restaurante, você pode escolher entre carne, frango, peixe ou massa. A decisão até pode ser difícil ("oh céus, tudo parece bom"), mas depende exclusivamente do seu gosto. Para aumentar os subsídios para tomada de decisões, você até pode consultar o garçon sobre o prato mais popular ou verificar indicações nas redes sociais.

Outras escolhas podem ser menos triviais, como comprar um carro. Imagine que você tem duas opções. O carro A é mais barato, porém não possui um motor tão potente e alguns opcionais porta-treco para seus filhos. O carro B é mais caro, possui os acessórios desejados, mas não existe na cor que você gostaria, além de gastar mais combustível. Existe um trade-off a resolver. Você recorre a alguns conceitos que aprendeu nas aulas de Teoria das Decisões e usa o modelo de elencar atributos e atribuir pesos e notas a cada um deles. Idem para comprar roupas, imóveis ou decidir qual o melhor resort na praia para o próximo verão. Assim você cria um modelo de decisão. Por mais difícil que possa aparecer, a "escolha com certeza" é o tipo de decisão mais fácil - depende apenas de você, suas preferências e seus modelos.

A escolha com INCERTEZA PROBABILÍSTICA ocorre quando há certo grau de probabilidade de ocorrer um evento. Aqui entram em ação alguns conceitos de risco, chance e utilidade esperada. Para decidir se você sai de casa com guarda-chuva, você verifica a previsão do tempo e a probabilidade de chuver. Assim você pode decidir se corre o risco de levá-lo a toa se não chover, ou não levá-lo e se molhar se chover. Outros raciocínios similares são usados em jogos de azar ou loteria.

Nosso foco de estudo para este livro é o terceiro tipo. A escolha com INCERTEZA ESTRATÉGICA ocorre quando o resultado da sua decisão individual é dependende da decisão individual de outra pessoa. Talvez o exemplo mais simples seja o jogo do Par ou Impar. Você decide Par e precisa escolher um número de 0 a 5 para colocar. Como sabemos, não importa apenas o número que você coloca, e sim do número que você e o seu adversário colocam. O resultado depende da soma dos números de ambos jogadores, e não apenas do seu número (seja Par ou Impar). Se você não quer depender da sorte, a sua decisão depende da crença do que o outro jogador vai colocar. Confiando que ele vai colocar Par, então você deve colocar Par. Se achar que ele vai colocar Impar, então deve colocar Impar para que o resultado seja Par.



O xadrez é um jogo mais sofisticado que possui a mesma dinâmica de raciocínio. Os bons jogadores pensam várias jogadas a frente antes de tomar a decisão do próximo movimento. Não importa a sua jogada isolada apenas, o resultado depende da reação do meu adversário. A combinação de movimentos é que vai gerar o ganhador. Esse tipo de escolha também tem uma componente de Incerteza (não depende de um ranking individual de preferência) e uma componente Estratégica (a incerteza não é aleatória e sim deliberada por uma outra pessoa).

Como conclusão, podemos dizer que uma Decisão Estratégica é aquela cujo resultado desejado depende da combinação de escolhas dos tomadores de decisão. Em outras palavras, dizemos que existe uma interdependência de decisões. Como você verá mais para frente, são estes tipos de situações interativas que utilizamos a Teoria dos Jogos para analisar e obter insights. Forneceremos exemplos reais mais palpáveis ao longo do livro, e você perceberá que estudar as Decisões Estratégicas (ou Situações Estratégicas) melhorará o seu Pensamento Estratégico.
 
[1]: Curso Strategic Thinking, Harvard Business Review, link http://ww3.harvardbusiness.org/corporate/demos/hmm10/strategic_thinking/get_started.html
[2]: Good Thinking, Denise D. Cummins, 2012, Cambridge University Press. Em inglês os sete métodos são Rational Choice, Moral Judgment, Scientific Reasoning, Logic, Problem Solving, Analogical Reasoning e Game Theory.
[3] Michael Allinghan, Choice Theory, 2002, Oxford University Press



Garrincha: O senhor já combinou com os russos?
Ele não sabia, mas estava raciocinando com a Teoria dos Jogos
 
Conta a lenda que na Copa de 1958, durante a preleção antes do jogo contra a antiga União Soviética, o técnico brasileiro Vicente Feola reuniu os jogadores e combinou a estratégia da partida. Segundo Nelson Correa, foi algo assim [1]:

No meio de campo, Nilson Santos, Zito e Didi trocariam passes curtos para atrair a atenção dos russos… Vavá puxaria a marcação da defesa deles caindo para o lado esquerdo do campo… Depois da troca de passes no meio do campo, repentinamente a bola seria lançada por Nilton Santos nas costas do marcador de Garrincha. Garrincha venceria facilmente seu marcador na corrida e com a bola dominada iria até à área do adversário, sempre pela direita, e ao chegar à linha de fundo cruzaria a bola na direção da marca de pênalti; Mazzola viria de frente em grande velocidade já sabendo onde a bola seria lançada… e faria o gol! Garrincha com a camisa jogada no ombro, ouvia sem muito interesse a preleção, e em sua natural simplicidade perguntou ao técnico: Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?

Luis Nassif lembrou bem que "uma das características de qualquer ser humano racional, cartesiano, é a capacidade de prever as consequências de um lance jogado. Até Garrincha, gênio do futebol e escasso em raciocínio, entendia que não existe tática eficiente se não se prever qual será a reação do adversário. O famoso “já combinaram com os russos” é um monumento à boa lógica" [2].

Bem vindo ao mundo da Teoria dos Jogos. Garrincha não foi nada ingênuo. Elaborar uma estratégia significa pensar todas as suas opções considerando as reações do seu adversário. A ciência e arte da Teoria dos Jogos está em oferecer algumas ferramentas formais para antecipar o movimento do outro jogador. Como exemplo, uma dos principais conceitos é "coloque-se na posição do adversário e veja o que você faria se fosse ele".
 
[1] Nelson Correa, Blog Pô Meu, http://pomeu.com/automobilismo/esqueceram-de-combinar-com-o-lewis/
[2] Luis Nassif, Blog Luis Nassif Online, http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/serra-a-sina-de-ser-vidraca



O que é Teoria dos Jogos
Uma breve introdução intuitiva
 
O que é Teoria dos Jogos e como ela pode melhorar as suas decisões estratégicas? Teoria dos Jogos é o estudo das tomadas de decisões entre indivíduos quando o resultado de cada um depende das decisões dos outros, numa interdependência similar a um jogo.

Mas primeiro é interessante explicar o que não é Teoria dos Jogos: decidir qual carro comprar, por exemplo. Escolher um automóvel é uma decisão complexa pela quantidade de variáveis a considerar. Além do preço, existem a aparência, estilo, tamanho, motor, conforto, acessórios, etc. Para complicar, sempre há um trade-off: nenhum carro possui exatamente todas as características que você gostou. Seria bom se o carro A, como aqueles acessórios, também tivesse a configuração do motor do carro B. Você pode criar um algoritmo (mental ou via computador) para colocar todas as variáveis e pesos de importância (suas utilidades) e criar um ranking. Entretanto, o exemplo do carro é uma decisão isolada - a decisão é só sua e não há interferência de outros no resultado.



Já a Teoria dos Jogos estuda cenários onde existem vários interessados em otimizar os próprios ganhos, as vezes em conflito entre si. Por exemplo, imagine que em sua empresa você tem dúvidas sobre qual ação tomar para aumentar o seu lucro: reduzir o preço, lançar outro produto ou fazer uma campanha de marketing?

No caso de reduzir o preço, conhecendo a curva de demanda, se abaixar o preço em 3%, sua receita sobe 7% pois vai ganhar market-share. Você calculou a relação de preço versus vendas e, conseqüentemente, a migração de consumidores do produto concorrente para o seu. Mas e se seu concorrente reagir e também abaixar o preço na mesma proporção? Como conseqüência da estratégia dele, o seu ganho, antes imaginado como aumento em 7%, muda para uma perda de 5% pois não aconteceu como você previu.



O resultado (ganho ou perda) de uma decisão depende obrigatoriamente da movimentação dos dois concorrentes, tornando a tomada de decisão muito mais complexa. Por isso, você precisa saber quais são os ganhos ou perdas de cada combinação e identificar quais são os incentivos mais atraentes para seu adversário, sabendo que ele está imaginando quais são os seus ganhos para também tomar uma decisão.

Com essas informações e deduções, reduzir o preço não é uma boa estratégia. Então você imagina fazer uma campanha de marketing. Começa outro ciclo de previsões: como ele vai reagir neste caso? Ao se antecipar as ações do seu competidor, você deve repensar antes de agir e visualizar todas as implicações de cada decisão, e ele fará o mesmo simultaneamente.

Por isso, a melhor recomendação é: antes de tomar uma decisão, coloque-se no lugar do concorrente e imagine qual seria a reação dele dadas as ações e incentivos existentes. Simultaneamente ele fará o mesmo - entender quais são suas motivações e ações para que ele tome a melhor decisão. Este é ciclo sem fim: você pensa que ele pensa que você pensa que ele pensa que....

Teoria dos Jogos é isso: entender que sua decisão não é independente e ambos os ganhos dependem da combinação de muitas ações em cadeia até chegar em um equilíbrio. Este equilíbrio é o chamado Equilíbrio de Nash, em homenagem a John Nash Jr, prêmio Nobel de 1994 e que foi personagem de Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante, ganhador do Oscar de 2002.

Outras analogias interessantes sobre decisões interdependentes são o Dilema da Ponte e o Dilema do Vagão de Trem.


Teoria dos Jogos: o intuitivo agora sistematizado

Pensar no concorrente e nas ações-reações antes agir parece ser muito intuitivo. Você já pensa assim, certo? Então, por que precisaria da Teoria dos Jogos para uma atitude tão óbvia? Resposta: porque a Teoria dos Jogos oferece metodologias que organizam o seu raciocínio nos jogos do cotidiano com seu concorrente, chefe, subordinado, colega de trabalho, cliente, fornecedor, vendedor, amigo, esposa/marido, governo, consumidor e outros.

Nesta caixa de ferramentas existem alguns conceitos estruturados que ajudam na comunicação e no entendimento de como as pessoas decidem. Exemplos:

- matriz de resultados ou esquema de incentivos
- jogos seqüenciais versus simultâneos
- cooperação versus competição
- dilema do prisioneiro e equilibrio ineficiente
- equilíbrio de Nash
- estratégia dominante e backward induction
- jogos repetitivos e estratégia mista
- informação incompleta

Assim como várias teorias de administração ajudam a estruturar o seu pensamento nas decisões competitivas, a Teoria dos Jogos possui modelos formais e exemplos que facilitam o entendimento nas decisões interdependentes, além de facilitar a comunicação e treinamento dos conceitos como qualquer teoria formal. A base da teoria é colocar-se na posição do outro e raciocinar o que você faria em cada situação, modelando todas as interações com benefícios/prejuízos de ambos e daí tomar a melhor ação estratégica.

A Teoria dos Jogos, como disciplina independente, não resolve todos os problemas, mas apresenta vários insights para melhorar seu pensamento estratégico como um elemento complementar das demais Teorias de Decisões. Para se aprofundar e para ser um bom estrategista, é importante unir os conceitos das disciplinas de Estratégia, da Economia Clássica (como preferências e utilidades, resultado esperado, risco e incerteza, free-rider, assimetria de informações) e da Teoria Comportamental (heurísticas e viéses cognitivos). Neste último caso, quanto mais você souber quais são os incentivos e reais motivações do seu concorrente ou parceiro, maiores as suas chances de ganhar o jogo. A união de todos os elementos é uma grande forma para melhorar suas decisões estratégicas.
 



Analogia com o Dilema da Ponte
 
Existe um texto de Don Ross, no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy (capítulo de Game Theory) o qual chamei de Dilema da Ponte, que representa bem a essência da Teoria dos Jogos [1]. Imagine que você deseja atravessar um rio que possui três pontes. Assuma que é impossível via natação ou barco. A primeira ponte é conhecida por ser segura e livre de obstáculos, se você tentar atravessar lá, você terá sucesso. A segunda ponte se encontra debaixo de um penhasco de pedras grandes que às vezes caem. A terceira é habitada por cobras mortais.

Agora, suponha que você queira ranquear as três pontes de acordo com facilidade de passagem. Sua tarefa aqui é bastante simples. A primeira ponte é a melhor, obviamente, pois é mais segura. Para classificar as outras duas pontes você necessita de informações sobre seus níveis relativos de perigo. Se você conseguisse estudar a freqüência de queda das rochas e os movimentos das cobras durante algum tempo, você poderia descobrir que a probabilidade de ser esmagado por uma rocha na segunda ponte é de 10% e de ser picado por uma cobra na terceira ponte é de 20%. Seu raciocínio aqui é estritamente paramétrico, pois nem as pedras nem as cobras estão tentando influenciar suas ações, por exemplo, ocultando os padrões típicos de comportamento. É bastante óbvio que você deve fazer aqui: atravessar a ponte segura. Por enquanto, não há envolvimento da Teoria dos Jogos, apenas da Teoria da Decisão, com probabilidades e utilidades.

Agora vamos complicar a situação um pouco. Suponha que a ponte das rochas está na sua frente, enquanto a ponte segura está longe, necessitando uma caminhada difícil por um dia inteiro. Sua tomada de decisão aqui é um pouco mais complicada, mas continua sendo estritamente paramétrica. Você teria que decidir se o custo da longa caminhada vale a pena trocar pelos 10% de chance de ser atingido por uma pedra. No entanto, isso é tudo que você tem que decidir, e sua probabilidade de sucesso depende inteiramente de você, o ambiente não está interessado em seus planos.

No entanto, vamos complicar mais um pouco a situação, acrescentando um elemento que interage com sua decisão, tornando o problema mais intrigante. Suponha que você é um fugitivo e seu perseguidor está te esperando do outro lado do rio com uma arma. Ele vai atirar em você apenas se ele esperá-lo na ponte que você atravessar, caso contrário você consegue escapar.

A medida que pensa qual ponte escolher, seu perseguidor está do outro lado tentando antecipar o seu raciocínio. Agora, parece que escolher a ponte segura seria um erro, uma vez que é exatamente onde ele vai esperá-lo, e sua chance de morrer aumenta. Então talvez você deva correr o risco com as rochas, uma vez que estas probabilidades são melhores. Mas espere ... se você chegou a essa conclusão, o seu perseguidor, que é tão racional e bem informado como você, pode antecipar isso, e estará esperando por você se você fugir das pedras.

Portanto, talvez você deva arriscar com as cobras, que é o que o perseguidor menos espera. Mas, então, não ... se ele acha que você acha que ele menos espera nas cobras, então ele vai esperar mais. Esse dilema, você percebe, é geral: você deve fazer o que o seu perseguidor menos espera, mas qualquer coisa que você ache que ele menos espera, automaticamente é o que ele vai esperar mais.

Você parece estar preso na indecisão. Tudo o que pode consolá-lo um pouco aqui é que, do outro lado do rio, seu perseguidor é preso em exatamente no mesmo dilema, incapaz de decidir qual a ponte esperar porque logo que ele imagina, comprometendo-se a uma, ele vai notar que se pode encontrar uma melhor razão para escolher outra ponte pois pode antecipar essa mesma razão e, em seguida, evitá-la.

São estes tipos de situações em que a Teoria dos Jogos se interessa, onde o resultado depende da decisão conjunta dos jogadores, onde cada um tenta antecipar a escolha do outro. Os "teóricos dos jogos" entendem que existe uma solução racional, isto é, uma melhor ação racional disponível para ambos os jogadores. No entanto, até a década de 1940, nem os filósofos nem os economistas sabiam como encontrá-lo matematicamente. Von Newman e John Nash fizeram grandes contribuições na modelagem matemática destes cenários e faz parte da maioria dos livros didáticos de teoria dos jogos.

Mas o mais importante do legado da Teoria dos Jogos é o raciocínio da antecipação dos movimentos, intuitivo para a maior parte das pessoas no dia a dia, pois a disciplina oferece alguns conceitos e modelos formais que ajudam a estruturar o pensamento. Com a ajuda de "jogos-modelos", ou seja, exemplos de situações e respectivas soluções, você pode usá-los como analogia no seu cotidiano e tomar melhores decisões.
 
[1] Site Stanford Encyclopedia of Philosophy, link http://plato.stanford.edu/entries/game-theory/



Analogia com o Dilema do Vagão de Trem
 
Outra analogia muito útil sobre decisões interdependentes para explicar a essência da Teoria dos Jogos é dada por Thomas Schilling, no livro Choice and Consequence (capítulo What is Game Theory). Batizei este trecho como o Dilema do Vagão de Trem.

Cena 1: Imagine que você está na plataforma de uma estação, pronto para embarcar no trem, e encontra um velho amigo que tem assento reservado em um vagão diferente do seu. Você combina de encontrá-lo no vagão do jantar. Depois de embarcar no trem, você descobre que existe um restaurante na primeira classe e um buffet na segunda classe. Você prefere comer na primeira classe, mas suspeita que seu amigo prefere o carro buffet. Você quer fazer uma reserva que coincida com a dele. Você escolhe a primeira classe ou o carro buffet? (Evidentemente, considere que você não sabe o número do celular dele e não podem ser comunicar).

Cena 2: Imagine agora que você está na plataforma e encontra um amigo que você quer evitar. Suas reservas estão em carros diferentes, mas ele sugere encontrá-lo no jantar. Você fica aliviado quando descobre que existem dois vagões de restaurante, o da primeira classe e o buffet. Se você escolher corretamente, você pode "inocentemente" desencontrar com seu amigo. Você tem que ter cuidado, ele pode imaginar que você quer fugir dele. Normalmente você janta na primeira classe e ele sabe disso. Para qual vagão você faz sua reserva?

Perceba nas duas situações que as decisões de vocês são interdependentes e, portanto, mais uma situação em que a Teoria dos Jogos ajuda na análise. Dois ou mais indivíduos têm escolhas a fazer, possuem preferências quanto aos resultados, e algum conhecimento das opções disponíveis para cada um e sobre as preferências dos outros. O resultado depende das escolhas que ambos fazem. Assim, não há uma melhor escolha "independente" do que se pode fazer. Você depende das decisões dos outros.

Para alguns problemas, como escolher a rota que minimiza a distância de casa para o escritório, você pode chegar a uma solução sem resolver qualquer problema dos outros ao mesmo tempo. Mas nas grandes avenidas e trajetos, porém, você precisa saber o que o outro motorista vai fazer e você sabe que um elemento fundamental em sua decisão é o que ele pensa que você vai fazer. Qualquer "solução" de um problema como este é necessariamente uma solução para ambos os participantes. Cada um deve tentar ver o problema a partir do outro ponto de vista. O que a Teoria dos Jogos faz é ajudar a identificar este tipo de situação de forma prática e intelectual, e tenta propor uma solução conjunta satisfatória para os participantes racionais.

Cada um deve basear sua decisão baseando-se nas suas próprias expectativas e a dos outros. A menos que supomos que um jogador simplesmente tenha expectativa errada, deve haver alguma consistência, não apenas nas suas escolhas/expectativas, mas nas expectativas dos outros. Por isso que a Teoria dos Jogos é o estudo formal das expectativas racionais e consistentes de que os participantes tem sobre as escolhas dos outros. É, porém, abstrato e dedutivo, não estudo empírico de como as pessoas tomam decisões, mas uma teoria dedutiva sobre as condições em que as sua decisão é considerada "racional", "consistente", ou "não-contraditória". É claro que a definição "racional", "consistente" ou "não-contraditória" para decisões interdependentes é em si parte do estudo da Teoria dos Jogos.

Os próximos exemplos mostrarão como analisar algumas situações utilizando empresas, estratégias e valores numéricos para mostrar como a metodologia funciona.
 
[1] Choice and Consequence, Thomas Schilling, capítulo 10, What is Game Theory.



Modelos de Decisão e sua Caixa de Ferramenta Mental
 
Sabemos que situações da vida real nas tomadas de decisões são frequentemente muito complexas. Teorias, em geral, oferecem um modelo para essa complexidade. Um modelo é para uma situação real o mesmo que um mapa rodoviário é para a região que ele representa. O mapa é uma simplificação, uma representação propositadamente estilizada que omite algumas características e destaca outras. Se tivesse todos os detalhes da região, estrada, cidade ou bairro, seria tão complicado que não daria para entender e portanto seria inútil como mapa. Similarmente, muitos modelos de decisão são simplificações, mas extremamente eficazes como um mapa. Na verdade, a complexidade é melhor entendida ao quebrar a situações em componentes básicos.



John McMillan, no livro Games, Strategies and Managers, apresenta um bom argumento quando alguém diz que "o mundo é muito mais complicado que os modelos". Isso é verdade devido a natureza de qualquer modelo. Um modelo não é adequado só se ele distorcer a situação atual ao omitir algo muito crucial [1]. O que se busca, como qualquer teoria de administração, é encontrar principios gerais. Nenhum cenário estratégico seria capturado totalmente por um modelo, principalmente quando existem indivíduos diferentes tomando decisões. Se um argumento não funciona em um modelo simplificado, então é provável que ele não seja válido em um modelo mais complicado. Modelar é uma forma de testar ideias ao focar cada parte por vez. Modelar significa reduzir uma situação de interesse na sua essência. Dizer que alguma coisa funciona na prática e não na teoria significa que ela não foi totalmente compreendida.

Tomada de decisões estratégicas não podem ser completamente reduzidas a uma ciência; sempre haverá espaço para truques. Um jogador com malícia irá invariavelmente ganhar de um lógico inocente no poquer. O pensamento estratégico não vem naturalmente, essa habilidade tem que ser aprendida, praticada e aplicada. Mas é valioso incentivar uma abordagem científica o quanto conseguirmos. Ciência é conhecimento organizado, feita para ser comunicada eficientemente: a ciência das decisões estratégicas pode ser aprendida em um livro. McMillan cita o filósofo Karl Popper para afirmar que o objetivo das ciências sociais é entender a "lógica de uma situação". Nós entendemos as ações das pessoas se nós vemos como essas ações são apropriadas a situação e consistentes com comportamento racional. Como verá neste site, a Teoria dos Jogos tenta entender a lógica das interações humanas e suas respectivas decisões.


O papel da Teoria dos Jogos como um modelo de decisão

A Teoria dos Jogos e demais conceitos aqui apresentados oferecem alguns pedaços concretos para entender essa "lógica de uma situação". Ao ajudar a pensar sistematicamente, nos dão um atalho para aquilo que os jogadores habilidosos aprenderam intuitivamente por longa e custosa experiência. Evidentemente, as teorias são limitadas, mas representam ferramentas poderosas para ajudar a entender interações estratégicas. Não é possível oferecer respostas definitivas sobre como agir em qualquer situação, tão pouco dizer aos gerentes como tocar os negócios. Uma tomada de decisão não pode ser reduzida simplesmente em um programa de computador ou regrinha de auto-ajuda. A Teoria dos Jogos não elimina a necessidade de conhecimento e intuição adquirida através de longa experiência, mas oferece um atalho para entender os princípios do processo de decisão.

Gerentes habilidosos e experientes entendem estes princípios intuitivamente, mas não necessariamente de uma forma que eles possam se comunicar seus entendimentos aos outros. Por isso, um dos maiores benefícios da Teoria dos Jogos é oferecer uma linguagem para expressar esses princípios. Vamos mostrar exemplos, analogias, estórias e "jogos-modelos" fáceis de memorizar e compartilhar, servindo como um grande exercício no processo de tomada de decisões. Assim, todos os conceitos representam uma forma de economizar e antecipar experiência, ao tornar possível captar os princípios do Pensamento Estratégico.


O grande estrategista e sua caixa de ferramenta mental

Para cada tipo de desenho ou pintura existe uma ferramenta adequada, seja lápis, giz, pincel e respectivos formatos, densidade e cores. No seu kit de instrumentos, o grande artista sabe escolher qual usar em cada ocasião. O grande estrategista faz a mesma coisa. Para cada problema existe um modelo de decisão mais adequado, mesmo que use apenas mentalmente. Aqui você vai aprender alguns deles para seu kit de pensamento, e verá os cenários de competição e cooperação com outros olhos.



A Teoria dos Jogos é um dos modelos de decisão que potencializa seu pensamento estratégico. Ela é chamada por muitos escritores como a ciência da estratégia. Em outras palavras, é sobre antecipar como os outros vão responder ao que você fará, quando simultaneamente eles estão pensando o mesmo sobre você. Na maioria das vezes, quando você toma uma decisão, o resultado da sua escolha depende da reação dos outros jogadores (concorrentes, parceiros, chefes), onde cada um busca o melhor para si numa complexa relação de interdependência de estratégias similar a um jogo.

Teoria dos Jogos é um estudo sobre as tomadas de decisões estratégicas e a lógica destas interações humanas. Ela é um grande framework - uma caixa de ferramentas com metodologias que organizam o seu raciocínio - para que, junto com outros tradicionais modelos de decisões e conceitos de economia, você tenha um melhor pensamento estratégico.
 
[1] Games, Strategies and Managers - How managers can use game theory to make better business decisions, John McMillan, 1992, Oxford University Press



O papel da racionalidade nas explicações
 
Geralmente os não-economistas reclamam dos economistas quando o assunto é usar modelos racionais de decisão. Um artigo da The Economist chamado The benevolence of self-interest responde a seguinte questão: "Como os economistas esperam ser levados a sério se o seu modelo de homem é tão patentemente inadequado? A Economia clássica assume que as pessoas são movidas pela busca racional de auto-interesse. Mas, como todos sabem, as pessoas não são racionais e que muitas vezes agem desinteressadamente. Onde, nesta visão do homem como uma máquina de calcular, há o reconhecimento do dever, amor e auto-sacrifício na conduta humana?" [1].

Como resposta, o autor diz que primeiro é preciso questionar se o termo "racional" significa a mesma coisa para os economistas e os críticos. Na economia clássica, dizer que as pessoas são racionais não é assumir que nunca cometem erros, como os críticos geralmente supõe. É apenas dizer que eles não fazem erros sistemáticos, ou seja, que não continuam fazendo o mesmo erro várias vezes. E quando os economistas falam de auto-interesse, não se referem apenas a satisfação dos desejos materiais, mas a uma idéia mais ampla de "preferências" que pode facilmente incluir, entre outras coisas, o bem-estar dos outros.

Mesmo quando os termos são adequadamente compreendidos, a "busca racional do auto-interesse" é uma hipótese simplificadora. A questão é saber se esta simplificação é útil ou não. O comportamento humano é muito complicado para ser analisado a ponto de gerar um padrão e sugerir generalizações sem o emprego de tais simplificações. Em quase todos os ramos da economia, a racionalidade tem sido um útil. Mas se os críticos da economia acreditam que qualquer tipo de análise social é possível, seria melhor dizer qual outra hipótese simplificadora eles preferem usar. Sem surpresa, eles não apresentam um candidato plausível.


O que é racionalidade

Michael Allingham, no livro Choice Theory: a Very Short Introduction, apresenta uma visão interessante sobre racionalidade, e a define como um padrão coerente de escolhas relacionadas a um menu de opções [2]. Segundo ele, devemos verificar a forma que as escolhas mudam quando o menu muda. Um menu é uma lista de itens nas quais uma escolha deve ser feita. Um menu simplificado em um restaurante poderia ser: (1) sanduiche de carne e (2) sanduiche de frango. Assim, existem quatro opções de escolha: comer nada, carne, frango ou ambos.

Por exemplo, você escolhe o de carne, e não há nada de irracional nisso. Mas quando o garçon chega para anotar o seu pedido, ele diz que também tem sanduiche de queijo. O efeito desta informação é que agora você tem um menu de três itens de sanduiche: (1) carne, (2) frango e (3) queijo. Daí você muda de opinião e escolhe frango. De novo, não há nada de mais na sua escolha de frango. Mas claramente há alguma coisa inapropriada no seu padrão de escolha: sua opção mudou quando o menu foi acrescido de um item que você não quer, o de queijo. Nesta situação, a adição de um item irrelevante (que você não quer) não deveria afetar a sua decisão. Não faz sentido mudar de opinião entre carne e frango porque apareceu a opção de queijo. Isso seria incoerente. Outro exemplo é um menu com sopa de aspargus, cebola e espinafre. Você escolhe aspargus. O garçon então diz que não tem sopa de espinafre. Daí você escolhe de cebola. De novo, a ausência de um item que você não escolheria não poderia afetar sua opção; isso seria incoerente (ou seja, seria irracional).

Em resumo, irracionalidade pode ser interpretada de várias formas e várias pessoas relacionam com emoção ao contrastar a racionalidade ligada a razão. Mas para efeito de padrões de escolhas, irracional é o comportamento incoerente, inconsistente ou ilógico a um padrão de preferências. Irracionalidade não tem nada a ver com emoção, intuição ou tomar uma decisão rápida sem pensar.


No mundo dos negócios existe menos irracionalidade

Anthony Kelly, no livro Decision Making using Game Theory, embora admitindo que muitas vezes o comportamento humano é puramente emocional, defende que premissa da racionalidade nos modelos de decisão ainda é válida. No meio dos negócios, há um tipo de seleção natural que induz sucessivas gerações de tomadores de decisão a serem mais racionais, baseado no fato que as organizações que selecionam estratégias sub-ótimas eventualmente desaparecem frente aos competidores [1].

No mundo atual, os executivos são bem formados, treinados e possuem grande conhecimento e experiência sobre os impactos das ações nos negócios. Não há motivo para ser irracional quando não se maximiza seus resultados. O que pode acontecer é que as percepções entre os jogadores sobre os payoffs são diferentes, o que não tem nada a ver com a racionalidade e sim a metodologia do cálculo. O executivo pode ser racional e fazer a conta errada. Ainda, o seu adversário pode ter preferências diferentes e disposição a risco de forma distinta, então ele reage a um cenário de forma alternativa a você. Portanto, o desafio está em entender as preferências de todos os jogadores e assim agir racionalmente em função disso. Você entra em um jogo para maximizar seu lucro, achando que seu adversário deseja o mesmo, entretanto ele faz reações para maximizar o market-share, e não lucro como você tinha imaginado. Não há nada de irracional das suas decisões e objetivos, tão pouco nas decisões e objetivos dele.

Se um indivíduo escolhe uma alternativa aparentemente louca, é porque fez uma seleção com base numa crença irracional. Portanto, o que é irracional é a crença, e não o critério e método de seleção, vale manter a premissa do modelo racional de decisão. Assim, definir a irracionalidade com base no resultado ou na ação é no mínimo suspeito pois é incompleto. Na verdade, seria extremamente racional se fingir irracional se isso fizer parte do jogo para atingir o seu objetivo. Como todo jogo, os jogadores devem tentar antecipar e conhecer o adversário para prever este tipo de movimento.

Na definição da Teoria dos Jogos, um jogador racional é aquele que 1) avalia os resultados, no sentido de ranquea-los em ordem de preferência, (2) calcula os caminhos para os resultados para entender quais ações levam aos respectivos resultados e (3) seleciona ações entre um conjunto de alternativas que levam aos resultados de maior preferência, dada as reações dos outros jogadores. Em resumo, o racional é aquele visualiza as alternativas possíveis e escolhe aquela que melhor serve os seus propósitos. Seu objetivo é ganhar um jogo, mas quando joga contra seu filho, você deseja perder. Assim, você escolhe movimentos adequados para seu objetivo e deixar seu filho ganhar. Você foi racional porque fez as ações coerentes e atingiu seu objetivo.


A explicação racional sobre o irracional

Você já deve ter lido vários artigos sobre decisões baseadas na emoção, intuição, feeling, entre outros adjetivos contrários a racionalidade. Muitos dizem que isso é positivo, pois a mente humana não é muito lógica e algumas boas decisões não nascem da razão. Outros dizem que a emoção é ruim, pois induz a decisões sub-ótimas e que precisamos calcular e ponderar situações racionalmente com pros e contras.

Como vimos aqui, não devemos confundir o conceito de racionalidade e não vamos negar o poder a intuição em algumas tomadas de decisão, como bem explica Malcolm Gladwell no livro Blink - A decisão num piscar de olhos [4]. Mas tenho uma constatação interessante e um pouco curiosa: todas as publicações sobre o assunto apresentam argumentos racionais para explicar o comportamento irracional. Não poderia ser diferente, se você quer explicar algo que faça sentido a alguém, você recorre a lógica e argumentação coerente [5].

Veja um exemplo. Você acompanha um incêndio numa casa do seu bairro e fica aterrorizado, achando que poderia acontecer na sua também. Não é racional pensar assim pois é muito raro, estatisticamente, ocorrer incêndios, ainda mais no seu bairro. As pessoas tendem a superestimar a ocorrência de eventos improváveis se as lembranças associadas aos mesmos forem particularmente dramáticas e, portanto, mais fáceis de lembrar. Como no exemplo, se você vir uma casa em chamas, aumenta sua crença de que tal acidente ocorrerá com muito mais frequência do que simplesmente lesse uma matéria de jornal a respeito de um incidente em uma residência qualquer e longe.

Os cientistas acharam uma explicação lógica para esse fenômeno emocional - entre os viéses da heurística, aplica-se aqui o viés da disponibilidade ou da facilidade de lembrança, quando os indivíduos julgam que os eventos mais facilmente recordados na memória, com base em sua vividez ou ocorrência recente, são mais numerosos do que aqueles de igual frequência cujos casos são menos facilmente lembrados. Algo fácil de lembrar parece ser mais numeroso do que algo menos fácil de lembrar [6] [7]. Essa é uma boa explicação racional. Então qual seria a explicação emocional?

O que buscamos nos argumentos para explicar o mundo são certos padrões de causa e efeito. Padrão garante previsibilidade e previsibilidade garante explicação ou predição. Essa é a essência de todo modelo econômico, psicológico, sociológico - explicar o passado e prever o futuro de forma coerente e lógica - sobre qualquer fenômeno ou atitude, seja racional ou emocional. Embora a mente humana seja bastante complexa, as teorias econômicas são baseadas em conceitos abstratos e racionais para poder se comunicar de forma eficiente e gerar mais conhecimento. A função de uma teoria ou modelo é criar um framework organizado e disciplinado para comunicar uma idéia e explicar ou prever algum comportamento.
 
[1] The benevolence of self-interest, The Economist, 1998 (não cita autor no site), link http://www.economist.com/node/179495
[2] Choice Theory: a very short introduction, Michael Allingham, 2007, Oxford University Press
[3] Decision Making using Game Theory, Anthony Kelly, 2004, Cambridge University Press
[4] Blink - A decisão num piscar de olhos, Malcolm Gladwell, Editora Rocco
[5] Neste site vamos usar as palavras "racional" e "lógico" sem distinção, considerando que racional é usar um padrão coerente de pensamento.
[6] Heurísticas e Vieses de Decisão: a Racionalidade Limitada no Processo Decisório, Macedo, Oliveira, Alyrio, Andrade. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
[7] Negociando racionalmente, Max H. Bazerman, 1994, Editora Atlas. Em outro exemplo, pesquisadores perguntaram a dois grupos que ouviram diferentes nomes de pessoas famosas se as listas tinham mais nomes de homens ou de mulheres. Uma das listas continha mais nomes de homens, mas as mulheres presentes na lista eram comparavelmente mais famosas. A outra lista continha mais nomes de mulheres, mas os homens da lista eram comparavelmente mais famosos. Em ambos os casos, os grupos advinharam incorretamente que as listas tinham mais nomes do mesmo sexo das pessoas mais famosas.



Vamos sistematizar o intuitivo
 
Nossa vida é recheada de insights que, de repente, nos fazem ver uma situação de forma diferente. Como exemplo, ocorreu comigo ao aprender o conceito de Sunk Cost em Economia. Sunk cost - custos afundados ou irrecuperáveis - são aqueles gastos já realizados que não podem ser mais recuperados. Como moral da estória, os custos do passado não devem ser considerados nas decisões sobre o futuro.

Isso abriu meus olhos na hora de tomar uma decisão e incorporei o conceito no meu framework de pensamento. Agora não fico mais com "peso na consciência" ao sair no meio de um filme chato só porque eu paguei um ingresso caro. Assistindo tudo ou saindo do cinema, eu não vou receber o dinheiro de volta de qualquer maneira - é sunk cost, dinheiro perdido, custo afundado. No momento da decisão (ficar ou sair do filme), o que importa são as alternativas que me darão mais satisfação a partir daí (futuro): terminar o filme, voltar para casa mais cedo, visitar uma loja que não daria tempo se ficasse no cinema, tomar sorvete, etc.

Este e outros conceitos de economia, estratégia e teoria das decisões são uma espécie de regras de ouro na minha caixa de ferramenta mental. Em geral, conceitos simples e bem definidos estruturam as tomadas de decisão de forma mais rápida, servem como atalho mental e viram os conselheiros internos que possibilitam retransmitir as dicas de forma mais didática. No caso do cinema, o conselho é simples: se o filme está chato e você tem coisa melhor a fazer no lugar dele, é perfeitamente racional sair no meio. Afinal, sunk cost não influencia a decisão futura; não fique preso a sua decisão do passado.

Entretanto, a analogia acima serve para ilustrar como incorporar conceitos no seu raciocínio, mas não é um exemplo de decisão "estratégica", pois como a maioria dos conselhos de Economia e Teoria das Decisões, se referem a situações com escolhas isoladas e independentes. Com o Pensamento Estratégico e a Teoria dos Jogos a situação é diferente, mais complexa e intelectualmente desafiadora, pois envolvem cenários em que o resultado das suas decisões é afetado pelas decisões dos outros, numa interdependência igual a um jogo.


Ah, agora faz sentido

Vamos ajudar seu raciocínio estratégico basicamente oferecendo elementos para sua caixa de ferramental mental, com vários exemplos fáceis de serem lembrados e incorporados no dia a dia nas tomadas de decisão. Você verá que a maioria dos conceitos ensinados são intuitivos, em muitos casos você pensará "ah... isso eu já sabia, mas interessante olhar por este aspecto". O que faremos, na verdade, é sistematizar o intuitivo em um formato bem mais fácil de analisar e recordar. Como estamos falando de decisões entre indivíduos em situações similares a um jogo, muitas vezes relacionadas ao cotidiano, um dos grandes benefícios desta nova forma de pensar é entender a lógica das interações humanas.

Para conseguir organizar a sua intuição e seu raciocínio sobre as interações humanas visando um melhor pensamento estratégico, a Teoria dos Jogos é a linha mestre de todos os conceitos, mas para ser mais aplicado na vida real é necessário incorporar três outras teorias - a Economia Clássica, a Economia Comportamental e a Teoria das Decisões. Todas essas ferramentas estarão permeam as discussões estratégicas.

Tanto a Teoria dos Jogos como a Economia possui uma matemática avançada para explicar os seus conceitos. Não usaremos fórmulas nesta abordagem, para isso existem livros-textos para graduação ou pós-graduação em que o leitor mais avançado pode consultar. Nossa metodologia é converter os conceitos em jogos-modelos, estórias e analogias. Estes são poderosos recursos para explicar os conceitos e propiciar o leitor duas vantagens - memorizar e transmitir para outros.


Nosso tema unificador

No livro SuperFreakonomics, Steven Levitt e Stephen Dubner relatam que o primeiro livro (Freakonomics) não tinha um "tema unificador" e que o livro era apenas uma coletânea de casos. Após feedbacks, eles perceberam que existia sim um tema unificador: as pessoas respondem a incentivos. De fato, ambas publicações abordam vários exemplos de incentivos não óbvios e respectivos comportamentos na vida real.

Qual o meu tema unificador neste site? Usando Teoria dos Jogos, Economia, Estratégia e Teoria das Decisões vamos estudar os comportamentos humanos e entender/prescrever o que está por trás das decisões das pessoas. Por exemplo, fazendo analogia com Dilema dos Prisioneiros, a Teoria dos Jogos explica porque as pessoas buscam a cooperação e não conseguem, a implicações numa guerra de preços entre empresas, quando dar gorgeta em um restaurante e o papel da Lei Cidade Limpa em São Paulo.

Os jogos-modelos, como o Dilema dos Prisioneiros, Tragédias do Comuns, Jogo do Ultimato, o Stag Hunt, Maching Pennies, etc, e seus conceitos de Equilibrio de Nash, Backward Induction, etc, tornam uma situação mais clara, facilitam a comunicação numa mesma linguagem e ajudam memorizar os conceitos.

No dia a dia, para tomar uma decisão, os gerentes usam simultaneamente vários conceitos (por exemplo: Sunk Cost, Utilidades Esperadas, Ranking de Prós e Contras, Trade-off, Custo de Oportunidade, Custo e Benefício Marginal, Valor Presente). Vamos incluir os conceitos das decisões interativas (ou estratégicas) na sua "caixa de ferramenta de decisões", fornecendo conceitos palpáveis para um raciocício racional estruturado. Concluindo, nosso objetivo aqui é propiciar elementos para melhorar o seu Pensamento Estratégico através de estórias e analogias usando conceitos da Teoria dos Jogos, Economia Comportamental e Estratégia. Representam um complemento intelectual nas tomadas de decisão, especialmente em situações onde as decisões e resultados dos vários jogadores são interligados entre si.

A Teoria dos Jogos é um grande exercício de pensamento estruturado, é um pensar diferente sobre os cenários da vida. Como diz John Elster em Explaining Social Behavior "Teoria dos Jogos ilumina a estrutura das interações sociais. Uma vez que você vê o mundo através das lentes da Teoria dos Jogos - ou ´teoria das decisões interdependentes´, como deveria ser chamada - nada mais parece o mesmo".
 
[1] Explaining Social Behavior: More Nuts and Bolts for the Social Sciences, John Elster, 2007, Cambridge University Press



Visualize adiante, Raciocine para trás
 
Os exemplos citados até agora, como o Dilema da Ponte, o Dilema do Vagão de Trem, Garrincha e os Russos, entre outros, foram analogias e histórias para criar uma visão geral de uma "situação estratégica" ou "decisão estratégica". Agora vamos mostrar uma metodologia para ajudar a entender a lógica da situação e tomar a melhor decisão possível. Para isso, é um pouco mais didático usar um jogo fictício e simples.

O Jogo da Direita e Esquerda

Imagine um jogo onde você joga primeiro e depois seu adversário. Você tem duas opções de movimento - esquerda ou direita. Posteriormente, seu concorrente também tem duas opções de reação - esquerda e direita. Dependendo das decisões, vocês vão ganhar uma quantia de balas, figurinhas, dinheiro, mas vamos chamar de "pontos". O objetivo de vocês é ganhar o máximo possível. O jogo tem apenas uma rodada.

• Se você escolher esquerda, e seu colega esquerda, você ganha 12 e ele 8 pontos
• Se você escolher esquerda, e seu colega direita, você ganha 5 e ele 10 pontos
• Se você escolher direita, e seu colega esquerda, você ganha 8 e ele 20 pontos
• Se você escolher direta, e seu colega direita, você ganha 10 e ele 2 pontos

Agora é sua vez. Qual a sua decisão (esquerda ou direita) que maximiza o seu resultado? Olhando rapidamente a possível pontuação acima, você poderia dizer que prefere Esquerda para ganhar 12 pontos. Mas lembre-se que esta é uma situação estratégica, onde a sua ação gera uma reação e o resultado depende da combinação das duas decisões - sua e do seu adversário.

Para melhor entender este jogo (ou qualquer outro) é muito mais fácil contar com uma ajuda visual - uma árvore de decisões. Na Figura 1 abaixo, vemos o mesmo jogo em um formato gráfico.

Figura 1

Há alguns elementos básicos importantes. Primeiro, existem dois jogadores (você e seu adversário). Segundo, você tem duas alternativas (esquerda ou direita), bem como seu adversário. Terceiro, você joga primeiro, depois seu adversário. Assim, quando ele jogar você já terá decidido sua opção e ele saberá disso. Quatro, para cada combinação de ações (no caso, quatro resultados possíveis) existem os ganhos (ou pontos). Por último, admite-se que você e seu adversário querem ter o maior resultado possível. Note que no lugar de Esquerda-Direita poderia ser Aumentar-Abaixar Preço; no lugar de Pontos, poderia ser Lucro, Receita, Market-Share, etc. Um modelo gráfico ajuda a entender os retornos para cada decisão e também ajuda a se comunicar de forma mais efetiva.

Portanto, qual a melhor decisão? O grande conselho para decidir sua opção é a Regra Número 1 da Estratégia segundo a Teoria dos Jogos. Esta regra (em inglês Look Forward e Reason Backward) também é conhecida como Indução Retroativa (Backward Induction) e o conceito é bem simples.

REGRA 1: VISUALIZE ADIANTE E RACIOCINE PARA TRÁS

Note na Figura 2 os quatro possíveis finais (nós 4,5,6 e 7). Para o seu adversário, se você escolher Esquerda, no nós 2 ele tem duas opções - a Esquerda gera 8 pontos para ele, e a Direita gera 10 pontos para ele. Idem do outro lado, caso você escolha Direita, ele tem duas opções - a Esquerda gera 20 pontos para ele, e a Direita gera 2 pontos para ele. Assim, você precisa usar a regra número 2.

REGRA 2: COLOQUE NO LUGAR DO SEU ADVERSÁRIO

Neste caso, seu adversário no nó 2 quer maximizar o resultado, e vai escolher Direita pois 10 pontos é maior do que 8 pontos. No nó 3, ele vai escolher Esquerda porque 20 é maior do que 2.

Figura 2

Com este conceito de indução retroativa, agora o cenário está mais reduzido pois você raciocinou quais ações seu adversário irá tomar de forma racional querendo maximizar os resultados. Assim, na Figura 3 o novo jogo na sua etapa de decisão. Você sabe que se escolher Esquerda ele vai escolher Direita, então você vai ganhar 5 pontos. Se você escolher Direita seu adversário vai escolher Esquerda, então você vai ganhar 8 pontos.

Figura 3

Assim, ao visualizar adiante e raciocinar para trás, sua decisão é mais simplificada. Direita ganha 5, Esquerda ganha 8. Uma vez que você quer ter o maior resultado possível, você deve escolher por Esquerda, uma vez que 8 é maior que 5 pontos. A Figura 4 mostra o resultado do jogo.

Figura 4

Como conclusão, quando você encontrar situações estratégicas semelhantes, usar o Modelo 1 (Indução Retroativa: Antecipando as Reações do Rival) é a melhor estratégia. Você deve saber quais são as suas opções, as alternativas do seu concorrente, os resultados de cada combinação e exatamente o que vocês estão tentando maximizar (ganhar).

Você deve ter percebido que, uma vez que a pontuação é esta e seu adversário quer maximizar os ganhos dele, você nunca irá conseguir os 12 pontos do nó 4, que teoricamente seria o seu maior valor. Mas os seus 8 pontos do nó 6 representa a melhor alternativa possível. Ainda, você pode ficar incomodado pelo ser adversário conseguir o melhor valor dele (20 pontos) e muito melhor que o seu. Mas isso é a dinâmica de como os pontos são distribuídos antes das decisões. Você até pode escolher uma estratégia sub-ótima (escolher Direita) para que seu adversário ganhe menos, mas neste caso você também ganharia menos.

Seria correto dizer que, na prática, as pessoas e empresas não fazem este mapeamento de forma rigorosa e racional, mas o modelo simples e didático ajuda a transmitir valiosos conceitos, como entender a situação como um todo, visualizar os incentivos de cada jogador e seus respectivos ganhos e principalmente forçar o seu raciocínio para colocar-se na posição do outro e antecipar reações antes de tomar decisões apressadas. Alguns outros exemplos serão dados a seguir.
 



Exemplo 1: Construir um edifício mais alto?
 
O Sears Tower (hoje chamado Willis Tower) em Chicago é um dos prédios mais altos nos Estados Unidos[1]. Isso dá ao edifício um status especial de prestígio, permitindo aos seus proprietários estabelecer valores de aluguel mais elevados do que outros escritórios semelhantes. Suponha que uma nova empresa (que vamos chamar de "Entrante") esteja pensando em construir um edifício ainda mais alto. Considere também que a empresa que tenha o edifício mais alto dos EUA ganhe um grande lucro, diminuindo o dos demais. Entretanto, o Sears (ou algum outro concorrente) pode construir outro prédio ainda mais alto, o que diminuirá substancialmente o retorno/lucro deste Entrante.

Didaticamente, este jogo é chamado de "jogo seqüencial" porque o Entrante escolhe em primeiro lugar, e o Sears saberá a escolha do concorrente antes de fazer sua decisão. O jogo pode ser modelado em uma árvore de decisão mostrada na figura 1, que mostra todas as opções possíveis e os resultados de cada opção. Para facilitar a explicação, para cada passo do jogo existe um número que representa um "nó".

Figura 1

Você pode ver que o Entrante (nó 1) deve decidir entre Entrar e Não Entrar nesse mercado, ou seja, construir uma torre mais alta ou não. Se escolher Não Entrar, o jogo termina no nó 2. Se escolher Entrar, então o Sears (nó 3) tem duas opções, Não Construir (nó 4) ou Construir um prédio maior (nó 5).

Os resultados em termos matemáticos (utilidades, pontos, dinheiro) são necessários para que os jogadores tomem as suas decisões. Se Entrante não entrar, nada muda na situação atual - Sears recebe uma recompensa de 100, e o Entrante recebe zero (nó 2). Se o Entrante entrar e Sears não competir pela construção de uma torre ainda maior, então Entrante tem a vantagem e captura uma recompensa de 60, enquanto Sears recebe 40 (nó 4). Se o Sears construir um prédio mais elevado, então o Entrante perde dinheiro com um resultado de -50 e Sears obtem 30 (nó 5).

O Sears naturalmente quer que o Entrante não entre no mercado porque obtem o resultado de 100 (nó 2), mas esta decisão depende apenas do Entrante. Como é que o Entrante deve decidir?

Como vimos, ele deve usar o conceito de indução retroativa (backward inducton). O que chamamos de Regra 1, Visualizar adiante, Raciocinar para trás, também é denominada por alguns autores como "Mire no Futuro e Raciocine com o Passado". Assim, de trás para frente, olhando para as escolhas possíveis do Sears (última etapa), e assumindo que o Sears quer maximizar o seu retorno, o Sears vai preferir não construir um edifício maior, porque o retorno de 40 (não construir) é maior do que 30 (construir). O Entrante sabe que Sears vai pensar dessa maneira, então se escolher entrar, o seu resultado será de 60 (nó 4). Em seguida, o Entrante sabe que, se escolher Não Entrar (outro ramificação), ele vai ficar com zero. Se escolher Entrar, ele vai ficar 60. Consequentemente, o Entrante vai preferir Entrar e construir uma torre. O resultado esperado é o nó 4.


Figura 2

Note que neste modelo existem muitas simplificações, uma vez que há muito mais alternativas na vida real. Por exemplo, o Entrante poderá construir um prédio pequeno, ou Sears poderia construir outra torre mesmo que o Entrante não entre, ou pode construir um pequeno edifício se o Entrante se entrar.

No entanto, esta simplificação é útil para explicar a dinâmica da Teoria dos Jogos na construção de cenários e como tomar decisões neste tipo de análise:
    - os jogadores possuem várias opções a decidir
    - para cada combinação de decisões há um resultado (lucro, receita ou qualquer utilidade)
    - os jogadores querem maximizar o resultado (dizemos que eles são "racionais")
    - todos conhecem as opções e o resultado de cada combinação (o chamado "conhecimento comum")
    - uma vez que há uma sequência de decisões (um espera o outro escolher a opção), via indução retroativa é fácil descartar as possibilidades, nó a nó, e entender a melhor opção de cada jogador
    - desta forma, o equilíbrio é o resultado final neste raciocínio.
 
[1] Baseado em exemplo no livro Microeconomics and Behavior, de Robert Frank, com alterações.



Exemplo 2: Construir uma nova fábrica?
 
Considere um duopólio no mercado químico em que dois concorrentes, Chemco e Matco, precisam decidir sobre a construção de uma nova fábrica [2]. Não está claro qual será o primeiro a chegar a uma conclusão, mas por simplicidade vamos supor Chemco irá decidir primeiro. O objetivo de cada empresa a longo prazo é maximizar os lucros, de modo que os resultados (payoffs) na árvore de decisão representam cálculos de valor presente líquido (VPL), na figura 1. Neste exemplo, se nenhum deles construir uma nova fábrica, cada jogador deve ganhar uma VPL de 100 (nó 4).

Figura 1

Usando o conceito de indução retroativa (backward induction), Chemco deve olhar para a frente e raciocinar para trás a fim de tomar sua decisão.
• Se Chemco constuir uma nova fábrica, os payoffs sugerem que Matco não deve construir (pois 80 é melhor que 70). Estas decisões farão Chemco ganhar 125 e Matco receber 80 (nó 6).
• Se Chemco decidir não construir a usina, Matco deve optar por construir no lugar (pois 115 é melhor que 100). Assim os resultados de Chemco e Matco serão 80 e 115, respectivamente (nó 5).

Chemco sabe todos os resultados e a reação de Matco em cada momento de decisão. Portanto, entre ganhar 115 (se escolher Construir) e 80 (se escolher Não Construir), a opção dele é Construir. O resultado do jogo é o nó 6: Chemco constrói, Matco não constrói.

Os incentivos (payoffs) na árvore de decisão mostra também que, embora seja rentável para uma nova fábrica a ser construída no setor, duas novas fábricas vão levar ao excesso de capacidade, consequente desconto de preços e lucros mais baixos para ambos os jogadores (nó 7).

Que visões estratégicas podem ser aprendidas com este exercício? Primeiro, ele ilustra a vantagem competitiva em ser o primeiro no jogo (first-mover advantage). Ao fazer a decisão de construir e se comprometer com a planta nova antes de Matco, Chemco influencia os incentivos de Matco para evitar um resultado sombrio se ambos decidirem por novas plantas. Ele também demonstra simetria da vantagem do primeiro jogador: Matco também tem seus próprios incentivos para mover primeiro. Redesenhando o jogo com Matco em primeiro, na figura 2, o equilíbrio será o nó 6 (Matco contrói, Chemco não). Isso sugere que, no primeiro jogo, Chemco deve se comprometer com muita credibilidade, talvez através dos tijolos reais e argamassa para nova capacidade assim que possível. Caso contrário, Matco resolverá construir a planta.

Figura 2
 
[2] Baseado no artigo Games Managers Should Play, Hugh G. Courtney, Mckinsey Quarterly, 2000, com alterações



Recapitulação
 
Em uma situação estratégica sequencial, quando existe um jogador que primeiro toma uma decisão para depois o segundo jogador fazer seu movimento, a Indução Retroativa é uma ferramenta bastante apropriada para identificar qual será o resultado do jogo e ajudá-lo a tomar a decisão que maximiza o seu ganho. Neste sentido, duas regrinhas são importantes para ter em mente:

• Regra 1: VISUALIZE ADIANTE E RACIOCINE PARA TRÁS
• Regra 2: COLOQUE NO LUGAR DO SEU ADVERSÁRIO

Como essas duas regras você consegue entender as possíveis reações do seu rival antes de agir, possibilitando o melhor resultado para você. Um formato gráfico como uma árvore de decisão é muito útil para visualizar todas a situação estratégica, mapeando:

• Quem são os jogadores
• Quem joga primeiro
• Quais as opções de cada um
• Qual o resultado para cada combinação de decisões

Outras características importantes nestes cenários são:

• Todos os jogadores sabem as mesma coisa - quais as opções e resultados do adversário - chamamos de "conhecimento comum"
• Todos os jogadores querem maximizar a pontuação (utilidades, dinheiro, satisfação) e portanto tomam a melhor decisão para isso - chamamos de "racionais"

Existem alguns questionamentos e limitações para o uso desta metodologia (mapear o jogo e usar a indução retroativa). A primeira delas é que nenhuma situação estratégica é tão simples como nos exemplos dados - com apenas dois jogadores, duas ou três alternativas, onde todos os jogadores possuem conhecimento comum e são racionais. Como resposta, poderíamos dizer que a utilidade deste raciocínio simplificador é a mesma de todos os outros modelos econômicos - ao simplificar para comunicar, conseguimos extrair a essência do jogo para obter insights relevantes para a tomada de decisão. Outro grande benefício é, independente de mapeamento formal em uma árvore de decisão, é forçar a sua mente para se colocar na posição do outro, ver o cenário com outros olhos, para depois tomar uma decisão mais deliberada.

A segundo crítica é que nem sempre os ganhos que você está pensando são os mesmos que o seu rival quer atingir. Por exemplo, você pode mapear uma situação entendendo que o lucro é o resultado monetário para considerar no jogo, mas na verdade seu concorrente está preocupado em maximizar o market-share, tomando decisões diferentes. Este é mais um motivo para você se colocar na posição do outro e entender os reais incentivos do seu concorrente, o que é assunto específico para o próximo capítulo.
 



Entendendo os incentivos e motivações
 
Os bastidores das negociações

Para ser efetivo nas suas decisões estratégicas envolvendo a previsão das reações do concorrente, você precisa entender os reais desejos da outra parte. Um exemplo interessante é dado por Max Bazerman, no livro O Gênio da Negociação[2].

Ele conta a história de uma empresa americana que queria comprar ingrediente para um novo produto do mercado de saúde de uma pequena empresa européia. A oferta foi financeiramente alta, mas a empresa européia recusou pois não aceitava a cláusula de acordo de exclusividade. Não importava o preço alto para um volume alto. Exclusividade, não. Por outro lado, a empresa americana não queria investir em um produto cujo principal ingrediente pudesse ser facilmente adquirido por concorrentes.

Foram muitas e muitas conversas e rodadas de negociação por executivos competentes e experientes. Mas parecia que o impasse seria irreconciliável e a relação começou a se deteriorar. Um novo negociador foi enviado para a Europa e fez uma simples pergunta: por que? Por que não garantir exclusividade se fosse comprada toda a produção? Como conta Bazerman, a resposta surpreendeu os americanos: se o dono desse exclusividade, estaria desrespeitando um acordo com um primo, que comprava pouquíssimo para um produto local. Não era uma questão econômica, e sim uma questão de lealdade em família.

Com essa informação, o acordo foi rápido: exceto aquele volume ao primo, todo o resto seria de exclusividade para a empresa americana. Isso parece óbvio, mas durante as negociações, sem entender realmente o que motivava as empresas, nada era óbvio. A empresa americana achava que a empresa européia simplemente estava criando dificuldades. Negociações da vida real chegam a impasses por falta deste entendimento das reais motivações e o esquema de incentivos.

O Dilema da escola infantil

Imagine ser o administrador de uma escola infantil. Sua política divulgada aos pais é a de que as crianças devem ser apanhadas às 16h. No entanto, com frequência os pais se atrasam. O resultado é que no final do dia você precisa lidar com algumas crianças ansiosas e um professor forçado a es­perar que os pais apareçam, pagando hora extra. O que fazer?

Esta história é contada por Steven Levitt and Stephen J. Dubner no livro Freaknomics sobre algumas creches em Haifa, Israel[2]. Para resolver esse problema, uma dupla de economistas sugeriram multar os pais atrasados. Afinal, por que teria a escola que cuidar dessas crianças gratuitamente? Fizeram um estudo com duração de 20 se­manas, mas a multa não foi introduzida de imediato. Durante as primeiras quatro semanas, os economistas simplesmente calcularam o número de pais que se atrasavam.

Em média, ocorriam oito atrasos por semana em cada uma das creches. Na quinta semana, a multa foi introduzida. Avisou-se aos pais de que qualquer atraso superior a dez minutos seria punido com o pagamento de $3 por criança e a multa adicionada a mensalidade, em tomo de $380. Depois da adoção da multa, o número de atrasos logo ... aumentou. Em pouco tempo já somavam 20 por semana, mais que o dobro da média original. O tiro saíra pela culatra.

Você provavelmente já concluiu que a multa de $3 era sim­plesmente pequena demais. A esse custo, um pai ou mãe de um só filho podia se dar ao luxo de se atrasar diariamente pagando apenas $60 extras todo mês - um sexto da mensalidade básica. Conside­rando-se o salário de uma babá extra para buscar os filhos, esse preço é bem barato. E se a multa fosse de $100 em lugar de $3? Certamente teriam fim os atrasos, embora isso também fosse gerar um bocado de má-vonta­de.

Mas a multa das escolas envolviam um outro problema, mais grave: incluíram um incentivo econômico (os $3) no lugar do antigo o incentivo moral, que era a su­posta culpa dos pais quando se atrasavam. Por apenas alguns dóla­res diários, os pais podiam se isentar dessa culpa. Além disso, o baixo valor da multa sugeria aos pais que o atraso para buscar as crianças não era algo tão grave assim. Se o problema resultante para a creche do atraso dos pais equivalia a apenas $3, para que se preocupar em interromper outros compromissos de lazer ou chatear o chefe por sair correndo de uma reunião?

Este é um exemplo simples de que como incentivos errados geram reações indesejáveis. Como um bom estrategista, você precisa saber quais ações geram exatamente quais reações.
 
[1] Freaknomics, Steven Levitt and Stephen J. Dubner, 2007, Editora Campus
[2] O Gênio da Negociação, Max Bazerman



Os incentivos induzem comportamentos
 
"Economia não é apenas sobre dinheiro, é sobre como as pessoas reagem a incentivos". Essa frase foi dita numa palestra pelo jornalista Stephen Dubner. Em outra palavras, "os incentivos induzem comportamentos". O próprio Dubner, em seu livro, possui uma ótima introdução ao assunto.

"Aprendemos a reagir a incentivos, negativos e positivos, desde o início da vida. Se você engatinhar até o forno quente e encostar a mão nele, vai queimar o dedo, mas se trouxer apenas notas 10 da escola, o prêmio é uma bicicleta nova. Se for flagrado com o dedo no nariz durante a aula, voce vira piada, mas se vencer campeonatos para o time de basquete, passa a ser o líder da turma. Se chegar em casa depois da hora, o castigo é certo, mas se tirar boas notas no colegio, carimba o passaporte para uma boa universidade. Se a euforia do novo cargo o levar a exceder o limite de velocidade na volta para casa, fará jus a uma multa de $100, mas se no final do ano atingir sua meta de vendas, embolsando uma gratificação polpuda, não só os $100 da multa se transformam em mixaria, como você vai poder comprar aquele fogão estupendo no qual seu filho, na fase de engatinhar, poderá queimar o próprio dedinho".

Incentivos não passam de meios para estimular as pessoas a fa­zer mais coisas boas e menos coisas ruins. Como John McMillan coloca, em Games, Strategies and Managers, as pessoas devem ser recompensadas se queremos induzi-las a fazer algo que preferiam não fazer[2]. . Toda a questão sobre incentivos aparece devido alguma divergência de interesses. Um autor buscando fama quer seu livro a preço baixo para atingir escala grande, enquanto a editora prefere preço mais alto querendo lucros. Um dono de carro, após fazer um seguro contra roubas, torna-se mais negligente e descuidado do que a seguradora gostaria.

Para conseguir que as pessoas façam o que elas naturalmente não gostaria de fazer, é preciso dar alguma recompensa ou sanção. É por isso que pais, empresas e governo inventam os chamados "esquemas de incentivos". Se você passar o sinal vermelho, leva uma multa. Mas se você tiver dinheiro o suficiente, pode pagar quantas multas quiser para não se aborrecer em um cruzamento vazio e chegar mais rápido. Em São Paulo há multa de rodízio se você dirigir nos horários e dias proibidos para o final da sua placa do carro, mas a multa é mais barata do que o taxi de ida e volta ao seu trabalho. Assim, esse incentivo não funciona, por isso existe o sistema de pontuação - ao atingir certo limite de multas, sua habilitação é suspensa.

Se seu filho comer verduras, você o leva para passear. Um vendedor de calçados ganha comissão por venda, assim ele tem incentivo de vender cada vez mais, onde ganham ele e o dono da loja. Executivos ganham ações da empresa, mas com limitação de venda no curto prazo, para trabalhar duro e criar projetos que geram riqueza a longo prazo. E assim vai. O mundo (a sua vida, na verdade) está repleto de incentivos, alguns funcionam mais e outros menos.

Mas nem todo incentivo é financeiro, as pessoas também reagem aos incentivos morais (não querem cometer um ato que consideram errado) e sociais (não querem ser vistas pelos outros como alguém que age errado). Dubner cita que em algumas cidades nos EUA o combate a prostituição é feito com uma ofensiva "cons­trangedora", difundindo fotografias de clientes (e prostitutas) em sites na Internet e nas televisões abertas locais, sendo um freio amedrontador mais eficiente do que uma multa.

Por que tudo isso é relevante para as decisões estratégicas? Como já comentado anteriormente, em uma situação estratégica, como um lançamento de produtos ou redução de preço, talvez o incentivo do seu concorrente seja ganhar market-share a curto prazo a despeito da geração de lucro como você imaginou. Saber o incentivo do seu concorrente é importante para você decidir suas ações.
 
[2] Games, Strategies and Managers, John McMillan, 1992, Oxford University Press



Quais são os reais incentivos do seu concorrente?
 
Como vimos no capítulo anterior, tomar uma decisão isolada não garante o sucesso empresarial ou pessoal. É necessário reconhecer que, enquanto você está tentando maximizar seus próprios lucros com sua estratégia, os concorrentes estão igualmente engajados neste mesmo propósito, o que certamente influencia no seu lucro também. Assim, as empresas tem o desafio de antecipar as ações dos concorrentes com o intuito de prevenir movimentos que possam afetar negativamente os seus interesses. Enquanto você monitora o concorrente, ele está monitorando você. Por isso, a grande contribuição dos modelos de pensamento estratégicos é forçar os executivos a se colocarem no lugar dos outros participantes ao invés de apenas ver as situações na perspectiva do seu próprio negócio.

Pankaj Ghemawat, em Strategy and Business Landscape, menciona algumas pesquisas com gestores de empresas onde eles admitem a importância do pensamento dinâmico sobre a concorrência na tomadas de decisões, mas poucos realmente utilizam um formato sistematizado para tal[3]. . A razão mais comumente citada é que o mundo real é muito imprevisível para que tais antecipações sejam convertidas em ações. Uma questão legítima é o quão útil é prescrever um curso de ação se não se tem certeza se os competidores irão agir racionalmente. Quando o competidor falha em maximizar o objetivo econômico previsto (por exemplo, vendas, share, valor presente) para maximizar outra função objetivo qualquer, desconhecida pelo adversário, o jogo não é o mesmo para ambos.

Como já citamos, geralmente nos exemplos hipotéticos citando a "Empresa A" versus "Empresa B", uma das premissas nesta metodologia é o chamado "conhecimento comum", onde ambos jogadores conhecem exatamente as alternativas de cada um e usam os mesmos valores dos ganhos para cada combinação de resultado. As dimensões a serem maximizadas (lucro, receita, share, pontuações, utilidades) são conhecidas. Esta é uma boa simplificação para transmitir os conceitos, facilitar a visualização e mostrar a solução que gera o melhor resultado possível para cada um.

O problema desta abordagem é que na vida real você precisa saber exatamente como o Jogador da Empresa B pensa e age. Além de saber especificamente a empresa e seus pontos fortes, fracos, posição no mercado e cultura envolvida, é também importante saber exatamente quem é a pessoa dentro da empresa que está tomando as decisões. Isso faz muita diferença no mapeamento do jogo: seu adversário irá se comportar como a Teoria dos Jogos racionalmente prescreve, ou ele está tentando maximizar outros objetivos? Ao se colocar verdadeiramente na posição dele, é crucial entender se ele é averso a riscos, se persegue objetivos de longo ou curto prazo, se é suscetível a escaladas irracionais de compromisso, e outros viéses de pensamento cognitivo que vamos abordar nos próximos artigos. Ou seja, além de fazer as previsões normais via racionalidade no mercado envolvido, é imprescindível incorporar outras dimensões psicológicas. Caso contrário, como nas escolas infantis de Israel, o tiro pode sair pela culatra.

A Economia Comportamental

Por mais difícil que possa ser, ignorar os movimentos dos competidores não é a melhor solução. Por isso, Ghemawat propõe outra teoria para complementar a Teoria dos Jogos: a Economia Comportamental. Na maioria das vezes, até é possível racionalizar uma sequência de eventos em termos de Teoria dos Jogos pura, mas nem sempre reflete a realidade dos ganhos dos jogadores em cada nó do jogo. No lugar disso, aparentando uma irracionalidade, há evidências que indivíduos e empresas frequentemente aumentam o comprometimento em conflitos devido a falácia do Sunk Cost, por tentativas de justificar escolhas passadas, por percepção seletiva, hostilidade e várias outros preconceitos, viéses e distorções.

De certa forma, esses estudos geram padrões de comportamento úteis para prever comportamento dos competidores. O executivo deve entender esses padrões do adversário. Enquanto a Teoria dos Jogos toma uma perspectiva econômica focalizando os incentivos da competição (exatamente os ganhos econômicos de forma racional), a Economia Comportamental tenta identificar as predisposições dos concorrentes.

A Teoria dos Jogos tenta prescrever a melhor ação focalizando o que os concorrentes deveriam fazer racionalmente em face de algumas hipóteses razoáveis. Ela se concentra nas interações entre participantes que vêem o cenário de negócios da mesma maneira. Esta é uma hipótese bem atrativa e coerente. Mas os concorrentes podem não estar empenhados em maximizar o seu valor patrimonial, ou podem ter diferentes opiniões sobre os cenários, ou ainda se comportem de maneira muito arraigada, refletindo mais inércia do que escolha de mudança. Qualquer tentativa de prever o comportamento alheio deve levar em conta tais possibilidades.

Já a Economia Comportamental concentra-se em levantar o que os concorrentes realmente querem, o que vêem fazendo e suas crenças para atingir os objetivos. Esta teoria tem o poder de aumentar o poder de previsão através de redução de incertezas que permeiam a dinâmica competitiva. Com ela, devemos avaliar o perfil do concorrente, verificando os objetivos, crenças e rotinas deles para responder o que eles realmente querem e o que costumavam fazer no passado. É necessário entender as reais motivações, comportamentos, crenças e modelos mentais dos dirigentes das empresas concorrentes. A familiaridade entre os participantes e interações repetidas entre eles também aumenta a probabilidade de raciocinar no formato de teoria dos jogos e seus equilíbrios.

Por isso, ao analisar os cenários competitivos, é importante perguntar: quais são as reais motivações do seu concorrente? Quais são os incentivos dele?
 
[3] Strategy and Business Landscape, Pankaj Ghemawat, 2000, Prendice Hall



A JC Penney perdeu clientes porque abaixou o preço
 
Este é um exemplo de como a Teoria dos Jogos, Dilema dos Prisioneiros, Economia Comportamental, Marketing e Pricing se unem para analisar um cenário com resultado adverso. Bob Sullivam, em um artigo na MSNBC, explica uma estratégia de preço da cadeia americana JC Penney que não funcionou e como poderia ser evitada [1].

A JC Penney, ícone entre as lojas de departamento, está perdendo dinheiro e a razão é simples, segundo Sullivam: numa publicidade criativa e agressiva, lançou uma nova campanha de preços onde promete preços simplificados e baixos o ano todo. Não há mais cupons ou confusas remarcações nas etiquetas. Não há mais anúncios enganosos cheios de letrinhas miúdas. A loja também acabou com os 99 centavos no final de etiquetas, apenas preços claros e honestos. Isso soa como um ótimo discurso de vendas direcionado aqueles consumidores irritados em ficar colecionando cupons e preocupados em saber quando há promoções. Mas para a maioria dos clientes, eles odiaram.

A campanha, lançada em Fev/2012, parece ser um desastre. A receita caiu 20% no primeiro trimestre em comparação ao ano anterior. O tráfego de clientes caiu 10%. A empresa lucrou US$ 64 milhões dólares no primeiro trimestre de 2011, já em 2012 perdeu US$ 163 milhões. O que deu errado? A nova estrutura de preços simplificados da JC Penney não conseguiu atrair compradores (mesmo aqueles que se irritavam com o método anterior) e ainda conseguiu repelir todos os outros.

Se os executivos da JC Panney estivessem familiarizados com o trabalho do economista comportamental Xavier Gabaix tudo isso poderia ter sido evitado. Gabaix escreveu um artigo brilhante sobre "camuflagem e "supressão da informação". O princípio é simples e mostra porque a "trapaça" funciona em nossos mercados e porque a honestidade é raramente a melhor política. Antigamente, as etiquetas de preço eram simples. Uma maçã custa 10 centavos, uma xícara de café custa $ 1. Mas hoje o mercado consumidor é muito mais complicado, dando aos vendedores a oportunidade de criar confusão.

Impressoras de computador são o exemplo clássico. Você pode fazer um grande negócio em uma impressora, mas se a tinta é cara, você perde no final. Na verdade, Gabaix argumenta que é impossível para os consumidores comprar impressoras de forma inteligente. Nenhum consumidor sabe quanto custa a tinta - os cartuchos não vêm em tamanhos padrão, a quantidade de tinta utilizada para imprimir varia e os custos de tinta são imprevisíveis. Isso faz com que o verdadeiro preço de uma impressora seja "camuflado", na terminologia do Gabaix. Não é escondido, mas não é muito claro. É fácil para as empresas de impressora diminuir o preço do equipamento e cobrar a mais na tinta. O vendedor leva vantagem.

Se você pensar nisso, o preço camuflado está em toda parte, como em diária de hotel, TV por assinatura e taxa de juros de um empréstimo. Os consumidores queixam-se disso constantemente: a mistura alucinante de cupons, descontos e taxas com letras miúdas fazem as pessoas se sentirem em um jogo. Na pior das hipóteses, as empresas estão literalmente trapaceando ao confundir.

Você poderia achar que os clientes adorariam a oportunidade de comprar de uma loja que não jogasse este tipo de jogo. Mas não, diz Gabaix, e a JC Penney deveria ter conhecido esse comportamento melhor. Foi um jogada imprudente. Toda a manipulação este preço é realmente uma guerra de informação. De um lado, consumidores adoram descobrir truques para poupar mais dinheiro, de outro, as lojas fazem armadilhas para ganhar mais dinheiro. É um sistema ruim, mas é o jogo atual.

É simplesmente impossível, Gabaix complementa, uma loja tentar mudar o jogo e preencher esta lacuna de informação. Se o varejista tenta educar os consumidores sobre truques e armadilhas, e procura oferecer um produto honesto, uma coisa engraçada acontece: os consumidores dizem "Obrigado pelas dicas", e voltam para as empresas complicadas onde eles exploram o novo conhecimento para conseguir preços mais baratos, deixando a empresa "honesta" no pó. Gabaix chama isso de "curse of debiasing", algo como a maldição em tirar o víes, e isso leva a essa conclusão deprimente de que a camuflagem é a estratégia mais lucrativa.

Para simplificar um pouco, o problema da JC Penney foi a seguinte. Eles disseram ao mundo que os outros varejistas só oferecem os seus melhores preços durante promoções malucas. As lojas JC Penney não fariam isso mais. Os consumidores sensatos aparentemente usaram essa informação para simplesmente esperar essas promoções em outras lojas. Como um benefício adicional, JC Penney reduziu os custos de busca dos consumidores porque agora eles sabiam que não precisavam mais se preocupar em ir numa loja da JC Penney.

Existem outras empresas que fizeram esforços semelhantes para educar os consumidores que seus preços são realmente os preços mais baixos após taxas ocultas. Durante a última década, os Hotéis Intercontinental divulgaram no site o preço único final, incluindo todas as taxas. Mais tarde os executivos da empresa confessaram que os clientes os deixaram em massa, escolhendo os concorrentes com preços mais baixos camuflados. Mais recentemente, a Southwest Airlines empreendeu a mais agressiva campanha anti-camuflagem já conhecida, acusando as taxas de bagagem escondidas das outras companhias aéreas. A Southwest lançou a campanha "bagagem grátis", mas há indícios de que a empresa não será capaz de resistir a ausência deste faturamento para sempre.

Camuflagem não é a única razão de porque plano de preços da JC Penny é falho. A empresa também está deixando um monte de dinheiro sobre a mesa ao rejeitar um fenômeno conhecido como "discriminação de preços." Algumas pessoas têm mais dinheiro do que tempo, e alguns têm mais tempo do que dinheiro. Alguns consumidores não se importam de passar horas para economizar $ 20; outros daria de bom grado os $ 20 para ir embora rapidamente. Varejistas inteligentes conseguem dinheiro de ambos. Ao matar os cupons, a JC Penney eliminou sua capacidade de satisfazer os discriminadores de preços.

Além disso, remarcações tem o truque secular de "ancoragem". Por alguma razão, mesmo os consumidores muito inteligentes se sentem melhor em pagar $ 60 por algo que inicialmente a joga dizia que custava $ 100, e em seguida, reduziu o preço. Mas o problema real é a tentativa malfadada da JC Penney em querer ser o jogador de poker justo e honesto num jogo típico de trapaças. Consumidores simplesmente são céticos, muitos deles não acreditam que um par de sapatos comprados no "preço baixo e único sem mistérios todo dia" realmente é mais barato do que um par de sapatos comprados no concorrente com um cupom de 25% de desconto. Goste ou não, taxas ocultas - e descontos secretos - estão aqui para ficar.

Como podemos analisar sob a ótica da Teoria dos Jogos

A Teoria dos Jogos é a lei da antecipação dos movimentos. Antes de jogar, coloque-se na posição do outro e veja como ele vai reagir. Conheça o outro jogador, seu perfil, suas preferências, as informações disponíveis, entre outras perguntas. Mapeie as possíveis ações diferentes e os resultados. A crítica de Sullivam e Gabaix é exatamente essa - a JC Penney falhou em ter um pensamento estratégico mais abrangente e considerar algumas atitudes dos consumidores. Esse foi o primeiro erro - conheça seu interlocutor e as regras do jogo.

O site Mind Your Decisions achou um segundo erro. O autor fez uma análise muito interessante ao usar o framework do Dilema dos Prisioneiros neste cenário. Não havia nada de intrinsecamente errado com a nova política de preços JC Penny. Na verdade, os preços honestos seria uma refrescante mudança no padrão das lojas. O problema foi que outras empresas não adotaram preços honestos.[2].

Para ilustrar o porque, considere o seguinte jogo. Imagine duas empresas que podem optar por utilizar preço "honesto" ou preço "complicado". Suponhamos que o jogo tem as seguintes características:
      - O total do mercado tem um valor de 100 unidades de lucro
      - Jogar preço "complicado" custa dinheiro e recursos (10 unidades)
      - Se ambos jogam o mesmo preço (honesto ou complicado), cada um deles divide os lucros do mercado
     - Se uma empresa joga "honesto" e outro "complicado", a empresa que escolher o "complicado" lucra quase todo o mercado (90 unidades) e o "honesto" ganha 10 unidades.

Entra a análise da Teoria dos Jogos. Neste caso, se você não está familiarizado, faça uma pausa e leia primeiro o artigo O que é o Dilema dos Prisioneiros como introdução, e eventualmente este também. Numa matriz de payoff, os resultados seriam os seguintes.
JC Penney
Honesto
Complicado
Concorrente
Honesto
50 , 50
10 , 80
80 , 10
40 , 40
Complicado

Você deve perceber que se ambas as empresas decidem por "honesto", o valor total do mercado é de $ 100, e cada uma lucra $ 50. Se ambos jogam "complicado", no entanto, cada uma perde $ 10 devido o custo de promoções, o valor do mercado reduz para $ 80, e cada uma leva $ 40. A mesma coisa acontece quando uma empresa prefere "honesto" e outra "complicado". A empresa com "honesto" fica com $ 10, mas o "complicado" recebe $ 80, que é o valor de $ 90 menos os $ 10 que perdeu devido o custo das promoções.

Qual é o resultado deste jogo do preço honesto? Como num Dilema dos Prisioneiros típico (de novo, leia o raciocínio neste link), é melhor jogar uma estratégia de preços "complicado", independentemente do que a outra empresa faça. As duas empresas poderiam se beneficiar se jogassem honestamente, mas ao invés disso elas são tentadas a trapacear e roubar uma recompensa para si. O resultado é que elas acabam em um equilíbrio ruim para todos. Demasiado mau para JC Penny e para todos nós, consumidores, que teríamos gostado de ver os preços honestos vencerem.
 
[1] Bob Sullivam, artigo "Fair and square pricing? That`ll never work, JC Penney. We like being shafted",
link http://redtape.msnbc.msn.com/_news/2012/05/25/11864178-fair-and-square-pricing-thatll-never-work-jc-penney-we-like-being-shafted
[2] Site Mind your Decision, link http://mindyourdecisions.com/blog/2012/06/12/how-jc-penny-lost-163-million-losing-a-prisoners-dilemma-game/



Recapitulação
 
Indivíduos, e consequentemente empresas, reagem a incentivos. Assim, entender as reais motivações e incentivos dos seus concorrentes aumenta a chance de sucesso no seu jogo, na sua interação estratégica com eles.

Os incentivos dos seus jogadores podem ser econômicas, sociais ou morais. Você pode querer maximizar o seu lucro, mas o seu concorrente pode querer simplesmente ganhar status ou mesmo fazer com que você perca mesmo que ele também perca um pouco. Aqui a questão não é exatamente sobre racionalidade, nem o certo ou o errado. O ponto principal é a sua habilidade de identificar as reais motivações do seu parceiro, seja de longo ou curto prazo, e suas características principais, como aversão a risco, ego, entre outros.

Entender o que vocês estão disputando ou querendo maximizar é o primeiro grande passo para jogar o jogo correto e conseguirem vitória (em caso de disputa) ou colaboração.
 



O Leilão do Dólar e a Escalada Irracional
 
(texto em elaboração, aguarde...)
 



O Paradoxo do Chantagista - melhor pouco do que nada?
 
Se o seu parceiro ou concorrente não age de forma racional (ou faz de propósito irracionalmente), não há muito que fazer a não ser conhecê-lo melhor para identificar alguns padrões e viéses. Veja o exemplo do Paradoxo do Chantagista, idealizado por Robert Aumman no artigo The Blackmailer paradox. É uma variante do Jogo do Ultimato mas com um tempero mais dramático.

Dois homens, Rubens e Simão, são colocados em uma pequena sala com uma mala cheia de notas, totalizando $ 100.000. O proprietário da mala anuncia o seguinte: "Eu vou lhes dar todo o dinheiro que está nesta mala com uma condição: vocês dois tem que negociar um acordo sobre como dividi-lo. Só se vocês dois chegarem em um acordo é que eu me prontifico a lhes dar o dinheiro; senão, não".

Rubens é uma pessoa racional e percebe a oportunidade de ouro. Ele se vira para Simão com a sugestão óbvia: "Você pega metade e eu a outra metade, de modo que cada um de nós terá $ 50.000". Para sua surpresa, Simão franze a testa e diz, num tom que não deixa margem para dúvidas: "Olha aqui, eu não sei quais são os seus planos para o dinheiro, mas eu não pretendo sair desta sala com menos de U$ 90.000. Se você aceitar, tudo bem. Se não, nós dois podemos ir para casa sem nenhum dinheiro no bolso".

Rubens mal pode acreditar em seus ouvidos. "O que aconteceu com Simão?", ele pergunta a si mesmo. "Por que ele tem que ter 90% do dinheiro e eu apenas 10%?" Ele decide tentar convencer Simão a aceitar sua visão. "Vamos ser lógicos", ele insiste, "Estamos na mesma situação, nós dois queremos o dinheiro. Vamos dividir o dinheiro de forma igual e nós dois vamos sair no lucro".

Simão, no entanto, não parece perturbado pela lógica de seu amigo. Ele escuta com atenção, mas quando Rubens termina de falar, ele diz, ainda mais enfaticamente do que antes: "90-10 ou nada. Essa é a minha última oferta". Rubens fica vermelho de raiva. Ele está prestes a dar um soco no nariz do Simão, mas ele recua. Ele percebe que Simão não vai ceder e que a única maneira que ele pode deixar o quarto com algum dinheiro é dar para Simão o que ele quer. Rubens ajeita sua roupa, leva $ 10.000 dólares da mala, aperta a mão de Simão e sai da sala humilhado.

O paradoxo nesta cena é que Rubens, o racional, é forçado a se comportar irracionalmente, por definição, a fim de alcançar resultados máximos em face da situação que evoluiu de forma absurda. O que provoca esse resultado bizarro é o fato de Simão estar tão seguro de si e não vacilar ao fazer seu pedido exorbitante. Apesar de ser ilógica, esta atitude convence Rubens de que ele deve ceder para que possa tirar a melhor vantagem possível daquela situação. O comportamento de Rubens é o resultado de seu sentimento de que ele deve deixar o quarto com algum dinheiro na mão, não importa quão pequena seja a quantia. Já que Rubens não pode imaginar-se saindo da sala com as mãos vazias, ele acaba tornando-se presa fácil para Simão.

Analisando friamente, é mais "racional" para Rubens aceitar os $ 10.000 do que ficar com nada e é isso que ele faz dado a posição tão veemente de Simão. Do ponto de vista de Simão, entretanto, é uma estratégia arriscada pois Rubens poderia também agir irracionalmente e negar, assim ambos ficariam sem nada. Mas parece que Simão é insensível a esse risco, e acabou se beneficiando devido a sua irracionalidade (ou racionalmente fingiu ser irracional) e da racionalidade (ou seja, medo) de Rubens, que aceitou os meros $ 10.000.
 
Texto original em http://www.aish.com/jw/me/97755479.html# e traduzido em http://www.jornalalef.com.br/ESPECIAL_1911_Robert.htm



O Jogo do Ultimato e o Contra-Intuitivo ao Racional
 
O jogo do ultimato é um famoso jogo e experimento utilizado por pesquisadores e teóricos dos jogos. Carl Sigmund, no artigo The Economics of Fair Play, discute porque preferimos justiça e cooperação no lugar de auto-interesse racional.

Imagine uma situação onde você e outra pessoa anônima estão em salas separadas, sem poder trocar informação. Um sorteio com uma moeda decide quem fará uma proposta de dividir R$ 100. Digamos que você ganhou. Você deve fazer uma simples proposta de como dividir o dinheiro entre vocês dois, e a outra pessoa só pode dizer sim ou não. Ela também conhece as regras e o total de dinheiro a ser dividido.

Se a resposta for sim, o negócio é feito. Se a resposta for não, ninguém ganha nada. Em ambos os casos, o jogo termina e não pode ser repetido. O que você faria? Instintivamente, muitas pessoas entendem que dever oferecer 50% porque a divisão seria justa e provavelmente seria aceita. Outras pessoas mais audaciosas acham que deve oferecer menos que a metade. Antes de responder, você deve se perguntar o que faria se você fosse o respondente. A única coisa que pode fazer como respondente é dizer sim ou não. Se te oferecerem 10%, você aceitaria R$ 10 para o outro ficar com R$ 90, ou preferiria ficar com nada? E se fosse 1%? Seria R$ 1 melhor que nada? Lembre-se: pechincar e conversar é proibido - ou aceita ou rejeita, e o jogo acaba.

Então, qual seria sua oferta? Você se surpreenderia com o resultado de vários experimentos:
- dois terços ofereceram entre 40 e 50%
- apenas 4% ofereceram menos que 20%
- mais que a metade dos respondentes rejeitaram ofertas de menos de 20%

Propor uma quantia muito baixa é arriscado, pois pode ser rejeitada. Mas aqui está o enigma: por que alguém rejeitaria uma oferta baixa? O respondente só tem 2 opções: ou aceita algo, ou fica sem nada. A única opção racional economicamente é aceitar pois R$ 1 é melhor que nada. Um proponente egoísta que está seguro que o respondente é egoísta irá fazer a menor oferta possível e ficar com o resto. Na análise via Teoria dos Jogos, que assume que pessoas são racionais e com auto-interesse, tudo indica que o proponente deve oferecer o menor possível pois o respondende vai aceitar. Mas não é como a maioria das pessoas jogam este jogo.

A teoria econômica entende que indivíduos racionais fazem escolhas para maximizar seus ganhos. Mas experiência com este jogo mostra que as pessoas são reguladas e influenciadas tanto por emoções como a lógica fria e auto-interesse. Esse jogo foi testado várias vezes e em muitas culturas e países, todos com o mesmo resultado. Em todos eles houve um contraste impressionante entre o que maximizadores de resultados deveria fazer e quanto peso eles deram para resultados mais justos. E como na vida real, há muitas situações que envolvem trade-off entre o egoísmo e justiça, entre cooperação e competição.

Mas ficam algumas questões. Imagine que um colega peça colaboração em um projeto. Você ficará feliz em ajudar, e você espera um retorno justo do seu investimento de tempo e energia, numa próxima oportunidade que você precisar. Mas no jogo de ultimato, entretanto, as regras não são as mesmas que na vida real, como (1) pechincar não é possível, (2) as pessoas não se conhecem, não se vêem e não sabem quem são após o experimento e (3) o dinheiro desaparece se não aceitarem e (4) o jogo nunca será repetido. É diferente da vida real onde colaboração existe porque há afinidade e porque um ajuda o outro em outros momentos. Na vida real, se você fizer retaliação, sofrerá consequencias do seu egoísmo no futuro. Mas neste jogo do Ultimato não.

Por que as pessoas agem de forma diferente?

Os economista exploraram este jogo com outras variações para ver os resultados. Numa delas, quando o proponente não é escolhido por sorteio numa moeda, e sim por melhor performance num quiz, as ofertas são frequentemente mais baixas e são mais aceitas - a desigualdade é sentida ser justificada e merecedora. Uma das conclusões foi que em jogos em pares, como este, as pessoas não adotam a postura pura de auto-interesse, mas consideram a visão do parceiro. Elas não estão interessadas apenas no próprio resultado, mas comparam com o do parceiro e numa situação justa.

Por que nós colocamos um alto valor na justiça a ponto de rejeitar 20% de uma boa quantia só porque nosso outro jogador levará quatro vezes que nós? Opiniões são divididas. Alguns especialitas em teoria dos jogos acreditam que esses indivíduos falham no entendimento que o jogo só ocorrerá uma única vez. Assim os jogodores vêem o aceite ou rejeição simplesmente como a primeira fase de um processo de barganha.

A pechincha, barganha e negociação sobre pedaços de recursos é um tema recorrente desde os nossos ancestrais. Mas por que é tão difícil entender que o Jogo do Ultimato é um jogo de uma interação apenas? Existem evidências em outros jogos que as pessoas sabem das diferenças entre encontros repetidos e de uma jogada só. Uma explicação dos autores está num estudo de modelo evolucionário: nosso aparato emocional tem sido moldado há milhões de anos ao viver em pequedos grupos, onde é difícil manter nosso segredos. Nossas emoções não são tão ajustadas para interações em condições de anonimato absoluto. Nós temos a expectativa que nossos amigos, colegas e vizinhos vão notar nossas decisões.

Se outros descobrem que eu fico contente com uma pequena divisão, eles provavelmente vão me fazer uma oferta baixa. Se eu sou conhecido por ficar bravo quando encontro um oferta pequena, outros tem incentivos para me dar ofertas maiores. Assim, evolução deve ter criado respostas emocionais para baixas ofertas. Como interações de uma jogada só são raras durante a evolução humana, essas emoções não discriminam entre interações repetitivas e únicas. Essa é provalvemente uma das explicações de porque muitos respondem emocionamente a baixas ofertas no Jogo do Ultimato. Nós sentimos que devemos rejeitar um oferta baixa para manter nossa auto-estima. Do ponto de vista evolucionário, essa auto-estima é um mecanismo interno para adquirir reputação, que é benéfico para futuros encontros.

Nas minhas leituras sobre o tema percebo que o Jogo do Ultimato intriga até hoje os pesquisadores pois as experiências mostram que nem todos agem de forma racional e no fim se prejudicam a si mesmos. Quem prefere ficar com nada do que com $10 faz isso para punir o outro jogador a fim de que fique com zero, mesmo que essa punição não seja educativa uma vez que não há segunda rodada. Há doadores que não acham justo fazer uma divisão desigual por motivos humanísticos, e há os que ficam com medo do parceiro rejeitar, então melhor ficar com $50 com certeza do que correr o risco de ficar com nada.

De qualquer forma, o mundo real é complexo mesmo, e ter um bom raciocínio estratégico ajuda nestes casos ao conseguir identificar, por exemplo, se o jogo é anônimo, se você conhece o perfil do adversário, se pode combinar antes e se os jogos são repetidos. Mais uma vez, independente da solução "racional-matemática", este é mais um exemplo de como é importante conhecer o outro jogador e quais são os reais incentivos dele.
 
[1] Scientific American, 2001, The Economics of Fair Play, by Karl Sigmund, Ernst Fehr e Martin A. Nowak



Prevendo os lapsos da racionalidade (até os próprios)
 
Você deve pensar que antecipar movimentos competitivos se refere em prever ações dos outros. Não necessariamente, você pode querer antecipar suas próprias ações. Thomas Schelling, no livro Strategies of Commitment and other essays, apresenta um cenário bem interessante para ilustrar como as decisões racionais no presente podem prevenir as ações irracionais no futuro, o que ele chamou de "lapsos de racionalidade".

Imagine um homem que deixou de fumar há três meses. Durante as oito primeiras semanas ele foi atormentado por um desejo de fumar constante, mas as últimas quatro semanas tem sido mais confortáveis e ele está ficando otimista de que ele realmente deixou os cigarros para sempre. Numa tarde de domingo, um amigo aparece na casa dele sem avisar para uma conversa de negócios. Após o bate-papo o amigo vai embora. Quando nosso "fumante recuperado" volta à sala ele encontra um maço de cigarros aberto na mesa do café. Ele pega o maço e corre até a porta, mas vê que o carro do seu amigo já tinha desaparecido na esquina.

Como ele iria ver o amigo na manhã seguinte, ele põe o maço no bolso de sua jaqueta e a pendura no quarto, assim poderia devolver os cigarros. Em seguida, ele vai para a frente da televisão com uma bebida. Vinte minutos de televisão, ele volta ao quarto, tira os cigarros do bolso da jaqueta e estuda o maço durante um minuto. Daí decide ir até o banheiro, esvazia os cigarros no vaso sanitário e dá descarga. Ele volta à sua bebida e à televisão, aliviado.

O que acabamos de testemunhar? Poderíamos dizer que o nosso sujeito antecipou que, na presença dos cigarros, algo poderia ocorrer que ele não gostaria que acontecesse; então ele jogou fora os cigarros para se prevenir. Desperdiçar alguns reais em cigarros do seu amigo foi uma proteção barata. No momento que jogou os cigarros, ele lidou racionalmente com o risco de fazer algo que não queria fazer depois. Podemos interpretar o ato deste homem como uma tentativa racional de prevenir um comportamento não-ótimo que a presença dos cigarros poderia motivar. Se perguntasse a ele, ele poderia explicar aquele comportamento como a "antecipação de algum ato irracional" enquanto ainda estava "racional".

Perceba como as pessoas exercem suas estratégias de limitar seu próprio comportamento futuro: muitas vezes a forma que as elas restringem as próprias atitudes parece ser a mesma forma que elas fazem para restringir o comportamento de outras pessoas. Neste caso elas parecem tratar o "eu futuro" como se fosse "outro indivíduo". Por exemplo, se o nosso homem nunca fumou mas sua esposa sim, e ela está numa batalhar para larga-los, e o seu amigo de negócios tivesse deixado cigarros na casa deles, ele certamente iria se desfazer dos cigarros antes que sua esposa voltasse para casa. Assim dizer que ele trata a "sua personalidade futura" como fosse "o outro ele mesmo" ou "o outro alguém", faz pouca diferença.

A maior parte da literatura sobre este tema em economia e filosofia descreve a situação como uma modificação das preferências ao longo do tempo. Imagine:
- às cinco horas o homem não quer fumar
- às cinco horas ele não quer fumar às dez
- às dez horas ele quer fumar, lembrando-se perfeitamente bem que há cinco horas ele não queria que ele fumasse às dez, lembrando-se de que há três meses ele não queria fumar em qualquer momento.

Não é fácil descrever porque o homem acenderia o cigarro se alguns momentos atrás ele esperava não fumar. Se é "racional" que ele fatisfaça um impulso de fumar, exercendo a sua soberania às dez horas, esta é uma pergunta que não pode ser respondida pela teoria clássica da escolha racional. Esse homem até poderia se referir ao seu lapso como "irracional" se assim quiser chamá-lo; pelo menos, assim lhe aparece às cinco horas. Neurologicamente pode haver uma resposta, mas nesta avaliação é difícil dizer se sucumbir às dez horas poderia ser julgado racional, irracional ou um "lapso de racionalidade", como prefere chamar Schelling.

De qualquer forma, na hora de prever os movimentos dos adversários (ou nossos), devemos reconhecer que as mudanças de preferência ao longo do tempo exitem de fato e considerá-las quando apropriado, da mesma forma que devemos entender os reais incentivos e motivações das pessoas. Sendo racional, irracional, lapso de racionalidade ou mudança de preferência ao longo do tempo, pouco importa, é preciso entender o fenômeno para ter um melhor Pensamento Estratégico.
 
[1] Strategies of Commitment and other essays, Thomas Schelling.



Cuidado ao jogar a Teoria dos Jogos com um taxista
 
O livro The Art of Strategy tem um exemplo bem interessante, que numa tradução livre seria o seguinte.

Tarde da noite, após uma conferência em Jerusalém, dois economistas, um deles americano co-autor deste livro, encontraram um taxi e deram as instruções do hotel ao motorista. Imediatamente reconhecendo-os como turistas norte-americanos, o motorista se recusou a ligar o taxímetro e, em vez disso, proclamou seu amor para os americanos e prometeu-os uma tarifa mais baixa do que o aparelho.

Naturalmente, os passageiros foram um pouco céticos em relação a esta promessa. Por que este estranho ofereceria cobrar menos do que o taxímetro quando estavam dispostos a pagar a tarifa medida? Como poderiam saber se não seria mais caro? Então eles colocaram o chapéu de Teoria dos Jogos. Se tentassem negociar e não dar certo, terão que encontrar outro carro, e taxis eram difíceis de encontrar. Mas se esperassem até chegar no hotel, a posição de barganha seria muito mais forte.

Quando eles chegaram ao hotel, o motorista exigiu 2.500 shekels israelenses (o equivalente a 2,75 dólares). Como saber se foi justo? Como as pessoas geralmente barganham em Israel, o americano protestou e ofereceu 2.200 shekels. O motorista ficou indignado. Ele alegou que seria impossível ir de lá para cá por esse montante. Antes que as negociações pudessem continuar, ele trancou todas as portas automaticamente e refez a rota em alta velocidade, ignorando semáforos e pedestres.

Foram seqüestrados em Beirute? Não. Ele voltou à posição original e indelicadamente os expulsou de seu taxi, gritando: "Veja agora o quanto longe os seus 2.200 shekels vão te levar". No fim, encontraram outro táxi, que ligou o taxímetro e 2.200 shekels depois chegaram ao hotel.

Certamente o tempo extra não valeu os 300 shekels. Por outro lado, a história valeu bem a pena. Ela ilustra os perigos de uma negociação com aqueles que ainda não leram sobre Teoria dos Jogos. Geralmente, orgulho e irracionalidade não podem ser ignorados. Há uma segunda lição para a história. Os americanos não pensaram muito à frente. Imagine o quão mais forte a posição de barganha teria sido se tivessem começado a discutir o preço depois de sair do taxi.

Alguns anos depois que essa história foi publicada pela primeira vez (no livro Thinking Strategically), os autores receberam a seguinte carta:


Prezados professores,

Vocês certamente não sabem meu nome, mas acho que vão se lembrar da minha história. Eu era um estudante clandestino em Jerusalém e atuava como um motorista de taxi. Agora eu sou um consultor e por acaso li o livro de vocês quando ele foi traduzido para o hebraico. O que vocês podem achar interessante é que eu também tenho compartilhado aquela história com meus clientes. Sim, foi realmente uma noite em Jerusalém. Quanto ao resto, bem... eu lembro de forma diferente.

Entre as aulas e as noites trabalhando como motorista de taxi, quase não havia tempo para eu passar com a minha noiva. Minha solução foi tê-la comigo no banco da frente durante a sua corrida. Embora ela tenha ficado em silêncio, foi um grande erro vocês deixarem ela de fora da história. Meu taxímetro estava quebrado, mas vocês pareciam não acreditar em mim.

Eu já estava cansado demais para discutir. Então nós chegamos, eu pedi 2.500 shekels, um preço justo. Eu estava mesmo esperando uma tarifa até 3.000. Vocês americanos ricos poderiam muito bem pagar 50 centavos de dolar de gorgeta. Eu não conseguia acreditar que vocês tentaram me enganar. A recusa em pagar um preço justo me desonrou na frente da minha esposa. Por mais pobre que eu estava, eu não precisava aceitar aquela mísera oferta.

Os americanos pensam que devemos ficar felizes em aceitar essas migalhas. Eu achei que deveria ensinar a vocês uma lição no jogo da vida. Minha esposa e eu estamos casados agora. Ainda rimos dos americanos estúpidos que passaram meia hora andando para lá e para cá procurando taxis para economizar meros vinte centavos.

Atenciosamente,

(Nome omitido)



Verdade seja dita, os autores no livro revelam que nunca receberam tal carta. O ponto em cria-la foi ilustrar uma lição fundamental na Teoria dos Jogos: você precisa entender a perspectiva do outro jogador. Você precisa considerar o que sabem, o que os motiva, e até mesmo como eles pensam sobre você. Cuidado com a regra de ouro de "não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem a você" - afinal, seus gostos podem ser diferentes.

Quando se pensa estrategicamente, você tem que trabalhar duro para entender a perspectiva e as interações de todos os outros jogadores no jogo, incluindo aqueles que podem ficar em silêncio. Isso leva a um último ponto. Quando você está pensando que está jogando um jogo, pode ser apenas parte de um grande jogo. Há sempre um jogo maior.
 
Referência: The Art of Strategy: A Game Theorist`s Guide to Success in Business and Life, de Adam M. Brandenburger e Avinash K. Dixit.



Recapitulação
 

 



Um roteiro para avaliação de cenários
 
Paul Papayoanou, no livro Game Theory for Business, desenvolveu um processo de avaliação de cenários o qual batizou de Strategic Gaming [1]. Segundo o autor, é uma metodologia eficiente para aplicar a Teoria dos Jogos de forma mais eficiente. Ela aborda cinco questões básicas derivadas da Teoria dos Jogos e sustenta um processo de três etapas: a Estruturação Dinâmica, Avaliação Estratégica e Planejamento da Execução. Essa abordagem é simples, intuitiva e fornece insights valiosos rapidamente, ajudando as empresas a construir um roteiro dinâmico e um plano estratégico e tático para jogar o jogo de forma efetiva.

As cinco questões básicas para criar os cenários competitivos são:
    1. Quem são os jogadores?
    2. Quais as opções que cada um tem?
    3. Qual a sequência de cada uma dessas ações?
    4. Quais são as incertezas?
    5. Quais são os payoffs para cada jogador para cada possível resultado?

Com essas perguntas como pano de fundo, é possível sumarizar as três etapas do Strategic Gaming na figura abaixo:



O primeiro passo é a Estruturação Dinâmica, um etapa de criar o escopo e estruturação as situações. Aqui as quatro questões são feitas e isso permite a construção das árvores de decisão. Um diagrama deste tipo mapeia cada possível ação dos jogadores, em sequência, e também as incertezas mais importantes. Ainda, construir árvores de decisão ajuda as pessoas a se colocarem melhor na posição e mente dos outros jogadores e isso enriquece o pensamento estratégico. Alguma avaliação quantitativa é feita, a qual ajuda a focar nas análises posteriores e oferece insights úteis e direcionamento para ação de curto prazo.

O segundo passo é a Avaliação Estratégica, uma fase de estimativa quantitativa na árvore de decisão. A quinta questão entre em cena. Métodos tradicionais de Decision Analysis geralmente são usados para calcular e modelar numericamente os payoffs, e em seguida as técnicas de Teoria dos Jogos são empregadas para ganhar insights e entender quais estratégias são as melhores considerando as incertezas e prováveis movimentos e reações dos outros jogadores.

O passo final é o Planejamento da Execução. Aqui todas as análises são reunidas e se avalia além da simples árvores de decisão para desenvolver um plano de ação que possa ser implementado efetivamente. Assim é possível entender qual movimento fazer agora e no futuro, sobre quais cenários e incertezas, e quais táticas influencia mais os jogadores.

Em seu livro, Papayoanou informa que tem praticado este roteiro em sua atividade de consultoria em diversas empresas e com muito sucesso. Aqui apresentamos o framework geral, e no livro ele entra em detalhes em cada um dos elementos. Entretanto, no nosso contexto é suficiente para explicar que uma metodologia de análise (como esta ou qualquer outra similar) é muito importante para conseguir avaliar os cenários corretamente e gerar subsídios e insights para ações.
 
[1] Game Theory for Business, a primer in Strategic Gaming, Paul Papayoanou, 2010, Probabilistic Publishing



Teoria dos Jogos é como VPL: o mapeamento é tarefa sua
 
A Teoria dos Jogos é geralmente criticada pelo fato de ser muito teórica, baseada na matemática e com pouca aplicação na complexa vida real. Precisamos avaliar essa afirmação com ressalvas. A parte matemática pode ser eliminada, tanto que não abordamos neste site. A complexidade, portanto, está no mapeamento dos cenários, que depende dos seguintes fatores: (1) sua capacidade analítica, (2) sua experiência na situação ou mercado e (3) seu conhecimento sobre os jogadores. A Teoria dos Jogos não faz isso para você. Neste contexto, a Teoria dos Jogos é um método de raciocínio, particularmente útil nas situações de interdependência de decisões, e não uma ferramenta estratégica para avaliação de mercado.

Para ficar mais claro, como comparação, a Teoria dos Jogos é como a teoria do Valor Presente Líquido. O VPL possui conceitos e fórmulas bem definidos. Quando você quer comparar dois cenários com diferentes fluxos de caixa (rendimentos/pagamentos), você os "traz a valor presente" utilizando uma taxa de desconto segundo uma fórmula matemática que você aprendeu. Assim, você consegue verificar qual alternativa, no tempo, possui maior valor financeiro de retorno. Nas aulas de Finanças, os melhores estudantes são aqueles que fazem os cálculos corretamente.



Entretanto, o mais dífícil não é usar os dados (basta interpretar e saber usar as fórmulas). O complexo é obter os dados. Entretanto, nas aulas os dados são fornecidos no enunciado do problema. Os estudos de casos, por mais complexos que sejam, apresentam o fluxo de caixa como uma informação disponível para todos os jogadores - tanto o seu como do seu concorrente. Assim, você aprende o conceito de valor presente e respectivas fórmulas, mas ninguém responde principal pergunta: em um caso real, como calcular os rendimentos ao longo do tempo?

A vida real é diferente, você está numa empresa e não possui um problema com enunciado pronto. Você imagina vários cenários, sabe calcular o VPL (inclusive, o Excel tem a fórmula pronta) mas não sabe os valores para colocar como input. Para isso precisaria fazer projeções de vendas, custos, reação dos concorrentes, reação dos consumidores, pesquisas, situação econômica ao longo dos anos, entre outros dados. Qualquer valor errado compromete o resultado, por mais que você saiba a teoria do Valor Presente Líquido. Se você insistir com a pergunta em uma aula de finanças (como mapear o fluxo de caixa), uma resposta sincera poderia ser "isso é problema seu, não conheço sua realidade, mercado, concorrentes, estrutura de custos, perfil dos clientes; aqui está o conceito teórico para comparar cenários usando valor presente e aqui estão as fórmulas, boa sorte".

Caso semelhante ocorre com a Curva de Demanda. Aulas de Economia apresentam uma curva onde, para cada preço do seu produto existe uma demanda - a quantidade que você irá vender. Os consumidores compram mais a medida que o preço cai. Com esta curva exata de cada preço-quantidade, com um pouco de cálculo de primeiro e segundo grau, você consegue definir qual exato preço estabelecer para que a quantidade vendida maximize os lucros. Assim você tem a noção da elasticidade do preço, o que é muito útil.



Mas idêntico ao conceito do VPL, o conceito da Curva de Demanda só traz resultados realmente práticos se você souber qual é a curva de demanda do seu produto real. Como saber isso? Você não vai mudar o preço todo dia ou semana, durante anos, só para identificar a relação preço versus quantidade vendida. Então como saber a sua curva? Uma vez perguntei ao meu professor de Economia e ele respondeu "nas aulas nós usamos uma curva dada para ensinar o conceito; se você quer saber como formá-la, converse com seu professor de Marketing Quantitativo". Assim, fui conversar com meu professor de Marketing e ele respondeu: "Olha, não sei responder. Para isso existem empresas especializadas de consultoria que ajudam as empresas".

Mesmo assim, o fato de não saber calcular os inputs reais não desqualifica os conceitos ensinados como um grande framework de pensamento sobre VPL (como comparar dois investimentos) e sobre Curva de Demanda (como calcular o ponto ideal de preço x quantidade para maximizar o lucro). Igualmente, a Teoria dos Jogos ensina os grandes conceitos para modelar "a lógica da situação" ao colocar os payoffs de cada jogador (seja numa árvore sequencial de decisão ou seja numa matriz de ações simultâneas) e achar o ponto de equilibrio (fazendo o backward induction nos jogos sequenciais ou descobrindo as estratégias dominantes nos jogos simultâneos).

Como todos os jogos-modelos e estórias, a Teoria dos Jogos apresenta insights sobre competição versus colaboração, equilibrios ineficientes e como ficar atento as ações e reações dos concorrentes. Criticar a Teoria dos Jogos dizendo que não pode ser usada na realidade pela falta dados é o mesmo que criticar a maioria dos modelos Econômicos e Financeiros. Os modelos são o condutor da linha de raciocínio para gerar o output, mas por enquanto, nada substitui sua experiência, criatividade, pesquisas quantitativas e outros métodos de Decision Analysis para gerar os inputs.
 



Desenhando o Jogo Correto - Dois exemplos
 
Em uma guerra de preços, por exemplo, algumas empresas têm mais capacidade que outras para reagir e combater. Outros não podem fazê-lo por causa de sua estrutura de custos, o comportamento avesso ao risco ou outros motivos. Por isso, não basta apenas usar ferramentas matemáticas computacionais para fazer previsões em um jogo. Também é preciso intuição e conhecimento sobre os executivos das outras empresas para desenhar o jogo com as preferências corretas (deles).

É o que chamamos de "desenhar o jogo correto"; assim a Teoria dos Jogos pode ajudar a analisar a lógica da situação de forma eficiente. Dois exemplos abaixo mostram como os executivos desenharam o jogo correto e errado. Você deve estar ciente de tais exemplos de sucesso e falha. Os exemplos são do livro The Right Game - Use Game Theory to Shape Strategy, de Branderburger e Nelebuff [1].

Exemplo 1 - Companhias Aéreas Kiwi - O jogo correto

Quando um novo jogador entra no mercado com um preço mais baixo, a empresa atual só tem duas respostas eficazes: igualar o preço do entrante ou se acomodar e conceder um pouco de market-share. A Kiwi International Airlines foi uma iniciante em 1992 fundada por ex-pilotos da Eastern Airlines (que tinha falido). A Kiwi tinhau uma vantagem de custo devido ser de propriedade dos próprios empregados e por fazer leasing dos aviões. Entretanto, tinha pouco reconhecimento da sua marca e grade de horário mais limitada do que as grandes companhias. O que fazer então?

Decidiu por oferecer preço baixo e vôos limitados. Por quê? Quando um entrante adota essa estratégia, o lucro dos jogadores depende de como a atual empresa vai responder. Ela pode recuperar o seu market-share perdido se igual o preço do concorrente, ou pode dar, digamos, 10% do mercado. Certamente perder até 10% de participação é normalmente melhor do que sacrificar a sua margem de lucro. Mas o entrante não pode ser demasiado ganancioso; se ele tenta ganhar muito mais mercado, a atual empresa vai lutar para recuperar a sua parte, mesmo sacrificando um pouco de margem. Assim, somente quando o entrante limita a sua capacidade é que a atual empresa pode se acomodar e o entrante pode ganhar dinheiro.

Isso é o que aconteceu e Kiwi fez dinheiro por ficar longe de grandes operadoras, que entenderam que Kiwi não representava ameaça. Kiwi quis capturar no máximo 10% e não mais que quatro vôos por dia. Para arquitetra a escolha certa de preço e quantidade de vôos, Kiwi teve que se colocar na posição das grandes companhias aéreas para assegurar que elas teriam um incentivo maior para acomodar, e não lutar. Isso mostra como os executivos da Kiwi compreenderam a competição e desenharam o jogo correto.


Exemplo 2 - Empresa Sweetener Holland - O jogo errado

O NutraSweet, um adoçante com baixas calorias usadas em refrigerantes como Diet Coke e Diet Pepsi, gerou 70% de margem bruta para a Monsanto. Tais lucros costumam atrair outros para entrar no mercado, mas o NutraSweet estava protegido por patentes na Europa até 1987 e nos Estados Unidos até 1992.

Com a bênção da Coca-Cola, um entrante, o Holland Sweetener Company (HSC), construi uma fábrica de aspartame na Europa em 1985, antecipando a expiração da patente. Como HSC atacou o mercado europeu, a Monsanto lutou agressivamente. Usou-se reduções de preços e as relações contratuais com seus clientes para impedir a HSC de entrar no mercado. Assim, a HSC estava ansiosa para mover a guerra nos Estados Unidos.

No entanto, a guerra terminou antes de começar. Pouco antes da expiração da patente na Europa, tanto Coca-Cola e Pepsi assinaram novos contratos de longo prazo com a Monsanto. Parece que a Coca-Cola e a Pepsi não aproveitaram a oportunidade de concorrência entre fornecedores. Na verdade, nem Coca-Cola nem Pepsi tinham mesmo desejo real de mudar para um aspartame genérico. Nenhuma das empresas quis ser o primeiro a ter o logotipo da NutraSweet fora da lata e criar uma percepção de que foi alterando o sabor de suas bebidas, uma vez que a NutraSweet já tinha construído uma reputação de segurança e bom gosto.

No final, o que a Coca-Cola e Pepsi realmente queriam ter era a velha e boa NutraSweet a um preço muito melhor. HSC deveria ter reconhecido que a Coca-Cola e Pepsi tinham pago uma alto preço alto para tornar o mercado de aspartame competitivo. HSC desenhou o jogo correto, Coca-Cola e Pepsi sim. E a Monsanto fez bem em criar uma marca forte e uma vantagem de custo, minimizando os efeitos negativos da entrada de uma marca genérica.

 
[1] Branderburger e Nelebuff, The Right Game - Use Game Theory to Shape Strategy.



Recapitulação
 
 



Ameaças críveis e navios queimados
 
Normalmente, você se beneficia quando possui várias alternativas a disposição para escolher uma delas. Quanto mais opções tivermos, mais benefícios teremos, certo? Nem sempre. A existência de algumas alternativas, no entanto, aumenta a dificuldade de fazer ameaças críveis. Conseqüentemente, eliminar opções pode aumentar o seu ganho.

Em Game Theory at Work, James Miller apresenta o seguinte exemplo. Imagine que você é um comandante militar medieval que deseja invadir um castelo inimigo. Suas tropas navegaram até chegar a ilha do castelo. Todo mundo sabe que você está determinado a lutar até o fim para seu exército sair vitorioso. Mas infelizmente a batalha seria longa. Você perderia muitos soldados numa batalha sangrenta, então você reza desesperadamente para que seu inimigo se renda facilmente e o mais rápido. Você pensa: se inimigo sabe que vai perder a batalha, ele vai se render para evitar mortes.

Entretanto, o seu inimigo ouviu falar de sua compaixão. Você não se importa com o bem-estar do adversário, mas você se preocupa tremendamente com as vidas de seus próprios soldados (talvez por razões egoístas). Ele então corretamente suspeita que, se manter-se combativo por tempo suficiente, você será debilitado e enfraquecido com suas perdas e recuará. Embora você deseje do castelo, você não quer dizimar o seu exército para obtê-lo.

Nesta sequência de "eu acho que ele acha", você imagina que seus oponentes imediatamente se renderão se eles acreditarem que você vai lutar até o fim. Por isso, se você fizer uma ameaça crível de lutar até a vitória, eles vão desistir e você não tem que arriscar suas tropas. Infelizmente, a simples ameaça de lutar até o fim carece de credibilidade, então o que você deve fazer? Você deve queimar seus próprios navios!

Imagine que se o seus barcos forem queimados, levaria meses para seus aliados trazerem novos navios para a ilha para resgatar seu exército. Enquanto isso, você morreria se não conseguir ocupar o castelo. Perder seus barcos seria obrigá-lo a lutar até a vitória. Mais importante, seu inimigo acreditaria que, com seus barcos queimados, você nunca iria recuar. A rendição é a resposta ideal do inimigo para a queima de seu barcos. Ao destruir seus navios, você limita as suas escolhas. Você não pode mais desistir da baalha. Eliminar a opção de recuar faz sua ameaça virar crível e permite obter uma vitória sem derramamento de sangue.

Avinash Dixit and Barry Nalebuff chamam estas decisões em Teoria dos Jogos de "movimentos estratégicos". Um jogador pode usar ameaças e promessas para alterar as expectativas dos outros jogadores sobre as ações futuras e induzi-los a tomar medidas favoráveis ​​ou impedi-los de fazer movimentos para prejudicá-lo. Para ter sucesso, as ameaças e as promessas têm de ser críveis. Isso é problemático porque quando chega na hora decisiva, geralmente é muito caro cumprir uma ameaça ou promessa (a tentação de não cumprir é grande se não tiver consequência). Por isso é preciso aumentar a credibilidade: como princípio geral, pode ser vantajoso para um jogador reduzir a sua própria liberdade de ação futura. Ao fazer isso, ele remove sua própria tentação de renegar uma promessa ou a perdoar as transgressões dos outros.

Exemplo histórico

A Stanford Encyclopedia of Philosophy cita que muito antes da Teoria do Jogos aparecer para mostrar como pensar sobre este tipo de problema sistematicamente, o caso ocorreu a alguns líderes militares e influenciou suas estratégias. Conta a história que o conquistador espanhol Cortez, quando chegou ao México, contava com uma pequena força militar e tinha bons motivos para temer a sua capacidade para repelir o ataque dos astecas muito mais numerosos. O que ele fez? Removeu o risco das suas tropas pensarem em desistir e queimou os navios em que tinham ancorado.

Como a desistência e o recuo ficaram fisicamente impossível, os soldados espanhóis não tiveram melhor opção a não ser ficar e lutar e, além disso, combater com mais determinação. Melhor ainda, do ponto de vista de Cortez, sua ação teve um efeito desanimador sobre a motivação dos astecas. Ele teve o cuidado de queimar seus navios de forma muito visível, de modo que os astecas teriam visto com certeza.

Eles, então, consideraram o seguinte: qualquer comandante que seja tão confiante a ponto de diberadamente destruir sua própria opção deve ter boas razões para um otimismo tão extremo. Não é inteligente revidar a um adversário que tem uma boa razão (qualquer que seja) para ter certeza que ele não pode perder. Cortez eliminou propositadamente suas opções e não tinha mais navios para voltar para casa. Apesar de seus soldados serem em número bem menor, a ameaça crível de lutar até a morte desmoralizou o inimigo. Os astecas, portanto, recuaram para as colinas em vez de lutar contra um oponente tão determinado e Cortez teve sua vitória sem sangue.

Outra fonte clássica que possui essa seqüência de raciocínio é Henrique V de Shakespeare. Durante a Batalha de Agincourt, Henrique V decidiu matar seus prisioneiros franceses bem a vista do inimigo e para a surpresa de seus próprios soltados, que inclusive descreveram esta a ação como imoral. Henrique V tinha medo que os prisioneiros pudessem se libertar. No entanto, um expert em Teoria dos Jogos poderia ter fornecido algumas dicas estratégicas complementares. Suas próprias tropas observaram que os prisioneiros foram mortos e perceberam que o inimigo viu também. Portanto, os soltados de Henrique V sabiam qual destino os esperariam na mão do inimigo se não vencessem. Metaforicamente, mas de forma muito eficaz, barcos deles foram queimados. Ao matar os prisioneiros franceses na frente de todo mundo, Henrique V enviou um sinal para os soldados de ambos os lados e assim alterou os incentivos de forma que favoreceu as perspectivas inglesas para a vitória.

Exemplos menos sangrentos

Esses exemplos podem parecer que a estratégia de "queimem os navios" se aplica somente em situações competitivas de vida ou morte. Não necessariamente. A Stanford Encyclopedia of Philosophy fornece outro exemplo. Suponha que você possui um pedaço de terra adjacente ao meu, e eu gostaria de comprá-lo, de modo a expandir o meu lote. Infelizmente, você não quer vender pelo preço que estou disposto a pagar. Então, eu poderia tentar mudar os incentivos: digamos que eu anuncio que vou construir uma estação de tratamento de esgotos com um odor pútrido na minha terra ao lado de sua a não ser que você a venda, induzindo você a baixar o seu preço. No entanto, este movimento não muda nada. Se você se recusar a vender mesmo com a minha ameaça, não é do meu interesse de realizá-la porque prejudicar você também me prejudica. Uma vez que você sabe isso, você deve ignorar a minha ameaça. Minha ameaça não é crível, acaba por ser um blefe.

No entanto, eu poderia fazer uma ameaça crível se eu me comprometer. Por exemplo, eu poderia assinar um contrato com alguns fazendeiros prometendo fornecer-lhes fertilizante (do esgoto tratado), mas incluindo no contrato uma cláusula de saída me liberando da obrigação somente se eu dobrar o tamanho do meu lote e assim colocá-lo para algum outro uso. Agora a minha ameaça é crível pois eu me amarrei: se você não vender, eu estou comprometido com a construção da usina de esgoto. Uma vez que você sabe disso, agora você tem um incentivo para me vender sua terra para escapar de sua ruína.

Em outro exemplo, suponha que nós dois desejamos roubar um antílope raro de um parque nacional a fim de vendê-lo como troféu. Um de nós deve conduzir o animal para a outra pessoa, que aguarda escondido para atirar e carregá-lo em um caminhão. Você promete, é claro, compartilhar o produto comigo. No entanto, sua promessa não é crível. Assim que tiver o antílope, você não tem nenhuma razão para não levá-lo embora e embolsar todo dinheiro. Afinal, eu nem posso reclamar para a polícia sem ser preso também.

Mas agora suponha que eu faça o seguinte. Antes de nossa caçada, eu instalo no caminhão um alarme que pode ser desligado apenas digitando um código. Só eu sei o código. Se você tentar dirigir sem mim, o alarme soará e nós dois seremos pegos. Você, sabendo disso, agora têm um incentivo para esperar por mim. O que é importante notar aqui é que você prefere que eu instale o alarme, uma vez que isso faz a sua promessa de dar a minha parte ser crível. Se eu não fizer isso, deixando a sua promessa sem credibilidade, seremos incapazes de concordar com crime e vamos perder nossa oportunidade de ganhar dinheiro com a venda do troféu. Assim, você se beneficia por eu impedi-lo de fazer o que é tentador para você.

Em resumo, queimar os seus navios e diminuir algumas opções para ter ameaças e/ou comprometimento críveis são ferramentas poderosas para conquistar alguns objetivos, seja em competição ou colaboração. Também é uma boa forma de resolver o Dilema dos Prisioneiros.


PS: Essa é a essência de certas barganhas e contratos quando um precisa confiar na promessa de outro. Uma outra boa referência é ler os seguintes capítulos de Games, Strategies e Managers, de John McMillan: Negotiating (Gaining Bargaining Power) e Contracting (Creating Incentives e Designing Contratcs).
 
1. Game Theory, por Avinash Dixit and Barry Nalebuff, em Library of Economics and Liberty - http://www.econlib.org/library/Enc/GameTheory.html
2. Game Theory, por Stanford Encyplodia of Philosophy - http://plato.stanford.edu/entries/game-theory/
3. Livro Game Theory at Work, por James D. Miller.
4. Livro Games, Strategies e Managers, de John McMillan



O que é o Dilema dos Prisioneiros
 
O Dilema dos Prisioneiros é um jogo muito famoso que representa bem o dilema entre cooperar e trair [NOTA 1]. Resumidamente, a estória é a seguinte. Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia não tem provas suficientes para os condenar, então separa os prisioneiros em salas diferentes e oferece a ambos o mesmo acordo:

1. Se um dos prisioneiros confessar (trair o outro) e o outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos.
2. Se ambos ficarem em silêncio (colaborarem um com ou outro), a polícia só pode condená-los a 1 ano cada um.
3. Se ambos confessarem (traírem o comparsa), cada um leva 5 anos de cadeia.

Cada prisioneiro faz a decisão sem saber a escolha do outro - eles não podem conversar. Como o prisioneiro vai reagir? Existe algum decisão racional a tomar? Qual seria a sua decisão?

Usando uma matriz como recurso visual

Uma forma esquemática para mostrar uma interação humana, ou seja, um jogo, é através de uma "matriz de resultados" [NOTA 2]. Embora o enunciado do problema seja simples e intuitivo para entender de forma verbal, a representação gráfica oferece uma grande ajuda para visualizar o cenário de forma completa e entender as opções e implicações para cada jogador.



Nesta figura você visualiza as duas opções de cada prisioneiro e o resultado de cada combinação de ação. Para cada célula, os valores vermelhos a direita referem-se ao Prisioneiro A; os azuis a esquerda referem-se ao Prisioneiro B. Estão descritos quantos anos cada prisioneiro ficará na cadeia. Neste cenário, quando menor o valor da pena, melhor para o prisioneiro.

Os prisioneiros não podem combinar a decisão (estão em salas isoladas e sem comunicação) e devem escolher simultaneamente. Cada jogador quer ficar preso o menor tempo possível, ou seja, maximizar seu resultado individual. Qual a melhor decisão? Considerando os incentivos deste jogo (os valores das penas para cada combinação de decisões na matriz), existe uma única decisão racional a tomar: trair. A explicação é a seguinte:

Imagine que você é o prisioneiro A. Assim, você raciocina nas duas hipóteses:
- Suponha que o Prisioneiro B escolha Colaborar. Então, se você escolher Colaborar, leva 1 ano de prisão. Se escolher Trair, sai livre. Neste caso, Trair é a melhor opção.
- Suponha que o Prisioneiro B escolha Trair. Então, se você escolher Colaborar, leva 10 anos de prisão. Se escolher Trair, fica com 5 anos. Neste caso, Trair é a melhor opção.

Perceba que Trair é a melhor opção em ambos os casos. Em outras palavras, Trair é a melhor opção independente da decisão do Prisoneiro B.

Agora, imagine o que o Prisoneiro B está pensando: se ele é racional como você, provavelmente a mesma coisa.
- Ele supõe que você vai escolher Colaborar. Então, se ele escolher Colaborar, leva 1 ano de prisão. Se escolher Trair, sai livre. Neste caso, Trair é a melhor opção.
- Ele supõe que você vai escolher Trair. Então, se ele escolher Colaborar, leva 10 anos de prisão. Se escolher Trair, fica com 5 anos de prisão. Neste caso, Trair é a melhor opção.

De novo, perceba que Trair é a melhor opção em ambos os casos.

O dilema: a escolha individual não é o melhor para ambos


Em Teoria dos Jogos, chamamos que Trair é a Estratégia Dominante, ou seja, aquela que apresenta o melhor resultado independente da decisão do outro jogador. Quando em um certo jogo, devido o esquema de incentivos (a matriz de resultados) você não precisa se preocupar com a decisão alheia porque existe uma opção melhor independente do seu competidor, então você deve escolher a estratégia dominante.

Neste exemplo dos prisioneiros, como ambos vão escolher Trair devido a estratégia dominante, cada um é preso por 5 anos. Assim, dizemos que Trair-Trair é a solução de equilíbrio, equilibrio do jogo ou Equilibrio de Nash. O Equilibrio de Nash [NOTA 3] é a solução (combinação de decisões) em que nenhum jogador pode melhorar seu resultado com uma ação unilateral. Ou seja, dado que Trair-Trair é a solução de equilíbrio (o resultado racional do jogo), se o Prisioneiro A mudar unilateralmente para Colaborar ele sai perdendo (15 anos), o mesmo ocorrendo para o Prisioneiro B.

O grande problema no Dilema dos Prisioneiros é que o equilíbrio (Trair-Trair) não é o melhor resultado pois existe um outro possivel e melhor: se ambos escolherem Colaborar (ficar em silêncio) cada um ficaria com apenas um ano de prisão. Assim, o Dilema dos Prisioneiros é uma abstração de situações comuns onde a escolha do melhor individual conduz à traição mútua, enquanto que a colaboração proporcionaria melhores resultados. Por isso dizemos que o Dilema dos Prisioneiros resulta em um "equilíbrio ineficiente" pois o esquema de incentivos e racionalidade induz a um resultado pior.

Você poderia imaginar que este equilíbrio só ocorre porque as pessoas não podem conversar e combinar as ações, e que se pudessem fazer um acordo prévio, tudo se resolveria. Isso não é necessariamente verdade. Você quer colaborar (ficar em silêncio), mas quem garante que o seu parceiro fará o mesmo? O quanto você confia no outro jogador?

Você é o prisioneiro e sua vida está em jogo. Você combina antes que vai colaborar e quer cumprir sua palavra. Seu comparsa sabe isso. Então, o que garante que, no último instante, ele não vai te trair, justamente sabendo que você vai colaborar? Para ele é simples, ele sai livre e você pega 15 anos de prisão... Daí é tarde. Provalvelmente, o seu comparsa pensará da mesma forma a seu respeito. Por isso, o Dilema dos Prisioneiros se torna, na verdade, num Dilema da Confiança. Como resolver esse dilema? Você verá nos próximos artigos.
 
[1] O Dilema dos Prisioneiros foi inventado em 1950 por Merrill Flood e Melvin Dresher, e foi adaptado e divulgado por A.W.Tucker.
[2] Em inglês, o termo usado é "payoff matrix". Em português existem algumas variantes: matriz de resultados, matriz de recompensas e matriz de pagamentos.
[3] O nome Equilibrio de Nash é devido seu inventor, John Nash, ganhador do prêmio Nobel em 1994 e que foi retratado no filme Uma Mente Brilhante, em 2001.



O Dilema dos Prisioneiros na vida real - Guerra de Preços
 
[OBS: para melhor aproveitar este artigo, sugiro primeiro ler o O que é o Dilema dos Prisioneiros como introdução]

O maravilhoso mundo do Dilema dos Prisioneiros abre as portas para muitas analogias com a vida real. Este "jogo-modelo" é uma das metáforas mais poderosas na ciência do comportamento humano pois inúmeras interações sociais e econômicas tem a mesma estrutura de incentivos (a matriz de resultados). O conflito típico dos jogos da categoria "Dilema dos Prisioneiros" é que cada jogador escolhe sua estratégia dominante e o resultado é pior ao grupo como um todo; é o conflito entre o interesse individual e coletivo.

O exemplo do Posto de Gasolina e a Guerra de Preços

Imagine uma cidade com apenas dois postos de gasolina. Você é dono de um deles, chamado GASOIL, que fica lado a lado do seu concorrente, o posto CARGAS. Devido a proximidade, quando uma pessoa precisa abastecer o carro, ela vai até eles, visualiza o preço de ambos e escolhe pelo menor. Embora existam outros motivos que diferenciam os postos, como a cordialidade e velocidade dos frentistas, o preço é o fator mais relevante.

Assim, se o assunto é preço, alguns centavos a menos podem induzir parte dos clientes a preferir o posto com menor valor. Por exemplo, se seu concorrente abaixar o preço em 5%, ele ganha cerca de 30% dos seus clientes. Este aumento de volume de clientes compensa o preço reduzido, melhorando a rentabilidade, enquanto você perde faturamento. Por isso, você pensa: que tal abaixar o preço do litro de $3 para $2,90? Isso fará com que habituais clientes do CARGAS (concorrente) passem a abastecer no GASOIL (o seu posto).

A vida empresarial seria mais fácil se as decisões foram isoladas. Entretanto, como o seu concorrente vai reagir? Ao notar que você abaixou o preço e ele perdeu clientes, ele também vai abaixar o preço para $2,90. Como resultado, os dois postos terão preço igual ($2,90 no lugar de $3,) e o mesmo volume de cliente como antes, mas ambas empresas perdem faturamento e lucro. Essa é a essência de uma guerra de preços que prejudica o negócio dos dois postos.

Suponha que vocês tomam a decisão simultaneamente. Se hoje é domingo, vocês vão decidir qual o preço inicial na segunda-feira. Durante o dia não é possível alterar o preço, apenas de um dia para outro. Vocês não se conversam e não sabem qual preço o concorrente vai adotar. Você fica sabendo apenas no dia seguinte e qualquer arrependimento será tarde demais (ao menos durante um dia inteiro, até você tomar alguma atitude para o dia seguinte).

Considerando essa dinâmica de mercado com clientes sensíveis ao preço, ambos tem incentivos para abaixar o preço e ganhar mais momentaneamente. Entretanto, se os dois fizerem, ambos saem perdendo. Assim, preventivamente, você conversa com o dono do CARGAS e combinam de não abaixar os preços. Ele concorda, mas você vai dormir com a dúvida: será que posso confiar nele? Se ele abaixar o preço a noite, você perderá toda a clientela do dia seguinte. Você está num dilema - o Dilema da Confiança, ou melhor dizendo, é um jogo semelhante ao Dilema dos Prisioneiros.

Matriz de Resultados possui a mesma armadilha dos Prisioneiros

Embora seja intuitivo, podemos representar a matriz de resultados do posto de gasolina abaixo. Em cada célula (combinação de escolhas), o valor da esquerda refere-se os ganhos do Gasoil, e o valor a direita são os ganhos da Cargas. O valor em si é meramente ilustrativo, mas a proporção entre eles é que é relevante para a decisão.

CARGAS
Manter
Reduzir
GASOIL
Manter
50 , 50
30 , 60
60 , 30
40 , 40
Reduzir


Se ambos colaborarem, os dois ganham $50 por dia. Se um deles abaixar o preço, recebe $60 enquanto o que mantem reduz para com $30. Já se ambos reduzirem o preço, o resultado para cada um será $40, pois significa abaixar o preço sem aumentar volume de clientes. Como visto na metodologia de análise no Dilema do Prisioneiro, (40,40) é o ponto de equilíbrio (reduzir-reduzir) pois abaixar o preço é a estratégia dominante de cada um, resultando em pior valor se tivessem mantido o preço.

Eles caíram na armadilha e muitos chamam essas situações de Dilema Social - o interesse individual e análise estritamente matemática e racional induz a resultados piores do que outras opções olhando o coletivo. Como mencionado, é difícil sair dessa armadilha - quem vai arriscar a colaborar (manter o preço) se há chance do outro trair (reduzir o preço) e ganhar sozinho?

O próximo exemplo refere-se ao dilema da propaganda visual na cidade de São Paulo e a solução da lei Cidade Limpa.

 



Recapitulação
 
 



Cooperação via Autoridade Central: exemplo da Lei Cidade Limpa
 
[OBS: para melhor aproveitar este artigo, sugiro primeiro ler o O que é o Dilema dos Prisioneiros como introdução]

Como resolver o Dilema dos Prisioneiros? Como conseguir a cooperação quando os incentivos induzem as pessoas para o egoísmo e individualismo, mesmo sabendo que no final todos perdem?

Uma das respostas é o uso de uma autoridade central que force os jogadores a colaborarem, sob pena de alguma sansão. É o que ocorreu com a Lei Cidade Limpa, em São Paulo, válida desde 2007.

Antes da lei, existia na cidade era uma verdadeira guerra de propaganda visual, um típico dilema dos prisioneiro. Para serem vistos, os comerciantes cada vez mais colocavam letreiros maiores em suas lojas. Como consequência, ninguém via nada, a logomarca sequer era notada e gerava uma poluição visual enorme. Assim, ninguém saia lucrando (apenas empresas de letreiros...)

Uma forma de converter esse esquema numa matriz de resultados é a seguinte:



Se as empresas não entrassem na guerra do "o meu é maior e mais luminoso", todos estariam OK (quadrante esquerdo superior - manter logo). Entretanto, a tentação era muito grande para se aproveitar: se a LOJA 2 aumentar seu letreiro, o seu logo vai aparecer "muito" e da LOJA 1 "nada" pois o grande ofusca o pequeno. O inverso ocorre se LOJA 2 aumentar e LOJA 1 manter o seu logo. O final você já sabe... se ambas aumentarem o tamanho do logo, todos aparecem "pouco".

Embora seja uma representação aproximada (Ok, muito, nada, pouco), o esquema demonstra a essência deste jogo. Existe uma estratégia dominante para aumentar o logo, uma vez que "muito" é melhor que "Ok", e "pouco" é melhor que "nada".

Como resposta a esse dilema, a prefeitura de São Paulo limitou o tamanho dos letreiros de cada loja para 4 m2 e até 5m de altura. Essas dimensões pode ser questionada do ponto de vista arquitetônico, entretanto, como política pública para combater a poluição visual e terminar a guerra entre as lojas (Dilema dos Prisioneiros), a lei é bem eficaz pois os jogadores (as lojas) não conseguiam entrar em cooperação por si próprios. Afinal, eles estavam numa armadilha e não sabiam sair dela. Se você tem uma loja e decide manter o logo, quem garante que seu vizinho não vai aumentar o dele? E se ele aumentar, ofuscando o seu, o que você fará?

Outro exemplo: quando os governos proibiram a propaganda de cigarro, em vários países, muitos acharam que seria o fim da indústria do tabaco. Mas não foi o que ocorreu. As empresas também estavam num Dilema dos Prisioneiros, presos a armadilha de gastar fortunas em propaganda. As campanhas publicitárias eram caras e ostensivas, mas o propósito era defensivo - as empresas faziam campanhas porque as demais faziam. O exemplo é similar ao nossos caso do posto de gasolina; se uma empresa deixasse de fazer propaganda, dado o investimento da outra, os clientes poderiam migrar de marca e transferir o lucro. No fim, a restrição da propaganda ajudou as empresas a evitar campanhas milionárias; embora sem este artifício para atingir o público, não perderam lucratividade pois os custos diminuíram.

Tanto no caso da lei Cidade Limpa, como na propaganda de cigarro ou no aumento/redução de preços, os jogadores (empresas, indivíduos) até agradecem uma autoridade central que as force um acordo coletivo que limite a competição e canibalismo.
 



Recapitulação
 

 



Cooperação via estratégia Olho por Olho
 
[OBS: para melhor aproveitar este artigo, sugiro primeiro ler o O que é o Dilema dos Prisioneiros como introdução]

Em que condições a cooperação surgirá num mundo de egoístas sem uma autoridade central? Essa foi uma das questões que Robert Axelrod trabalhou para elaborar um estudo que resultou no livro The Evolution of Cooperation. [NOTA 1]

Aqui entra em cena o conceito de reciprocidade, ou como dizem alguns autores, "você coça minhas costas, depois eu coço a sua". Eu colaboro com você, então você colabora comigo. Mas sabendo que as pessoas respondem a incentivos, e que a recompensa por uma traição é maior, o que garante que eu não vou trair?

Como Axelrod coloca, nas situações em que cada indivíduo tem um incentivo para ser egoísta, como a cooperação pode se desenvolver? A resposta para este dilema, segundo os cientistas em Teoria dos Jogos, está na repetição infinita das interações entre os jogadores. O que torna possível a cooperação é o fato dos jogadores poderem se encontrarem várias vezes. Traduzindo: vou colaborar porque sofrerei retaliação se eu trair, e é melhor você colaborar comigo pois vou retaliá-lo se você me trair. A traição mútua não é vantajosa para ninguém.

O conceito é simples e intuitivo, mas foi sistematizado e provado. O estudo mais conhecido sobre interações repetitivas do jogo do Dilema dos Prisioneiros foi um concurso de computador conduzido por Axelrod em 1980. Ele convidou várias pessoas renomadas em Teoria dos Jogos, Psicologia, Sociologia, Ciências Políticas e Economia para submeter estratégias interativas para um concurso via por computador. O computador era apenas para ter velocidade na simulação (o concurso poderia ser feito com várias pessoas presentes, lápis e papel).

Como definição, uma estratégia é uma sequência de regras de decisão, é uma especificação do que fazer em qualquer situação que possa surgir. Uma estratégia pode ser cooperar durante alguns padrões e trair em outros, ela pode usar probabilidades, pode usar o padrão do concorrente e de resultados para decidir o que fazer em seguida. Neste concurso, a estratégia deveria especificar o que fazer a cada interação do Dilema dos Prisioneiros e poderia usar todo histórico de interação (sua e do oponente). Para cada jogada, o resultado era em pontos, como na matriz abaixo.

Jogador B
Colaborar
Trair
Jogador A
Colaborar
3 , 3
0 , 5
5 , 0
1 , 1
Trair

Relembrando, esse esquema de pontução relembra o esquema do Dilema dos Prisioneiros. Duas pessoas estão em um jogo. Eles precisam escolher entre duas opções: Cooperar ou Trair. As possíveis combinações são:

1. Se ambos cooperarem, cada um ganha 3 pontos como Recompensa.
2. Se ambos trairem, cada um ganha 1 ponto, que é a Punição por falharem em juntar forças.
3. Se um trair enquanto o outro coopera, o traidor recebe 5 pontos (que é a Tentação) e o colaborador não recebe nada (é o Idiota).

Como um jogodor racional irá jogar? Traindo, é claro. Esta é a resposta correta, não importando o que ou outro vai fazer, porque:
- Se o outro jogador vai Cooperar, então você ganha 5 pontos ao Trair ou 3 pontos ao Cooperar. Melhor trair.
- Se o outro jogador vai Trair, então você ganha 1 ponto ao Trair ou 0 pontos ao Cooperar. Melhor trair.

O problema é que o outro jogador, sendo racional também, pensa exatamente da mesma forma. Como resultado, ambos acabam ganhando apenas 1 ponto, muito menos se existisse uma cooperação mútua, pois poderiam ganhar 3 pontos. Como Karl Sigmund coloca, o Dilema do Prisioneiro não é, de fato, um dilema, pois trair é a única opção racional [Nota 2]. Então, como conseguir a cooperação? A resposta está na repetição do jogo, como foi demonstrado no concurso.

Neste torneio, cada programa competia com todos os outros programas (inclusive com ele mesmo) e os pontos eram acumulativos. Cada jogo consistia em 200 jogadas. Como é possível ganhar 5 pontos em cada jogada, teoricamente a pontuação final varia de 0 a 1.000. Por exemplo: quando uma estratégia "Sempre Cooperar" joga contra uma estratégia "Sempre Trair", quem cooperar soma 0 pontos e quem trai soma 1.000 pontos. Uma pontuação razoável é ganhar 3 em todas as 200 interações quando ambos cooperam toda vez, somando 600 pontos.

Importante mencionar que não há uma estratégia certa pois depende contra qual adversário você está jogando. Nenhuma estratégia é melhor independente da estratégia do outro. Por exemplo, se jogar contra um programa que sempre colabora, a sua melhor estratégia é trair sempre pois consegue 5 pontos a todo momento. O problema é que nem sempre você sabe contra quem está jogando; não é porque seu oponente cooperou 2 vezes é que ele irá cooperar as 200 jogadas. O inverso também é verdade; se você encontrar um jogador que sempre trai, então melhor trair pois ao menos você consegue 1 ponto no lugar de zero.

Jogar contra um jogador que sempre colabora ou sempre trai é muito simples. Mas na prática o seu oponente reage conforme a sua jogada e conforme as crenças que ele tem sobre você. Além disso, o concurso não esperava encontrar a estratégia mais bondosa, mais ética. O que ele esperava era descobrir qual a estratégia que somaria pontos, considerando que os jogadores não podiam se comunicar e que levavam em conta, a cada momento, as decisões do passado como aprendizado.

Neste primeiro concurso, quatorze estratégias foram inscritas. Axelrod acrescentou mais um jogador com uma estratégia "Aleatória" (50% entre cooperar e trair). A estratégia inscrita mais longa teve 77 linhas de código de programa, e esta foi obteve a pior resultado de 282,2 pontos em média. A estratégia aleatória foi um pouco pior, com 276,3 pontos.

OLHO POR OLHO

A estratégia com maior pontuação foi também a estratégia mais simples. Enviada por Anatol Rapopor, foi chamada de OLHO POR OLHO (em inglês, TIT FOR TAT). Ela tinha 4 linhas de código e pode ser explica numa sentença: coopere na primeira jogada, depois faça o que o outro jogador fez na jogada passada. OLHO POR OLHO fez em média 504,5 pontos. Contra estratégias específicas a pontuação variou do menor score de 225 pontos até o máximo de 600 pontos. [NOTA 3]

William Poundstone explica bem o sucesso desta estratégia. [NOTA 4]

Por que a estratégia OLHO POR OLHO é tão efetiva?

Primeiro, ela é uma estratégia gentil pois nunca é a primeira a trair. Ela começa colaborando e dá ao oponente o benefício da dúvida. Se a outra estratégia retornar o favor e continuar assim, OLHO POR OLHO nunca trai. Ela não arranja encrenca e fica contente se assim continuar. Quando OLHO POR OLHO joga contra si mesmo, ambos começam cooperando e nunca provocam o outro.

Para se ter noção, os oito primeiros classificados tinham uma estratégia gentil, ou seja, nunca ser o primeiro a trair. Os outros não eram. As estratégias gentis pontuaram entre 472 e 504 pontos. A estratégia não-gentil melhor classificada obteve 401 pontos. Assim, não ser o primeiro a trair era uma propriedade que separava as estratégias mais bem-sucedidas das menos bem-sucedidas.

Segundo, OLHO POR OLHO também é provocativa. Ela trai em resposta a uma traição. Depois da segunda rodada, ela responde a provocação do outro na mesma moeda. Se a outra estratégia trai na jogada 5, então OLHO POR OLHO trai na rodada 6.

Terceiro, outro grande predicado de OLHO POR OLHO é o perdão. Ela não é draconiana a ponto de uma simples transgressão levar a traição perpétua. Ela sempre está disposto a cooperar a medida que o oponente queira cooperar. Se a outra estratégia cooperar, então OLHO POR OLHO volta a cooperar para sempre.

Quarto, além de ser gentil, provocativa e disposta ao perdão, OLHO POR OLHO é uma estratégia simples. Ela ameaça "faça ao outro o que eles fizerem com você". A ameaça faz parte do seu comportamento estratégico, e OLHO POR OLHO cumpre a promessa ao repetir a ação mais recente do oponente na esperança que a outra estratégia perceba isso. Interessante é que OLHO POR OLHO pune a traição do adversário de imediato, na próxima jogada. Essa estratégia é melhor que outras, do tipo "contar até 10 antes de ficar zangado" (ou seja, deixar um certo número de traições antes de retaliar).

Quinto, outra qualidade importante do OLHO POR OLHO é que sua estratégia não é segredo. Alguém jogando OLHO POR OLHO não precisa ter medo que o oponente descubra sua estratégia. Pelo contrário, é bom que o oponente saiba disso. Quando se joga contra OLHO POR OLHO, ninguém pode se sair melhor do que cooperar. Isso faz dela uma estratégia muito estável.

O primeiro concurso de Axelrod não foi tão conclusivo porque a pontuação de uma estratégia depende da combinação com outras estratégias. Como foram inscritos apenas 14 programas, seria provável que não representassem todas as estratégias possíveis no mundo. Por isso Axelrod promoveu um segundo concurso e informou o resultado do primeiro e do sucesso do OLHO POR OLHO. Estava implícito que agora o desafio era vencer OLHO POR OLHO. No total, foram inscritos 62 programas de 6 países. Apesar da forte concorrência, OLHO POR OLHO venceu novamente.

O mais interessante é que OLHO POR OLHO ganhou sem explorar nenhuma outra estratégia. Ainda, OLHO POR OLHO não venceu ninguém em particular, mas mesmo assim ganhou o concurso. As estratégias foram chamadas para competir, e não colaborar. Ou seja, o objetivo era somar mais pontos, mesmo se precisasse trair. Não havia julgamento moral, trair fazia parte legítima do jogo. E o intrigante é que a estratégia vencedora, o OLHO POR OLHO, prega a colaboração; quem mais colaborou ganhou mais pontos somando todos os jogos.

O próprio Axelrod no seu livro conclui: "OLHO POR OLHO venceu o torneio porque ele foi bom nas suas interações com uma grande variedade de outras estratégias. Em média, foi melhor do que qualquer outra regra contra as outras estratégias no torneio. No entanto, OLHO POR OLHO não pontuou melhor em nenhum jogo comparado com seu o adversário! Na verdade, ele não pode. Ele deixa o outro jogador trair primeiro, depois nunca escolhe trair mais vezes que os outros jogadores traiam. Portanto, OLHO POR OLHO atinge sempre a mesma pontuação que o outro jogador, ou pouco menos. OLHO POR OLHO venceu o concurso não por ganhar dos outros jogadores, mas sim forçando o comportamento do outro jogador e deixando-o fazer o bem. OLHO POR OLHO foi tão consistente em proporcionar resultados mutuamente gratificantes que alcançou maior pontuação geral do que qualquer outra estratégia".

Uso da OLHO POR OLHO na vida real

Em resumo, a estratégia OLHO POR OLHO educa o oponente para a cooperação. Na vida real, se você trair, na próxima rodada seu oponente irá te trair e criar uma situação indesejável. Por isso, você tem incentivos para colaborar e dar o exemplo para que nas próximas interações vocês consigam uma situação de ganha-ganha. Mas se você cooperar para dar o exemplo e ele trair para se aproveitar da situação? Daí você retribui com uma retaliação na sequência. Se ele colaborar, você perdoa e volta a colaborar.

Mas será que a simples repetição da interações e convivência leva a cooperação? Karl Sigmund defende que se o número de interações é conhecido com antecedência por ambos jogadores, não haverá cooperação. A última rodada da série é o simples Dilema do Prisoneiro de uma jogada só e o resultado já é conhecido: a traição, pois não haverá próxima oportunidade para sofrer a retaliação. Nesta última interação, trair não traz consequência de retaliação e não afetará as próximas rodadas (que não existirão). Uma vez que passado é passado, nem a gratidão nem a vingança terão efeito e assim não há motivos para desviar a estratégia de maximizar o ganho ao trair.

Uma vez a última interação já está definida (trair), o que acontecerá na penúltima jogada? A mesma coisa (trair), pois não há incentivo para colaborar se você sabe que o adversário vai trair pelo mesmo raciocínio - a penúltima jogada tem as mesmas características da última jogada. Retroagindo o raciocínio para todas as jogadas, descobre-se que não haverá colaboração em nenhum ponto se ambos pensarem racionalmente. E se você não pensar assim, e seu adversário sim, ele usará sempre a traição e, sabendo disso, colaborar dará ganhos bem menores.

E aí? Nunca existirá cooperação?

Em um jogo repetido, é a expectativa de futuros encontros que faz a cooperação ser mais atraente. O fim das interações não deve ser conhecido com antecedência, deve sempre existir alguma probabilidade de uma próxima jogada. Este é o significado da expressão "O mundo dá voltas" e o poder educativo de deixar claro a sua estratégia OLHO POR OLHO: "Você coça as minhas costas e eu coço as suas, mas se você trair, saiba que o mundo dá voltas, voltaremos a nos encontrar e revidarei com traição. Então é melhor para todos colaborar desde já, como eu estou fazendo desde o início - sempre colaboro, eu perdoo, mas não sou idiota".
 
[NOTA 1] A Evolução da Cooperação, de Robert Axelrod, 2010, Leopardo Editora (original em inglês de 1984)

[NOTA 2] Games of Life, Karl Sigmund, 1993, Penguin Books

[NOTA 3] Se você quer fazer simulações de computador para ver por si mesmo, a IOWA State University possui um ótimo software com essas estratégias. O link é http://www.econ.iastate.edu/tesfatsi/demos/axelrod/axelrodT.htm. Com o software você pode escolher quais estratégias jogarão entre si, quais os resultados, quantas rodadas e verificar os vencedores em formato de tabela e gráfico.

[NOTA 4] Livro Prisoner´s Dilemma, de William Poudstone, 1992, Anchor Books



Não há razão para dar gorjeta em restaurante
 
[OBS: para melhor aproveitar este artigo, sugiro primeiro ler o O que é o Dilema dos Prisioneiros como introdução e demais na sequência]

Você leu nos artigos anteriores que a cooperação no mundo da Teoria dos Jogos ocorre quando há interações repetidas e particularmente não se sabe quando será a última vez. Numa situação estilo Dilema dos Prisioneiros de apenas uma jogada, a melhor estratégia racional é trair, uma vez que não há uma nova chance para o outro revidar. Escrevi a palavra "razão" no título no sentido de racional, mas evidentemente há outros "motivos" para cooperar.

Vamos usar o exemplo de um restaurante onde a gorjeta é opcional. Não se trata de um Dilema dos Prisioneiros típico onde "o melhor racional individual é o pior coletivo", mas a analogia com situações repetidas versus interação única se encaixa bem neste Dilema da Gorgeta. Há tempos que os economistas se perguntam: porque as pessoas dão gorjetas?. Existem duas explicações - uma emocional e uma racional. A emocional refere-se ao sentimento de que o garçon recebe salário fixo muito baixo e depende de gorjetas para complementar a renda, e assim há uma atitude altruísta de agradecimento e colaboração. A explicação racional desta "generosidade" está exatamente no auto-interesse do cliente nas interações repetidas - frequentadores assíduos dão gorjetas mais polpudas justamente porque os garçons, na próxima vez, irão atender cada vez melhor.

Se dar gorjeta para receber um melhor serviço na próxima vez é um raciocínio válido, imagine o inverso. Se você não der gorjeta, alguns garçons ficam chateados e outros ficam revoltados e vingativos. É preciso tomar cuidado com algumas reações. Por isso, suponha que você é um frequentador assíduo de um restaurante e nunca dá gorjeta. Provavelmente o garçon lembrará de você na próxima vez. Essa é uma situação de interação repetida com demonstração de traição, então cuidado com os garçons vingativos e seu amigo cozinheiro...

Entretanto, você está viajando, sabe que nunca vai voltar naquele restaurante, então por qual razão daria gorjeta? Ainda, porque dar mais dinheiro ao taxista ou camareira? Do ponto de vista racional econômico no mundo do auto-interesse, não há razão para cooperar (gastar mais), especialmente se o valor é alto.

A prática da gorjeta contraria os pressupostos da economia clássica, afinal a gorjeta é uma despesa que os consumidores são livres para evitar e o pagamento é realizado após o serviço feito sem vínculo para melhorar a qualidade. Mesmo assim percebe-se que as pessoas deixam gorjetas, mesmo quando nunca mais retornarão, ou são fregueses raros cuja probabilidade de reencontrar o mesmo trabalhador novamente é mínima. Acadêmicos recorrem para as normas sociais, e não econômicas, como a única explicação para este fenômeno, uma vez que já virou uma prática quase universal nos estabelecimentos.
 



Free-riders e Tragédia dos Comuns
 
Além do Dilema dos Prisioneiros, outra poderosa estória-modelo com características similares é a Tragédia dos Comuns. Len Fisher, no livro Rock, Paper, Scissors - Game Thoery in Everyday Life explica a origem deste nome. O termo Tragedy of the Commons (commons no sentido de "público") foi cunhado pelo ecologista e teórico dos jogos Garrett Hardin numa publicação em 1968. Hardin ilustra o problema usando a parábola de um grupo de pastores que tinham seus animais numa terra pública. Cada pastor pensava em adicionar um animal ao seu rebanho com o seguinte raciocínio: um animal extra proporcionaria um bom lucro adicional, e no geral a pastagem diminuiria somente um pouquinho, então parece perfeitamente lógico ao pastores colocarem um animal extra. A tragédia ocorre quando todos os outros pensam na mesma maneira. Quando todos adicionam um animal, a terra se torna superpopulada e em breve não há nenhum pasto mais sobrando [1].

Como Fisher brinca, a Teoria dos Jogos explica porque colherinhas gradualmente desaparecem das áreas comuns de escritórios. Tecnicamente falando, os usuários de colheres tomam decisões considerando que a utilidade deles (ou seja, os seus próprios benefícios) cresce bastante ao pegar uma colher para uso pessoal enquando a utilidade de todos os demais colegas diminui uma pequeninha fração per capita (afinal, há uma monte de colheres). Mas a medida que todos tomam a mesma decisão, todas as colheres comuns desaparecem!

Basta fazer a analogia das colheres para qualquer outro recurso e ver que sérios problemas globais tem como origem o mesmo ciclo vicioso desta lógica de pensamento. O benefício individual causa grande custo para a comunidade envolvida. A tragédia dos comuns exerce seu poder destrutivo quando alguns colaboraram por benefício mútuo mas outros percebem que poderiam se sair melhor ao quebrar a cooperação.

Se eu jogar papel no chão, meu pedacinho não fará sujeira alguma, mas se todos jogaram, as ruas ficam atoladas de lixo. Essa é a essência do free rider (em português poderiamos dizer de caronista). O free rider se beneficia ao não colaborar, sempre está pegando carona nas costas dos outros que colaboram. Em um modelo de condomínio, onde a água do prédio é dividida de forma igual a todos os apartamentos, se eu gastar um pouco mais não pagarei pelo meu consumo pois será rateada por todos os 40 condôminos. É por isso que a tendência dos edifícios mais modernos é possuir medidor individual para cobrar o consumo exato de cada unidade.

Mais exemplos: dividindo a conta de um restaurante

Um caso típico de divisão de recursos comuns ocorre no pagamento de uma conta de restaurante. Em um sistema a la carte, onde cada convidado escolhe seu prato, um método tradicional de divisão é repartir a conta em partes iguais, independente da quantidade consumida. Sabemos cada prato tem um preço diferente - há pratos caros e baratos. Além disso, alguns pedem entrada e outros não, alguns comem somente salada, há os que pedem sobremesa. Bebedores pedem vinho e outros apenas suco. E assim vai - na hora de dividir alguém vai pagar mais ou menos se comparado com o valor exato ingerido. Os defensores argumentam que separar os valores individuais dá muito trabalho (anotações em papel, calculadora, gorgeta proporcional), além de ser indelicado e, afinal, um produto compensa o outro.

Mas o problema não reside no método de divisão em si. A analogia com a Tragédia dos Comuns é a seguinte. Cada convidado pode pensar da seguinte maneira - eu vejo que todo mundo está pensando em pedir a carne por $20 cada, mas há o camarão por $40. Como somos em 10 pessoas, se eu pedir camarão, pagarei uma fração adicional pequena pois os meus $40 serão diluídos em dez. Ainda, se eu ficar na carne e outros pedirem um prato mais caro, eu é que estarei pagado a mais sem usufruir. Entretanto, todos tem o mesmo racional e quando se percebe todos pediram camarão para pegar carona e o desastre é grande - a conta fica muito mais cara do que gostariam (ou do que seria se estivessem sozinhos ou se o sistema fosse outro). Sabendo deste comportamento humano, se você fosse um dono de restaurante, qual modelo de cobrança adotaria - uma conta única por mesa ou sistema de comandas individuais?

Mas um dos fenômenos mais nocivos onde vemos o problema do Dilema dos Prisioneiros, Tragédia dos Comuns e Free rider é a discussão sobre aquecimento global, onde os jogadores são os governos dos países. Este é um exemplo típico onde o auto-interesse individual causa problemas para todos os habitantes. Investir contra o aquecimento global é muito caro para os países, são necessárias mudanças de políticas de emissão de gases, sistemas de controles, despesas em métodos alternativos de energia, etc. Se eu gastar uma fortuna e os outros países não, minhas ações isoladas não farão a menor diferença na natureza. Por outro lado, se os outros países o fizerem e eu não, vou me beneficiar de um melhor clima mundial as custas dos demais sem gastar um centavo. O próximo artigo discorre isso melhor (Jogando com o Planeta - Teoria dos Jogos e Aquecimento Global).

Insights para resolver o dilema

Poderíamos evitar situações da Tragédia dos Comuns se todos mudassem de comportamento e tornassem mais altruístas. Mas a vida é assim, alguns comportamentos humanos são frutos dos incentivos existentes. A Teoria dos Jogos não faz julgamento moral, ela simplesmente aceita o fato que o auto-interesse é uma motivação das pessoas na hora de fazer decisões. O papel da Teoria é ajudar, através de modelos e analogias, as pessoas a reconhecerem esta armadilha e ter alguns insights para sair dela.

Uma saída já mencionada é usar a gestão de uma autoridade central (ver artigo Colaboração via Autoridade Central: exemplo da Lei Cidade Limpa) para punir seriamente aqueles que desviam do combinado, mudando os incentivos do jogo. Outra forma é adotando a estratégia Olho por Olho (ver artigo Cooperação via estratégia OLHO por OLHO) ao punir o adversário quando este o trair, mantendo sempre a colaboração como guia mestre de conduta. Entretanto, esta última estratégia é funcional apenas quando você está interagindo com um jogador de cada vez, o que não é o caso quando se joga contra múltiplas pessoas, como na Tragédia dos Comuns e outros Dilemas Sociais. Nestes casos é necessário um formato de medição individual.

Como vimos, uma medição individual é ter um aparelho de consumo de água por apartamento ou ter uma comanda de consumo particular no restaurante. Em outros casos, é ter câmeras de vigilância em todos os lugares para apontar os infratores de jogar papel no chão e roubarem colheres do escritório. Não é fácil, conhecemos muitos free riders no escritório ou na faculdade que se beneficiam do trabalho coletivo e não fazem muita contribuição relevante (sim, dá raiva). Aqui a palavra chave é accountability, do inglês que poderíamos chamar de responsabilização, ao conseguir diferenciar e medir os esforços e ações individuais. Caso contrário, a Tragédia dos Comuns será o reino dos Free Riders.
 
[1] Rock, Paper, Scissors - Game Thoery in Everyday Life, Len Fisher, 2008, Basic Books



Aquecimento Global e Teoria dos Jogos
Uma versão do dilema do prisioneiro pode sugerir formas de romper o impasse de Quioto
 
Baseado no artigo "Playing games with the planet", The Economits, 27/09/2007 - original nos Links

Como em qualquer encontro sobre alterações climáticas, sempre existem políticos que declaram que é "urgente" ou "vital" ou "imperativo" proteger o planeta do superaquecimento. E mesmo assim poucos governos estam dispostos a resolver o problema por si mesmos. Na prática, o que esses apaixonados oradores geralmente querem dizer é que é urgente (vital, imperativo) para todos os outros países, exceto para seus próprios.

Isso é natural. Afinal, todos os países desfrutarão dos benefícios de um clima estável se eles ajudaram a realizá-lo ou não. Então, um governo que possa persuadir os outros a cortar suas emissões de gases de efeito estufa sem fazê-lo obtém o melhor dos dois mundos: evita toda a despesas envolvidas e ainda escapa da catástrofe.

Os mais óbvios "free-riders" são os Estados Unidos e Austrália, os únicos países ricos que se recusam a colocar um limite para suas emissões. Mas eles estão longe de serem os únicos agressores: a maioria dos países pobres também estão interessados em responsabilizar os países ricos em conter o aquecimento global para continuar a poluir.

Onde entra a Teoria dos Jogos

O problema, claro, é que se todos contarem que os outros vão agir, entãoninguém vai atuar e as conseqüências podem ser muito piores do que se todos fizessem a sua parte só um pouquinho para começar. Os especialistas em Teoria dos Jogos chamam esse cenário de uma versão simplificada do "Dilema do Prisioneiro". Nele, dois presos acusados do mesmo crime se encontram em celas separadas, incapazes de se comunicar. Seus carcereiros tentam convencê-los a delatar um ao outro. Se nenhum deles acusar ao outro, ambos receberão uma sentença de apenas um ano. Se um aceitar o acordo e o outro ficar calado, o traidor fica livre enquanto o bode expiatório pega dez anos de cadeia. E se ambos denunciarem um ao outro, ambos ficam presos cinco anos.

Se o primeiro prisioneiro está planejando ficar quieto, o segundo tem um incentivo para denunciá-lo, e assim sai impune ao invés de passar um ano na prisão. Se o primeiro prisioneiro está planejando trair o segundo, então o segundo vai levar a melhor se trair também, e assim receber uma sentença de cinco anos em vez de dez anos. Em outras palavras, uma pessoa racional, com auto-interesse, sempre vai trair o seu companheiro de prisão. Assim, os dois ficam cinco anos na cadeia enquanto poderiam ter cortado sua pena para um ano caso ambos ficassem calado.

Almas pessimistas assumem que a resposta internacional à mudança climática terá o mesmo rumo que o dilema do prisioneiro. Líderes racionais vão sempre negligenciar o problema, alegando que os outros vão resolvê-lo, deixando seu país se tornar um free-rider. Assim, o mundo está condenado a ser um forno, apesar do aquecimento global poder ser evitado se todos cooperassem.

No entanto, em um artigo recente, Michael Liebreich, da empresa de pesquisa New Energy Finance, baseia-se na Teoria dos Jogos para chegar à conclusão contrária. A dinâmica do dilema do prisioneiro, ele aponta, muda drasticamente quando os participantes sabem que jogarão o jogo mais de uma vez. Nesse caso, eles têm um incentivo para cooperar a fim de evitar ser punido por sua má conduta de seu oponente em rodadas subseqüentes.

O jornal cita um estudo sobre o assunto por um acadêmico americano, Robert Axelrod, que argumenta que a estratégia mais bem sucedida quando o jogo é repetido tem três elementos: primeiro, os jogadores devem começar cooperando; em segundo lugar, eles devem deter a traição ao punir o transgressor na próxima rodada; e terceiro, eles não devem guardar rancores, mas sim iniciar novamente com cooperação após a punição adequada. O resultado desta estratégia deve ser a cooperação sustentável ao invés de um ciclo de retaliações.

Liebreich acredita que tudo isso traz lições para os negociadores do clima mundial. Tratados sobre a mudança climática, afinal, não jogos de uma jogada só. Na verdade, as Nações Unidas está agora mesmo incentivando seus membros para negociar um sucessor para o seu tratado em vigor, o Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. Muitos temem que o esforço entrará em colapso a menos que os retardatários sejam persuadidos a aderir. Mas o artigo argumenta que os países racionais não serão intimidados por "free-riders". Eles continuarão a reduzir suas emissões, enquanto elaboram sanções para aqueles que não o fazem.

Resolvendo Quioto

O Protocolo de Quioto já incorpora alguns desses elementos. Os países que não cumprirem os seus compromissos, por exemplo, deveriam ser punidos com a obrigação de reduzir suas emissões de forma mais acentuada na próxima vez. Mas Liebreich argumenta que também deve haver sanções para os países ricos que se recusam a participar, e incentivos para os países pobres para juntar-se (que são isentas de quaisquer cortes obrigatórios). Ao invés de tentar elaborar um acordo que é agradável a todos, os países mais entusiasmados devem simplesmente avançar com um sistema para que os resistentes possam aderir mais tarde.

O regime global sobre mudança climática, Liebreich acredita, também deverá se revisto com mais freqüência para permitir que o jogo se desenvolva mais rapidamente. Então, ao invés de estipular grandes reduções de emissões, a ser implementado ao longo de cinco anos, em Quioto, os negociadores poderiam considerar a adoção de metas anuais. Dessa forma, os governos cooperativos sabem que não podem ser aproveitados por muito tempo, enquanto que free-riders podem ser punidos e de volta ao rebanho mais rapidamente.

Há falhas na analogia, é claro. No mundo real, os governos podem se comunicar e formar alianças, o que torna a dinâmica do jogo muito mais complicado. E os governos podem não agir de forma coerente e racional. Algumas pessoas assumem que a política dos EUA sobre o aquecimento global vai mudar em 2008 (o texto foi escrito em 2007), juntamente com o seu presidente. E a vontade da maioria dos países em agir é presumivelmente ligada à gravidade dos efeitos do aquecimento global. Se as coisas ficam ruins o suficiente, então com alguma sorte todo mundo vai jogar o jogo.
 
Baseado no artigo "Playing games with the planet", The Economits, 27/09/2007 - original nos Links



Rinocerontes e Free-riders
 
Os rinocerontes pretos são uma das espécies mais ameaçadas em extinção no planeta. Menos de 2.500 vivem no sul da África - dos 65.000 existentes em 1970. Esse é um desastre ecológico, mas também é uma situação onde conceitos básicos de economia explicam porque certas espécies estão em perigo e o que podemos fazer a respeito.

Por que as pessoas matam os rinocerontes pretos? Pela mesma razão que as pessoas vendem drogas ou trapaceiam nos impostos - elas podem ganhar muito dinheiro em relação ao risco de serem pegas. Nos países asiáticos, o chifre do rinoceronte preto é considerado um afrodizíaco poderoso e um remédio para abaixar a febre.

Como resultado, um único chifre de rinoceronte atinge US$ 30.000 no mercado negro, um valor enorme para países onde a renda per capita é aproximadamente US$ 1.000 por ano. Em outras palavras, o rinoceronte preto é bem mais valioso morto do que vivo para a população pobre no sul da África.

Infelizmente, este é um tipo de mercado que não se regula por si próprio. Diferente de automóveis ou computadores, as empresas não produzem novos rinocerontes pretos as medida que a fonte de suprimento diminiu. Na verdade, ocorre o oposto, a medida que o rinoceronte preto fica mais raro, o preço do chifre no mercado cresce ainda mais, dando mais incentivo ainda para os bandidos caçarem os rinocerontes restantes.

O círculo vicioso é composto por outro aspecto é comum em muitos desafios ambientais. A maioria dos rinocerontes pretos são de propriedade pública, não ficam em propriedades privadas. Isso cria mais problemas de conservação. Imagine se todos os rinocerontes estivessem na mão de um fazendeiro avarento que não tivesse nenhum escúpulo em matar rinocerontes para transformá-los em pó afrodizíaco. Esse fazendeiro não tem nenhuma paixão pelo meio ambiente. Ele é tão maldoso e egoísta que as vezes chuta no cachorro apenas por prazer. Você acha que esse fazendeiro inescrupoloso teria deixado o seu rebanho de rinocerontes cair de 65.000 para 2.500? Nunca. Ele teria criado e protegido esses animais de forma a possuir um estoque sempre para suprir o mercado. Isso não tem nada a ver com autruísmo, tem a ver com maximizar o valor dos recursos escassos.

Recursos comuns, por outro lado, apresentam seus problemas. Primeiro, a população dos vilarejos que moram perto dos rinocerontes não possuem benefício algum em tê-los por perto. Ao contrário, animais enormes como rinocerontes e elefantes podem causar distruição massiva nas plantações. Ao se colocar na posição destes moradores, imagine que a população da África de repente ficou muito preocupada em preservar ratos marrons e que a forma de proteger é deixá-los viver na sua casa. Daí imagine que um fazendeiro te oferece muito dinheiro se você mostrar onde eles estão no seu porão. Humm. É verdade que milhões de pessoas se beneficiam em conservar rinocerontes pretos e gorilas das montanhas, mas isso pode ser parte do problema - é fácil ser um free-rider e deixar outras pessoas (ou organização) fazer o serviço. No último ano, quanto tempo e dinheiro você contribuiu para preservar espécies ameaçadas em extinção?

Operadores de safari, que ganham dinheiro ao trazer turistas ricos para ver a vida selvagem, encontram problema similar de free-rider. Se uma das empresas de safari investe bastante na conservação, a outra empresa que não fez investimentos ainda se beneficia pelos rinocerontes que foram salvos. Então a operadora que gastou dinheiro na conservação sofre desvantagem no mercado, pois ela precisa ser mais cara (ou ganhar menos margem) para recuperar o investimento na conservação. O único que leva vantagem é o caçador de rinocerontes, que os mata e vende seus chifres.

Isso é bastante deprimente. Mas a Economia pode oferecer ao menos alguns insights sobre como os rinocerontes pretos e outras espécies podem ser salvas. Uma estratégia de conservação eficiente poderia ser alinhar corretamente os incentivos das pessoas que moram perto do habitat natural dos rinocerontes. Explicando: forneça as pessoas locais alguma razão para elas quererem os animais vivos no lugar de mortos. Essa é a premissa na indústria nascente de eco-turismo. Se turistas ficarem dispostos a pagar bastante dinheiro para estacionar e fotografar os rinocerontes e, mais importante, se a população local de alguma forma se beneficiar de um lucro dividido deste turismo, dai ela terá grande incentivo para mantê-los vivos. Isso funcionou em locais como Costa Rica, um país que protegeu suas florestas ao estabelecer mais de 25% do país como um parque nacional. O turismo gera US$ 1 bilhão em receita anual, representando 11% do PIB.

 
[1] Naked Economics, de Charles Wheelan, 2002, W.W.Norton, página 23



Dilemas Sociais
 
Em certo sentido, todos os dilemas abaixo são o mesmo dilema. A cooperação produziria melhor resultado a todos, mas a solução cooperativa não é um equilíbrio de Nash e há pelo menos um equilíbrio de Nash não cooperativo apenas esperando para nos atrair para a armadilha.

O Dilema dos Prisioneiros é apenas um dos muitos dilemas sociais que nos deparamos nas tentativas de cooperar. Sete destes dilemas são particularmente prejudiciais, e "teóricos dos jogos" têm dado um nome diferente bem evocativo para cada um.

Além do Dilema dos Prisioneiros, os outros seis são os seguintes:

- A Tragédia dos Comuns, que é logicamente equivalente a uma série de Dilemas do Prisioneiros jogados entre várias pessoas em um grupo.

- O Free Rider (uma variante da Tragédia dos Comuns), que surge quando as pessoas se beneficiam de um recurso da comunidade sem contribuir para isso.

- O Covarde [Chicken] (também conhecido como Brinkmanship), em que cada um tenta empurrar um ao outro perto do limite, e cada um espera que o outro vai desistir primeiro. Ele pode surgir em diversas situações, desde alguém que tenta empurrar o outro numa linha de tráfego até os confrontos entre nações que poderiam levar à guerra.

- O Dilema do Voluntário, em que alguém deve fazer um sacrifício em nome do grupo, mas se ninguém o fizer, então todo mundo sai perdendo. Cada pessoa espera que alguém vá ser o único a fazer o sacrifício, o que poderia ser tão trivial como fazer um esforço para colocar o lixo para fora ou dramático como sacrificar sua vida para salvar outros.

- A Batalha dos Sexos, em que duas pessoas têm preferências diferentes, como um marido que quer ir ao futebol enquanto a mulher prefere ir ao cinema. O dilema é ou compartilhar a companhia do outro ou seguir a própria preferência sozinho.

- A Caça ao Veado (Stag Hunt), em que a cooperação entre os membros de um grupo daria uma boa chance de sucesso em um empreendimento arriscado de alto retorno, mas um indivíduo pode ganhar uma recompensa garantida, mas inferior, se romper a cooperação e ir sozinho.


 
Esta é uma tradução livre da página 55 do livro Rock, Paper, Scissors - Game Theory in Everyday Life, de Len Fisher.



Recapitulação
 

 



Conclusões
 
(texto em elaboração, aguarde...)
 



Tudo isso parece intuitivo, então por que a Teoria dos Jogos?
 
A Teoria dos Jogos sugere algumas técnicas para lidar com cenários complexos, mapeando jogadores, estratégias, resultados, incentivos e avaliando a seqüência de ações-reações antes de tomar uma decisão. Alguns poderiam dizer que tudo isso é muito intuitivo e não é preciso da Teoria dos Jogos ou qualquer outra ferramenta. Indivíduos, empresas, governos e exércitos já pensam por antecipação há séculos.

Isso pode ser verdade, mas é incompleto. Perder peso é intuitivo, basta controlar a alimentação e fazer exercício. Ser intuitivo não significa ser fácil. Se tudo se baseasse na intuição de antecipar movimentos, não existiram tantos tropeços estratégicos de empresas e pessoas.

A função de qualquer modelo de decisão é organizar o raciocínio e facilitar a comunicação. Existem várias pessoas com raciocínio muito bem organizado a ponto de conseguir mapear mentalmente todas as possibilidades, perfil dos demais jogadores, ações e reações, sem necessidade de técnicas, artifícios e analogias. Entretanto, como essa habilidade é muito individual, dificilmente essa pessoa consegue explicar os motivos da decisão e todo cenários de forma didática para compartilhar com os pares. A Teoria dos Jogos oferece um modelo para essa comunicação.

Como analogia, imagine qualquer outro modelo de economia e estratégia. As cinco forças de Porter, por exemplo, além de organizar o raciocínio nos cenários competitivos, ajuda um grupo de pessoas a focar em partes, encapsulando todo o contexto em cinco características (Novos Entrantes, Fornecedores, Clientes, Produtos Substitutos e Rivalidade dos Concorrentes). Uma pessoa com raciocínio estruturado poderia imaginar todo o cenário de forma intuitiva, mas dificilmente poderia se comunicar tão efetivamente se não existisse esse modelo de abordagem.

 



Porque escrevo sobre o pensamento humano
 
Desde a época da faculdade de Engenharia na Poli-USP sou fascinado pelo tópico Inteligência. Comecei a ler tudo sobre o tema até que um dia escrevi um livro reunindo vários insights para leigos [1]. Eu queria entender porque existem pessoas mais inteligentes que outras. Não foi uma tese de doutorado, não consegui responder exatamente. Mas foi gostoso perguntar, aprender e relatar. Abandonei momentaneamente o tema e fui trabalhar com educação em Ciência e Tecnologia. Meu foco terminou no Pensamento Estratégico para executivos de empresas e estudantes de administração e economia.

A trajetória foi a seguinte. Tenho um gosto particular por Educação [2]. Além do meu primeiro ensaio sobre inteligência, após a graduação em Engenharia abri minha própria empresa: uma fábrica e loja de brinquedos científicos para ensinar tecnologia para crianças, além de oferecer oficinas, cursos e publicações. Entretanto, dos três pilares Educação-Engenharia-Business, eu não entendia nada sobre como administrar uma empresa e o negócio não foi lucrativo, apesar de ter milhões de fãs nos aspectos educacionais e técnicos. Por isso resolvi fazer pós-graduação em administração na Fundação Getúlio Vargas e depois MBA (dois anos full time) nos Estados Unidos, na Carnegie Mellon University com ênfase em Estratégia.

Apareceu a Teoria dos Jogos e a Ciência do Pensamento Estratégico

Foi no MBA que me apaixonei por Teoria dos Jogos. Após fazer a disciplina, fui convidado para ser assistente de professor para outras turmas, basicamente corrigindo prova, fazendo setup dos jogos e como tutor para dúvidas. Isso me rendeu o prêmio Outstanding Teaching Assistant Award na formatura [3]. No trabalho de conclusão, escrevi o paper Game Theory for Managers: Some review, applications and limitations, que foi referenciado como a melhor publicação em estratégia da disciplina no ano [4]. E não parei mais.

Desde que conheci a Teoria dos Jogos tenho me empenhado bastante em estudar mais. O chamado "rato de biblioteca" hoje em dia se tornou o rato da Amazon e do Google. Comprei praticamente todos os livros que vi pela frente e naveguei muito na Internet em busca de mais conhecimento. Até usei minhas férias do trabalho para pegar um avião para os EUA e participar de um congresso internacional de Teoria dos Jogos na Kellogg School of Management - Northwestern University (leia o artigo "Meu encontro com John Nash")

Apesar de ser um fã incondicional, reconheço e admito que a Teoria dos Jogos - da forma que é ensinada na academia e nos congressos - é extremamente entediante e difícil ao leigo não-matemático. Até a versão ensinada nas escolas de Business possui um rigor ao conceitos originais de difícil aplicação real. Se formos olhar o lado acadêmico, é fascinante pela complexidade intelectual, mas é limitada. Minha opinião é que a Teoria dos Jogos é apenas um pedaço para um pensar estratégico mais amplo. Por isso minha proposta é unir (1) os modelos abstratos da Teoria dos Jogos sem usar modelagem matemática, (2) as estórias e analogias das interações humanas - os "jogos" e (3) os demais conceitos de teoria de decisão, economia clássica, economia comportamental, psicologia cognitiva, influência dos incentivos, entre outros. É preciso colocar tudo isso em um mesmo framework, como verá mais adiante.

No final, coincidência ou não, o estudo da Teoria dos Jogos e do Pensamento Estratégico me permitiu entrar em contato novamente com os pilares originais - a Educação pois escrevo os artigos para ensinar os leitores, o Business ao abordar sobre estratégia, competição, cooperação e movimentos, a Engenharia por ser um assunto que exige a lógica e racionalidade e a Inteligência pois estamos tratando sobre o raciocínio e o pensar. Eu gosto muito da frase abaixo:

                  Assim como os atletas têm o prazer de treinar seus corpos, também há imensa satisfação em treinar a mente para pensar de uma forma que é simultaneamente racional e criativa. Com todos os seus enigmas e paradoxos, a Teoria dos Jogos oferece um magnífico ginásio mental para essa finalidade. Espero que exercitar-se neste equipamento lhe traga o mesmo prazer que eu tive  - Ken Binmore, em Playing for Real

Imagino que muitos leitores também gostam de fazer o exercício mental neste ginásio chamado Pensamento Estratégico. Se você for como eu, vai gostar do tema devido a cinco fatores:

1. O gosto pela pesquisa e pelo pensar: a Teoria dos Jogos me desafia intelectualmente. Tenho o mesmo sentimento descrito acima por Ken Binmore. A teoria pode ficar difícil o tanto você quiser e sou fascinado em entender essa complexidade. Como a Teoria dos Jogos não é muito difundida, estudá-la requer um trabalho de pesquisa, procurando referências bibliográficas, indo às livrarias, buscando sites especializados, matérias na mídia, etc. Um dos meus desafios é decifrar o complexo e simplificar para os leigos, estudantes e executivos, tornando a leitura mais gostosa e prática.

2. O gosto por modelos e padrões: como bom engenheiro que sou, tudo na vida tem regras, modelos, causa e efeito. A Teoria dos Jogos usa a lógica para explicar o comportamento humano. Não necessariamente consegue explicar tudo, mas fornece ótimos insights e, depois de entendê-la, muitas situações fazem sentido. Um dos pontos mais fortes da Teoria dos Jogos é "explicar a lógica das situações". Através de alguns modelos e estórias, é possível perceber a lógica em várias interações humanas. Por "lógica" entende-se uma explicação coerente, refletida, baseada nos incentivos existentes.

3. O gosto pelo estratégico, pela competição e cooperação: a Teoria dos Jogos tem esse nome, "jogo", porque as interações estratégicas tem uma grande analogia com os jogos - dois ou mais jogadores, com auto-interesse, disputando algo com uma característica principal: o resultado da interação (ou do jogo) depende das decisões de ambos jogadores, e não de uma ação isolada. Pensando bem, a vida cotidiana e empresarial é recheada de situações estratégicas em você precisa se antecipar aos movimentos do seu "oponente" em busca de um resultado, seja na competição ou na cooperação.

4. O gosto pelos incentivos e princípios econômicos: um dos postulados em Economia é que as pessoas respondem a incentivos. Entendê-los e usá-los corretamente gera uma grande vantagem para modelar comportamentos. A Teoria dos Jogos parte do princípio que, dados os incentivos, as pessoas vão escolher suas ações. Aos conhecê-los poderemos mapear e antecipar as reações para então decidirmos o que fazer, enquanto isso o outro jogador está pensando o mesmo sobre nós. Esse raciocínio sem fim "eu penso que ele pensa que eu penso..." é desafiador e um dos segredos dos grandes estrategistas.

5. O gosto pelo cognitivo e comportamento humano: a racionalidade pura não explica todos os fenômenos sociais pois os indivíduos tomam decisões de forma emocional sem avaliar consistentemente todos as alternativas e resultados. Em outras ocasiões o ser humano escolhe algo pior para si. Mesmo assim, podemos explicar a lógica da irracionalidade. Unir a Teoria dos Jogos com a Teoria Comportamental potencializa o seu uso para saber antecipar os movimentos, conhecendo as particularidades do adversário. Isso também é absolutamente desafiador nesta jornada pelo saber.

Todos esses fatores unidos me ajudam a entender o mundo com outros olhos. Certamente, a Teoria dos Jogos traz muito mais perguntas do que respostas. Mas tal como a Filosofia, bom mesmo é questionar, é pensar, é refletir. E no meio de todos os insights, várias aplicações aparecem, como você verá aqui.
 
[1] Para ler este livro, você comprar online encadernado neste link https://www.agbook.com.br/book/26098--Inteligencia_em_Questao, ou fazer o download grátis neste link http://www.barrichelo.com.br/inteligencia/index.html.
[2] Meu pai é professor, minha mãe é professora, minha irmã mais velha é professora. Sou engenheiro-administrador. Minhas irmãs mais novas também são de áreas do conhecimento não-empresarial: fonoaudióloga e fisioterapeuta.
[3] Confira no link http://tepper.cmu.edu/news-multimedia/news/news-detail/index.aspx?nid=255
[4] Disponível no link http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/paper.asp



Onde eu uso Teoria dos Jogos na prática
Alguns insights para uma nova forma de pensar
 
A beleza da Teoria dos Jogos é que, mesmo originada da matemática, ela nos ajuda a ter um modelo mental para situações do cotidiano onde precisamos prever comportamentos alheios nos momentos de competição ou cooperação. A seguir alguns insights que eu sempre tenho em mente usando a Teoria dos Jogos como um framework.

Primeiro, a Teoria dos Jogos me permite buscar meus objetivos sem interpretar o meu auto-interesse ("egoísmo" para alguns) como uma atitude ruim e antiética. Não há necessidade de se sentir culpa. Da mesma forma, a teoria me permite enxergar como legítimo o auto-interesse do outro jogador, sem considerá-lo um inimigo moral. Mesmo existindo interesses individuais conflitantes, ainda é possível ter uma atitude colaborativa, onde cada um se aproxima ao máximo dos seus próprios objetivos.

Segundo, entender a "lógica da situação" me propicia ficar atento sobre como o desenho dos incentivos influencia comportamentos e como as pessoas reagem a eles. Saber o que o outro realmente quer (suas reais motivações) é um exercício que faço para prever as atitudes.

Terceiro, a Teoria dos Jogos me possibilita ser mais racional em determinadas situações, sem reagir com mágoa/raiva/espanto quando o outro age de forma diferente do que eu gostaria. Ao entender o desenho do jogo, eu consigo admitir que eu reagiria da mesma forma se estivesse no lugar dele.

Quarto, eu passo a ser mais prudente nas ações, não necessariamente lento, ao tomar as decisões antecipando a reação dos outros, ajustando a estratégia inicial por conta disso. Assim minimizam-se os erros bobos e os comentários do tipo "fui surpreendido". Você nunca será surpreendido se mentalmente se colocar na posição do outro, considerando as opções que ele tem e considerando que ele quer o melhor para ele.

Por último, interpreto que Teoria dos Jogos, assim como qualquer outra teoria, não é a solução para todos os problemas. Teoria dos Jogos é para a Economia o que a Física é para a Engenharia: fornece alguns fundamentos para que se una com outros conceitos e se torne prática. Teoria dos Jogos e Física apresentam os conceitos. Economia e Engenharia convertem na prática.

Em resumo, após estudar Teoria dos Jogos eu passei a entender que muitas situações da vida são semelhantes a um jogo, onde as pessoas têm objetivos diferentes, com auto-interesse. Também passei a admitir que, dados os incentivos que a pessoa tem, eu agiria de forma semelhantes no lugar dela. E por fim, que tudo isso é legítimo e mesmo assim conseguimos cooperar e conviver em sociedade.

Como exemplo, é muito importante saber reconhecer quando estamos presos num Dilema do Prisioneiro, pois este "modelo" gera insights para buscar cooperação e, se não for possível, tentar resenhar os payoffs do jogo para que o equilíbrio.

Assim, usando Teoria dos Jogos, eu compilaria as seguintes dicas

* Lembre-se que os resultados que você pretende não são isolados, mas frutos da interdependência das suas ações e do outro. Tudo o que fizer terá alguma reação e a combinação de ações é que define o resultado final para ambos.

* Coloque-se no lugar do outro antes de agir e imagine quais incentivos e opções ELE possui para agir. De forma racional e consistente, imagine o que você faria se você FOSSE ELE. Isso é diferente de "o que você faria NO LUGAR DELE".

* Se você tem uma estratégia dominante, aquela que você tem o melhor resultado independente das ações do outro, use-a. Isso significa que não precisa perder tempo avaliando todas as decisões pois isso não afeta o seu resultado.

* Preocupe-se com o SEU resultado como objetivo final. Ou seja, se você ganhar mais com certa combinação de ações, ótimo. Não fique preocupado se você, ao ganhar mais, permite que ele ganhe mais também. Ao conseguir o SEU máximo possível dada a situação, não compare os resultados dele pois a vida não é um jogo de soma-zero - ambos podem ganhar. Apenas considere o resultado DELE para prever a ação DELE.

* Considerando as premissas e desenho dos payoffs, aja racional e consistentemente para atingir os objetivos. Se sua estratégia é agir irracionalmente de propósito, então sua ação é racional. Se o seu oponente parece agir de forma irracional, então ele deve ter premissas, objetivos e matriz de payoffs diferentes - os quais você não conseguiu captar corretamente.

* Como mostram outras teorias comportamentais, desvios de racionalidade existem. Saber quais são os vieses cognitivos de uma decisão (exemplo: ancoragem ou dificuldade de lembrança) pode te ajudar na sua estratégia para prever corretamente quais premissas e utilidades seu oponente valoriza.

* Resultados sub-ótimos, ou equilíbrios ineficientes, existem e fazem parte dos jogos reais. Se você não ficar satisfeito com essas imperfeições conquistadas, você precisa mudar o desenho de incentivos. Caso contrário o equilíbrio será sempre o mesmo: o ineficiente ou sub-ótimo.

* Não precisa calcular todos os números de todos os resultados para tomar decisões. Use um sistema de ranking ou preferências (as utilidades de cada opção), mesmo que sejam as palavras "mais lucro" e "menos lucro" num padrão referencial.

* Exceto um turista que tem certeza que nunca voltará mais ao estabelecimento, é melhor cooperar. A vida está muito mais para um Dilema do Prisioneiro com infinitas repetições do que jogo de uma tacada só. Suas ações de "traição" serão captadas e devolvidas em formato de não-cooperação.
 



Meus dois encontros com John Nash
 
Encontro número 1 (2008)

Encontrei John Nash no Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society (Evanston, IL, EUA, 12/7 a 17/7/08). Para quem não sabe, Nash ganhou o Prêmio Nobel em 1994 pelos estudos em Teoria dos Jogos (onde existe o termo Equilibrio de Nash) e foi retratado como personagem de Russell Crowe no filme que ganhou o Oscar em 2002, Uma Mente Brilhante. Detalhes sobre o Prêmio Nobel está nesta página.



Nash tinha uma cara de bom velhinho. Em 2008 completava 80 anos: andava bem devagar, falava com pausa e muito baixinho. Se vestia com roupa um pouco amassada e aquela camisa branca por baixo da camisa social. Andava na maior parte solitário, vagando no meio do congresso. Não o vi conversando com as "novas autoridades", aqueles professores de 50 anos com ar arrogante que faziam as apresentações. Mas era o único "famoso" que entrou em TODAS as salas, sentou do lado de TODOS os participantes e as vezes puxava uma conversa discreta.

Quando andava ele encarava todas as pessoas diretamente no olho. Depois sentava sozinho em algum lugar e ficava escrevendo algo. Fiquei sabendo que ele ficava fazendo conta de matemática por recomendação do psiquiatra pois era uma forma de se manter ativo e longe da esquizofrenia que o atacou no passado, a qual foi retratada no filme. Nash fez uma pergunta numa apresentação de um brasileiro do INSPER. "Ganhei meu dia", reportou o brasileiro. No meio acadêmico Nash é igual a um artista.

A palestra do Nash foi com transparência e retroprojetor (veja foto abaixo) e não powerpoint e laptop. Ele pediu desculpas pelo improviso. Não entendi nada, não porque ele falou baixinho, mas porque a sua fluência incrível nas questões matemáticas estão além do meu alcance. O título da palestra de 45 min foi "Work on a Project to Study Three-Person Cooperative Games Using the Agencies Method".

Algumas pessoas se aproximavam de Nash para tirar dúvidas, as quais ele solicitamente respondia. Não sei o que conversavam - devia ser questões para achar algum equilíbrio para algum jogo matemático. Eu pensei em puxar conversa, mas não tinha idéia do que perguntar. Na verdade mesmo, eu queria saber o que ele achou do filme sobre ele. Obvio que não deveria ser uma pergunta original, mas seria interessante ouvir diretamente dele.

Os participantes do congresso ficavam alvoroçados ao encontrar os Prêmios-Nobel famosos (eram quatro). Via-os entregando papers em mãos; é similar a entregar currículo em mãos para conseguir uma entrevista. Mas Nash foi a única pessoa entre todos os famosos que o público queria tirar foto. Queriam tirar foto COM Nash, e não DE Nash. Tietagens a parte, eu também. E esta é a minha foto COM John Nash.





Encontro número 2 (2010)

Encontrei John Nash novamente em Julho/2010 no 2º Brazilian Workshop of The Game Theory Society, na USP, São Paulo. O evento teve como sub-título "in honor of John Nash, on the occasion of the 60th anniversary of Nash Equilibrium". Isso porque foi em 1950 quando Nash escreveu sua dissertação que revolucionou o meio acadêmico em Teoria dos Jogos ao criar o Equilíbrio de Nash. Como brincadeira, Robert Aumann (outro Prêmio-Nobel presente no evento) disse que chamaria o workshop de "Nash Fest".

Em 2010 estava com 82 anos, um pouco mais frágil, andar mais devagar, voz muita baixa e difícil de entender. De resto, ele continua o mesmo. Uma cara de bom velhinho e muito lúcido - inclusive deu mais uma palestra (daquelas que não consigo entender). Como no evento de 2008, passeou por todos os locais, entrava nas salas e auditórios, assistia prestando atenção, fazia algumas perguntas.



Um ponto interessante foi uma sessão chamada "Conversation with John Nash", onde a coordenadora do evento (Marilda Sotomayor) fazia perguntas. Neste momento percebe-se mais uma vez como Nash era muito, muito simples e humilde. O evento mostrou uma cena do filme Uma Mente Brilhante, na qual Nash e amigos estavam em um bar quando entram algumas garotas. Segundo o filme, foi naquele momento que Nash teve o insight para escrever sua tese. Você pode ver a cena e comentários no meu artigo Cena do filme Uma Mente Brilhante - Não é Equilibrio de Nash.

Após a cena, a própria organização informou que aquilo não era Equilibrio de Nash, mas aproveitou para perguntar se ele realmente teve um insight sobre seu teorema. Ele ficou pensando, balbuceou algo que não consegui entender e completou algo assim: Não... acho que não tive insight... difícil de lembrar... Seria o mesmo que perguntar a Thomas Edson como foi o insight para criar a lâmpada. Talvez não tenha tido ou não me lembre.

Ora, John Nash, cá entre nós. Se você respondesse que teve o insight no bar, no chuveiro, ou embaixo de uma árvore quando caiu uma maçã na sua cabeça (como foi com Newton e a gravidade), mesmo que fosse mentira, seria muito mais marcante e vendedor. Mas não... preferiu manter a serenidade que as fotos deste artigo mostram e simplesmente dizer que "acha que não teve".

(Igualmente quando foi perguntado "por que você escolheu a matemática e Teoria dos Jogos". A resposta foi confusa: gostou de um curso em Carnegie Mellon sobre Economia Internacional porque o professor era ótimo (um russo visitante de Chicago), e que depois gostava de Engenharia e Química, e resolveu fazer Engenharia Química, desistiu, pensou em fazer Inglês, mas não viu futuro. Daí resolveu fazer Matemática. Bem... de novo, nada vendedor...)

Mas John Nash pode fazer e dizer essas coisas, por algumas razões. Ele fez uma contribuição imensa em Teoria dos Jogos, sua teoria ganhou seu nome (Equilíbrio de Nash), ganhou o Prêmio Nobel, ficou afastado 30 anos devido a esquizofrenia (que o filme retrata), se recuperou, voltou a ativa para dar aulas, participa de congressos internacionais (mesmo com a idade avançada) e é bem simpático e simples.

A simplicidade e o raciocínio vão além. Navegando pela internet achei um vídeo-entrevista para uma rede de TV americana (neste link). Uma das perguntas foi: Se você fosse escolher alguma coisa para ainda conquistar na vida, o que seria? Ele respondeu: "Bem, apenas gostaria de fazer um bom trabalho nesta idade avançada, após muitos anos sem trabalhar. Se eu pudesse subtrair todos os anos que não trabalhei, eu não seria tão velho assim como os meus 81 anos indicam. Veja, 81 menos 35 são 56, e essa não é uma idade de fazer nada." E em que área você se concentraria? "Eu gostaria de fazer algo totalmente diferente, alguma coisa em que eu não seria tão esperto."

Todo mundo tirando foto



Neste evento, o público era a maior parte brasileiros, especialmente mestrandos, doutorandos e professores de economia e matemática (embora os palestrantes eram internacionais e as palestras em inglês). Diferente do evento de Kellogg em 2008, onde as pessoas era mais contidas, desta fez a tietagem foi geral. TODO mundo (os brasileiros) queria tirar foto ao lado de Nash. Embora existissem outros 3 Prêmios-Nobel e outros professores renomados dos EUA, as pessoas queriam tirar foto apenas de Nash.

Fiquei pensando se existe alguma explicação para tal comportamento. Quando tiramos fotos, ou é para mostrar para alguém ou é para guardar de recordação. Não faz sentido mostrar fotos de desconhecidos para outros. Mas por que não tirar foto de
Robert Aumman, que também é Nobel, velhinho, mais engraçado nas palestras e também deixou teorias fantásticas?

Uma explicação talvez seja porque apenas Nash virou personagem de filme, sofreu uma doença, assim celebridade. Isso é verdade, mas tem algo mais - difícil de explicar... Nash é Nash....

Veja também:
Matéria no Jornal da Cultura sobre Nash e o Evento (Vídeo)
Entrevista interessante com Nash em site português
Entrevista com John Nash - One on One (Video em Inglês)
 



A Cena do filme Uma Mente Brilhante não é o Equilibrio de Nash
 
Após o sucesso do filme Uma Mente Brilhante (A Beautiful Mind, em 2001), ganhador do Oscar 2002, que retrata a vida do genial John Nash interpretado por Russel Crowe, muitas pessoas usam a cena do bar como um exemplo de Teoria dos Jogos e Equilibrio de Nash.

O filme é realmente muito bom e a cena é fantástica. Você pode ver no YouTube neste link. Abaixo a reprodução (em inglês) da fala exata dos personagens no momento em que Nash e seus amigos vêem a loira e suas amigas morenas entrarem no bar. A principal frase está em destaque.

Nash: Oh. Does anyone else feel she should be moving in slow motion?

Bender: Will she want a large wedding, you think?

Saul: Shall we say swords, gentlemen? Pistols at dawn?

Hansen: Have you remembered nothing? Recall the lessons of Adam Smith, the father of modern economics.

Saul: Yes, in competition...

Group: ...individual ambition serves the common good.

Hansen: Exactly.

Nielssen: Every man for himself, gentlemen.

Bender: And those who strike out are stuck with their friends.

Hansen: I’m not gonna strike out.

Saul: You can lead a blonde to water, but you can’t make her drink.

Hansen: Uh, I don’t think he said that.

Saul: All right, nobody move. She’s looking over here. All right, she’s looking at Nash.

Hansen: Oh, God. All right, he may have the upper hand now, but wait until he opens his mouth. Remember the last time?

Bender: Ah yes, that was one for the history books.

Nash: Adam Smith needs revision.

Hansen: What are you talking about?

Nash: If we all go for the blonde, we block each other, and not a single one of us is going to get her. So then we go for her friends, but they will all give us the cold shoulder because nobody likes to be second choice. But what if no one goes for the blonde? We don’t get in each other’s way, and we don’t insult the other girls. That’s the only way we win. That’s the only way we all get laid. Adam Smith said, the best result comes from everyone in the group doing what’s best for himself, right? That’s what he said, right? Incomplete. Incomplete! Because the best result would come from everyone in the group doing what’s best for himself and the group.

Hansen: Nash, if this is some way for you to get the blonde on your own, you can go to Hell.

Nash: Governing dynamics, gentlemen... governing dynamics. Adam smith was wrong.

Traduzindo a explicação de Nash:
. Se todos nós escolhermos a loira, nós vamos nos bloquear e nenhum de nós vai conquistá-la.
. Então partimos para as morenas, mas elas vão nos rejeitar pois ninguém gosta de ser a segunda opção.
. Mas e se ninguém for atrás da loira?
. Daí não competiremos entre nós e não insultaremos as amigas. Essa é a única forma de vencer.

A repercussão

Após o filme muitos se interessaram pela vida de Nash e suas idéias sobre Teoria dos Jogos. E imediatamente os especialistas e professores no assunto rebateram dizendo que, embora o filme seja genial, os fundamentos teóricos eram imprecisos. De fato, Hollywood quis retratar a biografia de Nash e sua esquizofrenia, e não dar aula sobre Teoria dos Jogos.

No DVD "Games People Play: Games Theory in Life, Business, and Beyond", o professor Scott P. Stevens comenta "So putting Hollywood on notice, you can mess with Nash´s life, but don´t mess with his equilibrium".

Abaixo dois links de pessoas provando que a solução do filme não é tecnicamente um Equilíbrio de Nash.

1. Site Mind Your Decisions - Artigo "Game Theory scene from A Beautiful Mind".

The movie is directed so well that it sounds persuasive. But it’s sadly incomplete. It misses the essence of non-cooperative game theory. A Nash equilibrium is a state where no one person can improve, given what others are doing. This means you are picking the best possible action in response to others—the formal term is you are picking a best response. (For more, see my article on why Nash equilibrium exist).

As an example, let’s analyze whether everyone going for a brunette is a Nash equilibrium. You are given that your three of your friends go for brunettes. What is your best response?

You can either go for the brunette or the blonde. With your friends already going for brunettes, you have no competition to go for the blonde. The answer is clear that you would talk to the blonde. That’s your best response. Incidentally, this is a Nash equilibrium. You are happy, and your friends cannot do better. If your friends try to talk to the blonde, they end up with nothing and give up talking to a brunette. So you see, when Nash told his friends to go for the brunettes in the movie, it really does sound like he was leaving the blonde for himself.

Now, in practical matters it will be hard to achieve the equilibrium that only one person goes for a blonde. There is going to be competition and someone in the group will surely sabotage the mission. So there are two ways you might go about it using strategies outside the game. One is to ignore the current group and wait for another group of blondes (the classic “wait and see” strategy). The second is to let a random group member go for the blonde as the others distract the brunettes (also practiced as “wingman theory”).

2. Universidade da Virginia, Departamento de Economia - Paper "A Beautiful Blonde: a Nash coordination game".

Dois professores escreveram um paper de 12 páginas com sofisticada matemática para mostrar que a solução é uma "mixed strategy".


Conclusão

É verdade que a cena do filme não pode ser usada de forma didática para explicar nenhum conceito técnico de equilíbrio e estratégia de Teoria dos Jogos. Mas serve para mostrar que a essência da Teoria dos Jogos é prever quais as decisões os demais jogadores (os amigos de Nash e as garotas) tomarão para assim ajustar a sua escolha. É o jogo de antever as ações e tomar a melhor decisão sabendo que os competidores estão pensando da mesma forma. Além disso, o filme é ótimo.
 



Indiana Jones não usou a Teoria dos Jogos
 
O livro Thinking Strategically possui um exemplo bem interessante sobre tomadas de decisão onde é necessário antever alguns passos e possíveis consequencias [2]. Relembre a cena do clímax do filme Indiana Jones e a Última Cruzada. Indiana Jones, seu pai e os nazistas chegaram ao local do Santo Graal. Os dois Joneses se recusam a ajudar os nazistas a dar o último passo. Assim, os nazistas atiram no pai de Indiana. Somente o poder de cura do Santo Graal poderia salvar o idoso Dr. Jones de seu ferimento mortal.

Devidamente motivado, Indiana lidera o caminho para o Santo Graal. Mas há um desafio final. Ele deve escolher entre dezenas de cálices, dos quais apenas um é o cálice de Cristo. Enquanto o copo correto oferece a vida eterna, a escolha errada é fatal. O líder nazista impacientemente escolhe um cálice dourado bonito, bebe a água benta, e morre subitamente, pois escolheu o errado.

Indiana escolhe um cálice de madeira, o cálice de um carpinteiro. Dai exclama: "Há apenas uma maneira de descobrir", ele mergulha o cálice na fonte e bebe o que ele espera ser o cálice da vida. Ao descobrir que ele escolheu sabiamente, Indiana leva o cálice ao seu pai e aquela água cura a ferida mortal.

Se colocarmos a árvores de decisão e possibilidades, seria mais ou menos como a figura abaixo. Como diz Dixit e Nalebuff no livro, embora esta cena seja emocionante, é um pouco constrangedor que um tal professor, que se distingue como Dr. Indiana Jones, cometa um erro tão estratégico em Teoria dos Jogos. Ele deveria ter dado a água para seu pai sem testá-la primeiro. Explica-se: se Indiana escolhesse o cálice certo e oferesse antes ao seu pai, seu pai estaria salvo. Se Indiana escolhesse o cálice errado, então seu pai morre, mas Indiana é poupado. Em comparação, se testasse o copo errado antes de dá-lo a seu pai, não haveria segunda chance - Indiana morreria devido a água e seu pai morreria devido a ferida.

Você verá em outros trechos que este exemplo também aponta uma das fraquezas da Teoria dos Jogos, que é ser estritamente racional e não ter valor moral nas decisões. Emocionalmente falando, talvez Indiana não quisesse testar o cálice em seu pai (mesmo já mortalmente ferido) para não querer assumir a responsabilidade se precipitasse a sua morte...

 
[1] Thinking Strategically, Avinash K. Dixit e Barry J. Nalebuff, W W Norton and Company, 1993



Alguma empresa usa Teoria dos Jogos?
Percepção dos jornalistas do Fast Company
 
O desafio de muita gente, inclusive o meu, é adaptar a Teoria dos Jogos para o uso em treinamento de executivos em empresas, principalmente nas formulações estratégicas ou apoio na tomadas de decisões em situações de interdepedência de ações-reações com competidores.

Mas o artigo abaixo é um tanto desanimador, extraído da revista Fast Company, com título original: You Got Game Theory!, de Martin Kihn. Numa tradução livre, é o seguinte.

Era tudo tão divertido até que percebemos que nenhuma empresa na verdade usa teoria dos jogos

A Teoria dos Jogos é um ramo da economia, que soa divertido, introduzida nos anos 1940 pela gênio húngaro John von Neumann e desenvolvido nos anos 1950 por John Nash de Princeton, o sujeito do filme Uma Mente Brilhante, vencedor do Oscar em 2001.

Durante os anos, a posição da teoria dos jogos - que descreve as interações entre participantes com auto-interesse, como jogadores de pôquer e negociadores - cresceu, e suas idéias foram aplicadas em vários campos como evolução, leilões, até contra terrorismo. Interessados no jogo, nós aqui no CDU (Consultant Debunking Unit) decidimos descobrir quanto tempo a teoria dos jogos chegaria a ser um o grande jogo nos negócios. Afinal, tem sido ensinado a quase todos mundo do 2.5 milhões de MBAs e economistas só nos Estados Unidos. Certamente, pensávamos, seria um estrondo transformar uma dúzia de exemplos de teoria dos jogos aplicados no mundo real.

Adotando a nossa habitual metodologia rigorosa, decidimos os seguintes parâmetros. Para servir, um bom exemplo deve:
  1. ser uma situação de negócios real onde alguém usou as idéias da teoria dos jogos;
  2. ter ocorrido nos últimos cinco anos passados; e
  3. envolver empresas reais e ativas, não governos, organizações sem fins lucrativos, ou Russell Crowe.

Primeiro, nós procuramos na literatura. Selecionamos um portfólio relevante de 40 publicações e submetemos as nossas perguntas. Tentamos novamente. E novamente. E encontramos . . . nada. Houve abundância de menções de leilões de governos, e uma Mente Brilhante surgiu centenas de vezes. Não era exatamente o que tínhamos em mente.

Possivelmente, pensamos, os meios de comunicação é que não possuem esses exemplos. Destemidos, montamos uma lista de 30 renomados teoristas de jogos ao redor do mundo, e enviamos-lhes uma pesquisa, "Você pode pensar em algum exemplo de companhias reais e ativas que aplicaram conscientemente conceitos de teoria dos jogos em verdadeiro problema de negócios?"

A resposta foi . . . um coro ensurdecedor de coçar cabeças. "A resposta curta é: eu não sei," disse David Levine de UCLA. "Deixe-me pensar nisto," respondeu Muhamet Yildiz do MIT.

Outros na nossa lista de experts, apesar de não oferecer nenhum, você sabe, exemplo real, foram dispostos a refletir sobre porque eles não conseguiram. A teoria dos jogos tradicional "prescreve muitos conselhos que não parecem de fato funcionar" admitiu Paul Bartha da Universitade British Columbia. Por que não? Talvez porque "os tipos de situações que permitiriam a aplicação de métodos formais são tão simples de que as pessoas podem entendê-las sem muita ajuda," sugeriu a Andy McLennan, da Universidade de Minnesota.

Isto significa que a teoria de jogo é somente, digamos, senso comum? "A teoria de jogo oferece um modo sistemático e agradável de pensar sobre estratégia, mas não é mágica" concordou Hal Varian, economista na Universidade de Califórnia-Berkeley e o co-autor do bestseller Information Rules (Harvard Business School Press, 1999). Ou, como David McAdams do MIT colocou, "a teoria dos jogos é na verdade uma modelo mental e, uma vez que você o tem, você a vê em todo lugar."

Em todo lugar, e talvez, em nenhum lugar.

No fim, nenhum dos nossos especialistas teve um exemplo concreto. Mas muitos ofereceram o mesmo conselho: "pergunte a Preston McAfee" - um economista no Instituto da California Institute of Technology e possivelmente o teorista des jogos mais avançado do país (ele projetou um leilão de telefonia do governo). Ele foi mais encorajante: "há muitos exemplos," ele mandou por correio eletrônico, concordando com uma entrevista.

Conversamos com o professor no seu escritório em Caltech. "Então", perguntamos, "quais são todos esses exemplos da teoria de jogo aplicada à vida real?" Houve um silêncio do outro lado da linha. "Bem", ele disse, "muitas companhias contrataram teoristas de jogos para preparar aqueles leilões de telefonia." Okay - mas que tal situações de leilão não governamentais? "Não sei de nenhuma companhia que emprega teoristas de jogos puros - mas talvez eles estejam mantendo esse assunto quieto".

Muito, muito quieto.

Este artigo rodou o mundo com muitos defensores ("realmente, ninguém usa") e críticos ("não é bem assim, o assunto é abstrato e possui insights"). Um dos críticos ao artigo é David McAdams, que advoga que a Fast Company foi tendenciosa e parece não ter conversado com nenhum executivo de negócios. Em seu livro "Game-Changers", McAdams reporta que líderes de empresas relatam que Teoria dos Jogos fornecem insights para vantagem competitiva.

Eu também tenho feito pesquisas em busca de exemplos reais de empresas que usam Teoria dos Jogos. As revistas especializadas apenas apresentam formulações matemáticas de situações não muito próximas a vida real. Os exemplos em jornais e revistas de negócios são muito superficiais. Existem empresas de consultoria que dizem usar Teoria dos Jogos, mas nos respectivos sites não há relatos palpáveis de seus clientes. E finalmente, os livros-textos de Teoria dos Jogos usados na Escolas de Business apresentam casos didáticos, mas não necessariamente reais como acontece em outras disciplinas.

Em 2008, as vésperas do congresso Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society (Evanston, IL, EUA, 12 a 17/7/08), me apresentei por email para a prof. Marilda Sotomayor, especialista da USP em Teoria dos Jogos (e outros assuntos na cadeira de Matemática), dizendo que sou fanático pelo tema e gostaria de conversar mais sobre aplicações no pensamento estratégico e no dia-a-dia (nem citei "empresas" e "planejamento").

A resposta foi simpática. Ela estava em período de férias e depois passaria um tempo nos EUA lecionando, mas se eu quisesse saber a linha de pesquisa, eu poderia ler o livro dela (Two sided-matching, também acadêmico e matemático). Agradeci e perguntei sobre referências de Teoria dos Jogos no mundo da economia e business. A resposta foi dura: "Não conheço nada sobre o que você deseja saber."

Ruim, muito ruim. Entretanto, o caso não é tão desanimador. Nos próximos artigos escrevo porque é tão difícil usar a Teoria dos Jogos de forma "matemática" no planejamento estratégico real, e com utilizá-lo com um modelo mental para entender o mundo a sua volta.
 
Link original do artigo da Fast Company: http://www.fastcompany.com/magazine/91/debunk.html.
Martin Kihn é o autor de House of Lies: How Management Consultants Steal Your Watch and Then Tell You the Time (Warner Books, March 2005).



O Jogo da Divisão do Bolo
 
Imagine o seguinte cenário. Seus dois filhos(as) sempre brigam para repartir um bolo pela metade. Eles sempre reclamam que você não é justo(a) e que um dos pedaços sempre fica maior do que outro[1]. O que você pode fazer a respeito?

Uma solução é criar um jogo, chamado de Jogo da Divisão do Bolo. A regra é simples e bem definida. Um dos filhos tem o direito de cortar o bolo na proporção que quiser, e o outro tem o direito de escolher qual pedaço quer comer, o maior ou o menor. Este é o chamado "Eu corto, você escolhe", ou ainda "Você corta, eu escolho".

Qual o resultado? Nesta brincadeira, o primeiro filho imagina que, se dividir de forma desigual, o seu irmão irá escolher o maior pedaço. Portanto, ele tem todo o incentivo do mundo para dividir exatamente na metade pois não quer ficar com a menor parte. O segundo filho não pode reclamar pois tem a chance de escolher a maior parte, se existir.

Você, como pai ou mãe, acabou de criar um jogo com um "esquema de incentivos" em que os próprios participantes colaboram devido o auto-interesse de cada um. O auto-interesse induziu uma divisão equalitária dada as regras do jogo.
 
[1] Prisoner´s Dillema, William Poundstone, 1993, Anchor



Robert Aumann: o que a Teoria dos Jogos está tentando conquistar?
 
O texto abaixo é minha tradução e adaptação livre de alguns trechos do paper "What Is Game Theory Trying to Accomplish?", de Robert Aumann. Você lê o original neste link.

A linguagem da Teoria dos Jogos - coalisões, recompensas, mercado - nos indica que ela não é um ramo da matemática abstrata, e sim voltada ao mundo que nos rodeia. Ela deveria ser capaz de nos dizer algo sobre esse mundo, mas a maioria de nós há muito percebemos que a Teoria dos Jogos e o mundo real (que poderia ser melhor chamado de mundo complexo) têm uma relação que não é inteiramente confortável. Eu poderia dizer que as mesmas dúvidas se aplicam a Teoria Econômica.

Para enfrentar a questão sobre o que queremos com a Teoria dos Jogos, primeiro devemos voltar um pouco e nos perguntar o que a ciência, em geral, está tentando fazer. Uma pessoa leiga pode responder a essa pergunta em termos de aplicações práticas: lâmpadas, plásticos, computadores, bomba atômica, prevenção da depressão, e assim por diante. Ela entende que aplicações e invenções exigem uma ampla infra-estrutura básica de ciência. Assim (de acordo com este ponto de vista), o objetivo da ciência é o desenvolvimento da aplicação prática.

Os observadores mais sofisticados, incluindo os cientistas, respondem a questão em termos de poder de previsão. A teoria da relatividade foi um sucesso, eles acreditam, porque previu o movimento do planeta Mercúrio e o deslocamento das imagens das estrelas durante um eclipse solar. Se uma teoria não tem poder de previsão, então isso não é ciência.

Ambos esses pontos de vista perdem o ponto principal, eu acho. No nível mais básico, o que estamos tentando fazer no domínio da ciência é entender nosso mundo. Predições são um excelente meio de testar a nossa compreensão, e uma vez que compreendemos, as aplicações são inevitáveis, mas o objetivo básico da atividade científica continua a ser a compreensão de si mesmo.

Relacionamentos, Unificação, Simplicidade: elementos da compreensão

A compreensão é um conceito complexo, com vários componentes. Talvez o componente mais importante seja ver as coisas se encaixando, relacionando-as umas com as outras. Para compreender uma idéia ou um fenômeno, ou mesmo uma música, é preciso relacioná-lo com as idéias e experiências familiares para se encaixar em um framework e "se sentir em casa".

Quando você ouve Bach, sente-se atacado por sons desconexos, confusos e sem sentido. Mas, finalmente começa a ouvir padrões, a flauta entende o que o violino diz, grupos de som variam em altos e baixos, trechos são repetidos. Os sons aparecem e você começa a se sentir em casa. Depois de um tempo você reconhece o estilo, e mesmo quando está escutando outra música desconhecida você pode relacioná-la com outras do mesmo compositor ou época. Compreende-se a música.

Gostaria de enfatizar que não estou falando apenas sobre familiaridade. Embora seja importante, não é o ponto principal. Estou falando sobre relacionar, associar, reconhecer padrões. Flocos de neve são hexagonais, o conchas de certos moluscos marinhos são espirais logarítmicas, ônibus em rotas lotadas chegam em grupos, ondas e ondulações ocorrem no oceano da mesma forma que dunas de areia, a febre está associada a infecções, até coisas totalmente aleatórias tem seus padrões (distribuições normais e de Poisson).

Isso nos leva ao segundo componente de compreensão, que é parte da primeira: a unificação. Quanto maior a área coberta por uma teoria, maior é a sua "validade". Não me refiro "validade" no sentido usual da verdade, mas sim no sentido da aplicabilidade ou utilidade. Podemos mensurar a validade de uma idéia pela quantidade de pessoas que a usam (direta ou indiretamente).

Parte da grandeza de teorias como a gravidade, evolução ou teoria atômica da matéria é que elas cobrem muitos tópicos e explicam uma variedade de coisas. Naturalmente, uma teoria unificadora é realmente um caso especial de relacionamento; diferentes fenômenos são reunidos e relacionados entre si por meio dela. A idéia da gravitação é importante porque nos permite relacionar as marés com o movimento dos planetas e as trajetórias de mísseis.

O terceiro componente da compreensão é a simplicidade. O que quero dizer é basicamente o oposto da complexidade, embora o outro significado de "simples" - o oposto de difícil - também desempenha uma função. Aqui existem vários sub-componentes. Um deles é a contenção; poucos parâmetros devem ser usados para explicar qualquer fenômeno particular. Para explicar a teoria da gravidade, Newton usa apenas dois parâmetros(massa e velocidade). A teoria da evolução ou a teoria atômica da matéria são outros exemplos de contenção da estrutura básica. Um exemplo de complexidade, o oposto do que queremos, é a moderna teoria das partículas elementares. É claro que ninguém está particularmente feliz com isso, e ela é considerada uma etapa intermediária no caminho para uma teoria mais satisfatória.

Chegamos finalmente à questão de simplicidade no sentido de oposto a dificuldade. Para uma teoria ser útil, trabalhar com ela deve ser prático. Se você não consegue descobrir o que ela implica, não vai unificar nada, não vai estabelecer relações. Quanto mais simples é uma teoria, mais útil ela é e, portanto, mais válida.

Ciência e Verdade

A maioria dos leitores deve ter entendido que, no meu ponto de vista científico, teorias não são consideradas "verdadeiras" ou "falsas". Na construção de um teoria, não estamos tentando chegar à verdade, ou mesmo se aproximar dela, e sim estamos tentando organizar nossos pensamentos e observações de maneira útil.

Uma analogia grosseira é um sistema de suprimentos em um escritório. Não nos referimos a esse sistema como sendo "verdadeiro" ou "falso", e sim falamos se ele "funciona" ou não, ou melhor ainda, o quão bem ele funciona. A medida que a operação do escritório cresce, o sistema de abastecimento muda e evolui. Em alguns pontos, um sistema completamente novo pode ser introduzido para acomodar a evolução do tipo e quantidade de material a ser suprido. Da mesma forma, as teorias científicas devem ser julgadas pela maneira como elas nos permitem organizar e compreender as nossas observações, ou quão bem elas "funcionam". Conforme nossas observações aumentam de volume e mudam de características, antigas teorias científicas não são mais adequadas quanto antes, elas precisam evoluir, mudar ou serem substituídas por novas e diferentes teorias.

Verdade, assim, não é o ponto. Nós descartamos uma teoria não porque ela foi "falsa", mas porque já não funciona, não é mais adequada. É até possível que duas teorias concorrentes possam existir felizes lado a lado e serem usadas simultaneamente, em grande parte da mesma maneira que muitos de nós classificamos e guardamos arquivos tanto cronologicamente como pelo nome do correspondente.

Um exemplo famoso são a mecânica relativista versus mecânica newtoniana. Provavelmente é justo dizer que a maioria dos cientistas que buscam a "verdade" consideram a mecânica relativista uma melhor aproximação do que a mecânica newtoniana. No entanto, eles continuam a usar mecânica newtoniana para os assuntos do dia-a-dia. Por quê? Bem, eles dizem, a teoria de Newton é normalmente uma aproximação bastante boa para a relatividade. Por que se contentar com uma aproximação quando você pode obtê-la exatamente certo? Bem, eles podem dizer, em muitos casos a teoria da relatividade é muito pesada para trabalhar; a teoria de Newton é mais viável, mais fácil de usar. Mas então, ao que parece, a "verdade" não é afinal o único critério. A mecânica newtoniana continua a ser usada como um modelo em maior escala do que a relatividade, mesmo depois dela ter sido desacreditada do ponto de vista da "verdade".

Teoria dos Jogos como Ciência Descritiva

Em suma, a Teoria dos Jogos e a Teoria Econômica se preocupam com o comportamento interativo do homem rational. O Homo Rationalis é a espécie que atua sempre de forma propositada e lógica, tem bem definido o seus objetivos, é motivada apenas pelo desejo de atingir esses objetivos o mais próximo possível, e tem a capacidade de cálculo necessária para fazê-lo.

A dificuldade com essa definição é evidente. O Homo Rationalis é uma espécie mítica, como o unicórnio e a sereia. O primo dele na vida real, o Homo Sapiens, muitas vezes é guiado por incentivos psicológicos subconscientes, ou até mesmo por aqueles conscientes, que são totalmente irracionais. Instintos de grupo desempenham um grande papel em seu comportamento. Mesmo quando os seus objetivos são bem definidos, a sua motivação para alcançá-los pode ser inferior ao necessário e longe de possuir capacidade de cálculo infinito. Ele é muitas vezes completamente estúpido, e mesmo quando inteligente, ele pode estar cansado, com fome, distraído ou bêbado, incapaz de pensar sob pressão, ou guiado mais pela suas emoções do que pelo seu cérebro. E isso é apenas uma lista parcial de desvios do paradigma racional.

Assim, não podemos esperar que a Teoria dos Jogos ou Teoria Econômica sejam descritivas no mesmo sentido que a física ou a astronomia são. A racionalidade é apenas um dos vários fatores que afetam o comportamento humano. Nenhuma teoria baseada em um fator isolado pode produzir previsões confiáveis. Mas a boa notícia é que nós ganhamos alguns insights sobre o comportamento do Homo Sapiens ao estudar o Homo Rationalis. Aparentemente existe suavelmente uma espécie de mão invisível trabalhando: embora em determinadas situações um indivíduo possa agir irracionalmente, parece haver um efeito que empurra as pessoas no sentido da tomada de decisão racional. Isso não faz as pessoas mais racionais, mas a medida que alguns contextos se tornam mais comuns e familiares, isso os faz agir mais racionalmente nesses contextos.

No fim, o Homo Rationalis pode servir de modelo para alguns aspectos do comportamento do Homo Sapiens. Isso acontece com as idéias de biologia e evolução, em que a doutrina da sobrevivência do mais apto se traduz em maximizar o comportamento dos genes. Sabemos que os genes realmente não maximizam qualquer coisa, mas os fenômenos que observamos são tão bem amarrados pela hipótese de que eles agem como se estivessem maximizando.

As coisas são mais complicadas na ciências sociais, em primeiro lugar, porque as próprias decisões são muito complexas, e segundo porque o não-maximizar o comportamento não é tão impiedosamente castigado como na selva, mas talvez haja uma tendência semelhante. As teorias econômicas explicam fenômenos reais apenas algumas vezes, e não podemos esperar que sempre o façam, nem sequer podemos dizer de antemão quando esperamos que elas o façam. Ainda não sabemos como integrar as ciências racionais (como a Teoria dos Jogos e Economia) com as ciências não-racionais (como Psicologia e Sociologia) para produção de previsões precisas.

Mas, para melhor ou para pior, é assim que as coisas são. Precisamos nos acostumar ao fato de que a Economia não é Astronomia e a Teoria dos Jogos não é Física. Sabemos que, na educação dos nossos filhos, devemos aceitar cada um para o que ele é, para o bem que está dentro dele, e não forçá-lo para ser outro molde. As ciências são os filhos de nossas mentes, nós devemos permitir a cada uma delas se desenvolva naturalmente, e não forçá-las em moldes que não são apropriadas para elas.

Deve-se salientar que nossa área de pesquisa (Teoria dos Jogos, Economia) não são de modo algum a única dentro da ciência que não é forte em previsão. A medida do sucesso deve ser "Ela me permite ter insights?" ao invés de "Quais serão minhas observações?". Similar a isso são disciplinas como a psicanálise, arqueologia, meteorologia, e até certo ponto a aerodinâmica. Aviões não são projetados ao se resolver as equações da aerodinâmica: eles são projetados por intuição e experiência, e testados em túneis de vento e em vôos de teste. A intuição que vai para o projeto é baseada em parte na teoria, que fornece princípios gerais importantes.

A Teoria dos Jogos não pretende descrever o Homo Sapiens, e sim o Homo Rationalis. Por outro lado, quando vamos aconselhar as pessoas, fica claro que devemos dar conselhos racionais que maximizam as utilidades, ou seja, precisamente o que o Homo Rationalis faria, de modo que os dois aspectos são nesse sentido bastante próximos.

O Equilíbrio de Nash

Esta é certamente a solução teórica dentro da Teoria dos Jogos mais frequentemente usada na teoria econômica. O Equilíbrio de Nash é extremamente comum em muitas aplicações diferentes. Em mercados competitivos perfeitos, ele está intimamente associado ao equilíbrio competitivo. Também é usado em estudos de entrada e saída, leilões e problemas de agente-principal.

Na teoria da escolha social ele é onipresente. É provavelmente seguro dizer que ele afeta de forma significativa em todas as áreas em que os incentivos são importantes, e isso inclui quase todos os da teoria econômica. O equilíbrio de Nash é a personificação da idéia de que os agentes econômicos são racionais e que atuam simultaneamente para maximizar a sua utilidade. Se houver alguma idéia que pode ser considerado a força motriz da teoria econômica, é isso.

Assim, em certo sentido, equilíbrio de Nash encarna a mais e fundamental idéia da economia, que as pessoas agem de acordo com os seus incentivos. Ele é sem dúvida o conceito mais bem sucedido - isto é, amplamente usado e aplicado, da Teoria dos Jogos. Ele toca quase toda área da teoria econômica, assim como a escolha social e política.

Mas há problemas com a sua interpretação intuitiva. Em jogos de informação perfeita, o equilíbrio pode ser alcançado por uma espécie de programação dinâmica, indução retroativa, cujo procedimento intuitivo conteúdo é muito clara e convincente. Em outros jogos não é claro como os jogadores devem chegar a um equilíbrio, e como um equilíbrio específico seria escolhido entre o conjunto de todos os equilíbrios possíveis. De fato, há jogos em que o equilíbrio de Nash parece muito estranho e contraditório.

Conceitualmente, o equilíbrio de Nash e suas variantes expressa a idéia de que cada jogador maximiza a sua utilidade; ele é uma simples expressão da racionalidade do jogador individual. A definição do equilíbrio de Nash é extremamente simples e atraente. Além disso, o conceito é matematicamente muito fácil de trabalhar. Como resultado, ele gerou importantes insights nas suas aplicações e iluminou relações entre diferentes aspectos das situações com decisões interativas.
 



Discussão controversa: a Teoria dos Jogos é útil de alguma forma?
 
Ariel Rubinstein, economista e acadêmico na New York University e Tel Aviv Universisty, é um escritor sobre Teoria dos Jogos com opiniões bem contundentes. Uma destas opinões está no posfácio da famoso livro Theory of Games and Economic Behavior (1944), de John von Neuwman e Oscar Morgentern (na edição de 2007). Veja o texto na íntegra aqui.

Embora seja expert e fanático sobre Teoria dos Jogos, Rubinstein afirma que a teoria não serve para muita coisa prática. Numa tradução livre, abaixo alguns trechos:

Será a Teoria dos Jogos útil de alguma forma? A literatura popular está cheia de argumentos sem sentido. Mesmo dentro da comunidade dos teóricos do jogo, há uma grande discordância sobre o seu significado e respectiva utilidade prática. Há aqueles que acreditam que o objetivo da Teoria dos Jogos é basicamente fornecer uma boa previsão do comportamento humano em situações estratégicas e que, se ainda não chegamos "lá", chegaremos quando melhorarmos os modelos e acharmos formas de medir as intenções de jogadores reais. Não estou certo em que essa opinião visionária é baseada. Precisamos lidar com a dificuldade de prever comportamentos nas ciências sociais, onde a previsão em si é parte do jogo.

Há ainda aqueles que acreditam no poder da Teoria dos Jogos para melhorar o desempenho na vida real nas interações estratégicas. Eu nunca me convenci que existe uma base sólida para essa crença. Parece existir um certo padrão no comportamento estratégico que se torna evidente quando se faz experiências. É gratificante às vezes encontrar comportamentos similares na sociedade. Mas esses padrões estão relacionados com as previsões clássicas da Teoria dos Jogos?

Outros (e eu também) acham que o objetivo da Teoria dos Jogos é basicamente estudar as considerações utilizadas na tomada de decisões em situações interativas. A teoria identifica padrões de raciocínio e investiga suas implicações na tomada de decisões em situações estratégicas. Neste sentido, a Teoria dos Jogos não tem implicações normativas e sua significância empírica é muito limitada. Teoria dos Jogos é vista como a prima da Lógica. A Lógica não nos permite discriminar as afirmações verdadeiras das falsas e não nos ajuda a distinguir o certo do errado. Assim, a Teoria dos Jogos não nos diz qual ação é preferível e não prevê o que os outros vão fazer.

Se a Teoria dos Jogos é, no entanto, útil ou prática, ela é apenas indiretamente. Em qualquer caso, o ônus da prova recai sobre aqueles que usam a Teoria dos Jogos para fazer recomendações de políticas/procedimentos, por exemplo, e não sobre aqueles que duvidam do valor prático da teoria. E, além do mais, às vezes me pergunto porque as pessoas são tão obcecadas na procura da "utilidade" da Economia e da Teoria dos Jogos. Deveria a pesquisa acadêmica ser julgada por sua utilidade?

A Teoria dos Jogos popularizou o termo "Dilema do Prisioneiro", que é amplamente utilizado na imprensa popular e pelos políticos. No entanto, é usada para expressar uma idéia trivial: que há situações em que o comportamento egoísta pode, em última instância, prejudicar todos os participantes. Eu vejo a Economia (e ainda mais abrangente, todas as ciências sociais) como cultura. É uma coleção de termos, considerações, modelos e teorias usadas por pessoas que pensam sobre as interações econômicas. A Teoria dos Jogos alterou a cultura da Economia. A maioria dos economistas contemporâneos usam a Teoria dos Jogos como uma ferramenta essencial para transferir suas suposições sobre uma situação em algum resultado prático. A Teoria dos Jogos tem, essencialmente, tornado-se uma caixa de ferramenta a partir do qual economistas escolhem, muitas vezes mecanicamente, os instrumentos para transformar suposições em previsões.

A Teoria dos Jogos melhora o mundo?

Pessoalmente, eu não estou certo de que a Teoria dos Jogos "melhora o mundo". A Economia, em geral, e a Teoria dos Jogos, em particular, não são uma descrição do comportamento humano. Pelo contrário, quando ensinamos a Teoria dos Jogos nós podemos afetar o modo como as pessoas pensam e se comportam em interações econômicas e estratégicas. Seria impossível que o estudo sobre os jogos e pensamento econômico possa fazer as pessoas serem mais manipuladoras ou mais egoístas?

A Teoria dos Jogos tornou-se a principal ferramenta na caixa de ferramentas do economista. No entanto, na última década houve poucas idéias novas na Teoria dos Jogos. Assim, o palco está montado para um novo trabalho não convencional que vai abalar a economia como o livro do Von Neumann e Morgenstern fez há sessenta anos. É claro que idéias originais não podem simplesmente ser solicitadas a aparecer. No entanto, é da responsabilidade da profissão criar um ambiente que atraia as pessoas não convencionais com uma ampla base educacional e com uma abordagem mental que possa gerar idéias inovadoras.

Em todo caso, devemos nos sentir privilegiados: podemos jogar jogos não só como crianças e sim como acadêmicos, mas precisamos ter em mente que os desafios que o mundo enfrenta hoje são complexos demais para serem capturados por qualquer matriz matemática de um jogo. (veja mais sobre opiniões de Rubeinstein aqui)


Este argumento criou certas reações favoráveis e contrárias em alguns blogs especializados em Economia e Teoria dos Jogos (ver indicação no rodapé deste texto). No blog The Leisure of Theory of Class, o professor do Department of Managerial Economics & Decision Sciences at Northwestern University Eran Shmaya concorda com Rubinstein.

"Posfácio de Ariel"

Eu não vejo a Teoria dos Jogos como um exercício de matemática ou lógica, mas eu nunca achei a teoria útil nas minhas próprias interações com outros seres humanos. Como diz Rubinstein, o ônus da prova recai sobre aqueles que usam a Teoria dos Jogos para fazer recomendações de política ou procedimentos, e eu nunca vi tal prova. Eu nunca me deparei com nenhum exemplo em que um teorema ou uma definição da Teoria dos Jogos transformou em recomendação de política ou fez previsões sobre o comportamento humano em situações estratégicas.

E mesmo houvesse situações em que a Teoria do Jogo seja útil nesse sentido, isso não a faria mais emocionante para mim. Eu tenho vários motivos para gostar da Teoria dos Jogos, mas duvido que qualquer um de nós tenha a usado para melhorar seu desempenho em situações estratégicas. Como diz Rubinstein, por que tantos teóricos do jogo sentem a necessidade de justificar o seu interesse na Teoria de Jogo apelando à sua aplicabilidade na vida real? Você pode ver isso nos congressos. Embora nem todos realmente afirmem que a Teoria dos Jogos é útil para a formulação de políticas, mesmo assim está sempre implícito que esse é o objetivo final.

Nos comentários, Anon questiona: se a Teoria dos Jogos não é útil, então por que ela é ensinada nas universidades e nas escolas de negócios? Ciência é útil, matemática é útil porque ela ajuda a ciência. Então matemática deve ser ensinada. E Teoria dos Jogos?

Eran responde: de fato, partes da física tem aplicações tecnológicas. Exemplo: você precisa saber um pouco de física para construir uma bomba atômica. No entanto, o motivo que Einstein estava interessado na relação entre massa e energia não era o potencial de aplicação tecnológica. Isso também se aplica aos departamentos de física nas universidades; eles buscam a compreensão das leis da natureza como uma valiosa meta em si. Neste raciocínio, acho que a Teoria dos Jogos é "útil para a compreensão da economia", da mesma forma que a Física é útil para a compreensão das leis da Natureza, que a Literatura é útil para a compreensão da cultura, e que a História é útil para entender, bem, a história.

No entanto, a Teoria dos Jogos e também Literatura e História, não têm uma "aplicação tecnológica" similar às da Física. Se você conhece a Teoria dos Jogos você não será capaz de usar diretamente esse conhecimento na formulação de políticas da mesma forma que pode utilizar o conhecimento de física para construir bombas e pontes. Mas, digo e repito, eu não vejo essa falta de aplicação prática como um grande problema. Se você quis dizer que a única razão que temos departamentos de matemática é para ensinar matemática para físicos, então acho que você está errado.

Afinal, então é útil para que?

Anon replica: o questionamento não é sobre aplicações tecnológicas da Teoria dos Jogos, e sim se ela é útil para entender as ciências sociais de forma mais ampla. O que deu para entender do argumento de Rubinstein e Eron é que a Teoria dos Jogos não é útil para nada. Parece existir certa confusão sobre a palavra "útil".

Eran elucida: todo conhecimento é útil para entender alguma coisa: o conhecimento da Literatura é útil para entender a nossa cultura, o conhecimento da História é útil para a compreensão do nosso passado. A Teoria dos Jogos é útil para a compreensão das interações sociais. Física tem um poder adicional "tecnológico" e normativo. Isso significa que você pode usar diretamente o conhecimento da Física para construir e prever coisas. A Teoria dos Jogos não tem esse poder "tecnológico". Os especialistas em Teoria dos Jogos podem entender melhor Economia, mas eu não acredito que eles podem traduzir este entendimento para melhorar o desempenho deles nas interações sociais, para fazer uma melhor recomendação de política (que eu acho que é o analógo à tecnologia) ou para prever comportamentos humanos em interações estratégicas. Da mesma forma, enquanto eu acho que professores de História podem ter bom entendimento do passado, eu não acredito que eles são os melhores para prever algo sobre o futuro e também não acho que eles são melhores em fazer políticas públicas.

Para deixar mais claro, verifique se as duas afirmações abaixo têm o mesmo conteúdo:
    1a - a teoria dos jogos é útil para a recomendação de políticas e para fazer previsões
    2a - a teoria dos jogos é útil para a compreensão da economia
de forma semelhante que:
    1b - o conhecimento da história é útil para a recomendação de políticas e para fazer previsões
    2b - o conhecimento da história é útil para a compreensão de nosso passado / nossa civilização.

No caso, não, elas não tem mesmo conteúdo. Concordo com a 2a e 2b e discordo de 1a e 1b. Quando digo em "útil", "utilidade" ou "tecnológico", estou me referindo as afirmações do tipo 1 (fazer recomendação de políticas ou fazer previsões). E mesmo que Teoria dos Jogos (ou História) conseguisse ser "útil" neste sentido, ela não seria tão mais excitante do que já é para mim.

Eu (Fernando Barrichelo) entro na discussão: Você disse a Teoria dos Jogos, diferentemente das teorias com poder "tecnológico", não consegue prever o comportamento humano, melhorar o desempenho nas interações sociais e fazer uma melhor recomendação de política pública ou procedimentos. Mas disse que a Teoria dos Jogos é útil para a compreensão das interações sociais. Assim, "compreender as interações sociais" é útil para ...?

A resposta foi: para absolutamente nada. Mas não estou nenhum pouco preocupado com isso. Para mim, a compreensão das interações sociais é um objetivo digno por si só, da mesma forma que a compreensão das leis da natureza era um objetivo digno de Newton e Einstein. Eu tenho quase certeza que eles estavam menos interessados na aplicação tecnológica, da mesma forma que a compreensão a evolução das espécies e da história da humanidade são objetivos valiosos também per si. Isso já é suficiente.


No blog Cheap Talk também existiram opiniões diversas.

Lones Smith: Estudar um campo "inútil" não é o que atrai as pessoas para a Economia, não é o que faz existir Prêmio Nobel para esta área, e não é o que faz existir pessoas bem pagas para tal. Essa visão é muito desanimadora. Ainda, Rubinstein continua sua eresia dizendo que, no estágio atual, Teoria dos Jogos está morta e seca. Rubinstein levou-nos à terra prometida, parece que ele não quer deixar a gente entrar. Vou continuar escrevendo artigos (e incentivar outros a fazerem o mesmo) com a premissa de que a Teoria dos Jogos não é somente útil, mas a parte "mais útil" da Economia. Em Economia, a capacidade de explicar o mundo das "escolhas humanas" é baseada numa sólida compreensão da Teoria dos Jogos.

Sean Crockett: Concordo com o Rubinstein que a Teoria dos Jogos é um exercício de lógica/matemática e não uma regra normativa com significado empírico. Mas eu também concordo com Lones que a maioria dos economistas esperam que seu trabalho não seja propriamente um exercício matemático, mas também tenha algum significado prático. A Teoria dos Jogos fornece um framework "lógico" para o comportamento humano, então é natural investigá-lo de forma empírica. A Teoria dos Jogos prevê melhor o comportamento em algumas configurações do que em outras, então precisamos caracterizar essas diferenças. Por exemplo, a Teoria dos Jogos tende a se dar muito bem em interações repetidas e mal em jogos de uma jogada só ou com backward induction.

Beau: A comparação de Rubeinstein entre Teoria dos Jogos e a Lógica é precisamente certa, no sentido de que a teoria econômica, como a lógica, nos obriga a "pensar corretamente" sobre certos problemas inspirados no mundo real. Isso não significa que os insights teóricos são imediatamente relevantes para o mundo real, mas é mais um passo na direção certa.


Eilon, professor no Department of Statistics and Operations Research da Tel Aviv University, no mesmo blog The Leisure of Theory of Class, no postTeoria dos Jogos pode Melhorar o Mundo? faz sua defesa que Teoria do Jogos é muito útil sim.

"Teoria dos Jogos pode Melhorar o Mundo?"

Muitos estão comentando que a Teoria dos Jogos não é útil para a "previsão do comportamento em situações estratégicas" e para "melhorar o desempenho nas situações estratégicas da vida real". Devo dizer que discordo disso. Eu acredito que Teoria dos Jogos pode melhorar o mundo (quando aplicado corretamente) e pode melhorar o desempenho na vida real.

Algumas interações da vida são complexas, algumas são muito triviais. A Teoria dos Jogos não está suficientemente avançada para lidar com situações complexas, mas ela pode administrar situações simples. Isso é semelhante ao analisar, por exemplo, o fluxo de água nos canos. A Física tem avançado o suficiente para permitir a analisar o fluxo de água em tubos massados, quando uma pessoa sozinha normal só conseguiria entender o fenômeno em tubos retos. Economia e Psicologia não fizeram o mesmo progresso, por isso vamos esperar até que possamos realizar simulações mais avançadas sobre o comportamento humano. A Teoria dos Jogos nos ensina insights, como "pensar estrategicamente", ou que "a crença do outro jogador pode ser diferente da sua crença". Estas percepções são as pérolas da teoria, e elas podem nos ajudar quando enfrentar interações estratégicas.

Como exemplo, eu costumava dar palestras populares sobre a Teoria dos Jogos. Meu pai tem menos educação formal e tem uma gráfica. Numa palestra eu disse à platéia para pensar estrategicamente em uma interação estratégica e para se colocar no lugar do outro jogador. Poucos dias depois, meu pai teve que imprimir um jornal para um novo cliente que ele não conhecia. Como gerente cauteloso, pediu para o cliente pagar todo o trabalho adiantado. O cliente concordou. Poucos minutos antes que o trabalho ir para impressão meu pai recebeu uma telefonema: o cliente pagou apenas 80% do montante, ele disse que iria pagar o restante após o trabalho feito. A primeira reação do meu pai foi para cancelar o trabalho pois o cliente não manteve o acordo. Então ele pensou em seu filho teórico dos jogos: ponha-se no lugar do outro jogador. Ele o fez. E então ele percebeu que se ele fosse o cliente, ele também não estaria disposto a pagar a total adiantado: essa é a primeira vez que ele trabalha com essa gráfica, e ele não sabe se eles fazem um bom trabalho e no prazo. Ele decidiu dar uma chance à Teoria dos Jogos e disse aos seus trabalhadores para imprimir o trabalho. O final foi feliz, o resto do dinheiro foi pago após o trabalho feito.

Podemos considerar qeu essa história envolve interações muito simples. Pode-se dizer que o raciocínio é mais psicológio do que sobre jogos. Talvez, mas cheguei a conhecer esses insights por causa da Teoria dos Jogos, sendo completamente ignorante em psicologia. Minha conclusão sobre histórias semelhantes é que o pensamento em Teoria dos Jogos pode melhorar o mundo.

Eron (sim, ele de novo) retruca: uma coisa que podemos concordar é que é útil pensar estrategicamente e se colocar nos lugar dos outros. Mas não concordo que tais percepções são pérolas provenientes da Teoria dos Jogos. Na verdade, se é isso que a Teoria dos Jogos tem a oferecer, então eu a consideraria banal, chata e sem sentido. E se essas idéias é o que você está procurando, então estou certo que você pode encontrar muitas delas em vários livros de auto-ajuda, cujos autores não tenham lido nenhuma página em Teoria dos Jogos. Eu entendo que a Teoria dos Jogos faz parte de seu raciocínio nessas histórias, embora acho que a maioria das pessoas não precisam de Teoria dos Jogos para poder fazer esse tipo de raciocínio. Você parece sugerir que está mais consciente do conselho "ponha-se no lugar do outro" não como um efeito colateral da sua pesquisa na Teoria dos Jogos e sim porque o conselho é, de alguma forma, o produto final.

Eilon se explicar melhor: Você está misturando as coisas. Existe muitas provas sofisticadas em Teoria dos Jogos onde as "pérolas" são as equações e soluções matemáticas. Mas o que os leigos precisam são regras simples, princípios e idéias que os ajudem a ser pessoas melhores, mais bem-sucedido, compreender melhor os seus vizinhos e o meio ambiente. E a Teoria dos Jogos os dá tais percepções. É este o objetivo da Teoria dos Jogos? Não, seu objetivo é provar teoremas matemáticos. Mas essas idéias são subproduto da teoria. E uma vez que os temos, por que não compartilhá-los com pessoas que podem usá-los em seu benefício?

Você está correto em dizer que muitas dessas idéias podem ser obtidas usando o bom senso. O ponto é que as pessoas não usam esses insights. Você acha que o presidente Obama (ou seus assessores) se colocou no lugar do primeiro-ministro israelense Benyamin Netanyahu antes de gastar tanta energia no processo de paz Israel-Palestina? A "Maldição do Vencedor" em leilões era um problema real, até que foi finalmente compreendida. Não estou certo de que ainda hoje todos os concorrentes em leilões realmente entendem. Milgrom tem muitas histórias de leilões que ficaram muito ruins para o vendedor porque foram mal concebidos. Assim, os insights que Teoria dos Jogos fornecem, ainda que possa parecer trivial para especialistas como você e eu, estão longe de ser trivial para o homem na rua. Para ele, são pérolas.

Eron rebate: Há duas maneiras de interpretar sua afirmação de que a Teoria dos Jogos melhora o mundo.

A: Os teóricos do jogo desde Von Neumann até Neyman, ao modelar, observar e experimentar, conseguiram descobrir duas verdades profundas: É útil pensar estrategicamente em situações estratégicas, e se colocar no lugar da outra pessoa. Agora essas verdades estão disponíveis para o mundo através do produto de uma "empresa intelectual" que chamamos de Teoria dos Jogos

B: Os teóricos do jogo, como subproduto de suas pesquisas, têm à sua disposição algumas ferramentas retóricas - um par de anedotas com jargão científico embaladas com terno e gravata - com os quais eles podem transmitir idéias como "pensar estrategicamente" com mais sucesso do que outros profissionais da auto-ajuda e seus jargões do tipo "como ficar rico no mercado em cinco passos".

Até agora eu não sei quais opções você está defendendo. Eu discordo do primeiro. Eu não tenho opinião clara sobre a segunda. A diferença entre as duas interpretações não está no nível da trivialidade de idéias como "pensar estrategicamente", mas se a Teoria dos Jogos é a responsável pela produção desses insights.

Aliás, seu primeiro parágrafo começa por dizer que eu misturo teoria e e prática e termina com as necessidades dos leigos. Eu não entendi a sua lógica aqui. Por "praticando" Teoria dos Jogos que você quer dizer "explicando Teoria dos Jogos para os leigos"? Eu não acho que isso é o que as pessoas normalmente querem dizer quando falam sobre a prática da ciência.

Eilon complementa: O que é prática? Isso pode ser diferente para pessoas diferentes. O presidente Obama pode querer aplicar a Teoria dos Jogos para diversas situações políticas: quando fazer declarações, quando pressionar esta ou aquela pessoa, quanto investir neste ou aquele projeto. Ben Bernanke, pode querer ver a sua aplicação a problemas na macroeconomia: os efeitos do aumento da taxa de juros, ou quando aumentar um determinado imposto.

Eu acho que a Teoria dos Jogos dá uma ajuda limitada aqui, temos modelos que fornecem insights, mas a realidade é frequentemente mais complexas e nossos modelos podem acabar desconsiderando aspectos importantes.

Mas o presidente Obama e Ben Bernanke não são as únicas pessoas no mundo. Na verdade, a maioria das pessoas não se preocupam com o que a Teoria dos Jogos tem a dizer sobre os problemas que afligem esses dois caras. Aplicar a Teoria dos Jogos seria trivial para nós, mas não para a maioria das pessoas. Identiciar os participantes na situação que você enfrenta, identificar seus objetivos, quais são as informações disponíveis para você, qual é a informação disponível para os outros jogadores, se você deve revelar suas informações ou escondê-la, a maldição do vencedor, o uso da punição, a utilidade não é a renda monetária. Na verdade, como você disse, esses são os tipos de idéias que você espera encontrar nos livros de auto-aperfeiçoamento. Mas é uma coisa tão má? Quanto mais você consulta, mais você percebe que essas são as observações simples que as pessoas precisam.

Será que os teóricos jogo inventaram essas idéias? Nem um pouco. Son Tzu, o autor de "A Arte da Guerra" alcançou percepções semelhantes há 2500 anos. Nicolau Maquiavel fez isso 500 anos atrás. Estou certo de que outros o fizeram também. Então você não precisa de Teoria dos Jogos para chegar a essas idéias, mas certamente a Teoria dos Jogos ajuda.

Nós somos treinados para pensar de forma estratégica e, portanto, esses pontos parecem banais para nós. Quando uma situação nos é apresentada, podemos fazer perguntas sobre as implicações que as pessoas não familiarizadas com a Teoria dos Jogos podem não perguntar. Esta é, aliás, a razão pela qual você será contratado como um consultor.

Espero que agora você possa interpretar melhor a minha opinião. A Teoria dos Jogos pode melhorar o mundo porque ela pode ajudar o homem leigo. Ela também pode ajudar os caras grandes como Obama e Bernanke para tomar decisões melhores, mas esta afirmação será mais convincente se escrita por um economista sério, e não por mim. Assim, a minha interpretacåo a meu ver é muito mais do que uma comparação entre A e B, é menos ridícula da forma que você apresentou.

E eu (Fernando Barrichelo) também escrevi: Eilon e Eran, eu gosto muito das suas discussões. Tenham certezam que vocês estão melhorando o mundo apenas por postarem e apresentarem seus argumentos.

Deixe-me dar minha opinião aqui. Eu sou uma pessoa leiga neste contexto (não sou matemático e economista, sou engenheiro com MBA). Mas eu sou outra pessoa desde que eu aprendi a Teoria dos Jogos. Eu gosto a matemática que embasa a teoria, mas o que eu mais gosto é que a Teoria dos Jogos ajuda a estruturar o raciocínio.

Saber algumas anedotas intelectuais com modelos formais, pensar nos incentivos em termos de matriz de payoff, colocar-se no lugar dos concorrentes antes de tomar a minha decisão, entender a diferença entre um jogo de uma interação só e as situações interativas infinitas, e muito mais, são muito úteis. Eu não pensava desta forma antes de aprender a Teoria dos Jogos.

Sim, é verdade, eu poderia aprender tudo isso em outras disciplinas, da mesma forma que eu aprendi outros conceitos úteis como custo afundado, custo marginal, valor presente, etc. Eles também mudar a minha maneira de pensar.

Poderíamos dizer que esses insights não tem origam a Teoria dos Jogos. No entanto, foi a Teoria dos Jogos que fez isso para mim, e tenho certeza que pode fazer o mesmo para os outros. Afinal, todos os conceitos já estão agrupados na Teoria dos Jogos. Então, por que não usá-los para ensinar a pensar estrategicamente? Não é o único caminho, mas é uma maneira poderosa para complementar aulas de estratégia e economia.


E na defesa sobre a utilidade, Eilan continua em outro post:

"Para que serve a Teoria dos Jogos?"

Por que estudar a Teoria dos Jogos? Como um matemático, a minha resposta é que a Teoria dos Jogos é matematicamente interessante. Eu fico satisfeito enquanto eu posso estudar modelos interessantes, desenvolver técnicas para resolver problemas e provar resultados difíceis.

Mas alguns de nós estão mais próximos do mundo real do que eu, e afirmam que a Teoria dos Jogos está relacionada a problemas reais. No entanto, sabemos que dificilmente as situações interativas que encontramos na vida real se encaixam em algum modelo de Teoria dos Jogos. O Dilema do Prisioneiro, citado por qualquer pessoa quando menciona Teoria dos Jogos, tem uma matriz de recompensas que não corresponde a interação real. Será que não existem conseqüências para as decisões dos presos? A matriz consegue identificar corretamente as utilidades dos presos? As utilidades são de conhecimento comum? Tenho certeza de que quem lê este post vai ser capaz de levantar mais problemas sobre a representação do jogo do Dilema do Prisioneiro.

Os leilões são outra aplicação, amplamente citado da Teoria dos Jogos, onde uma sólida teoria foi desenvolvida. Mas tome um leilão dos mais simples, do tipo envelope fechado com vencedor da maior oferta. Concorrentes disputam um contrato de fornecimento de bens específicos para alguma empresa (comum na vida real). O seu private value é $1M. Qual é a probabilidade do private value do adversário ser $1,1, $1 ou $0,9M? Dá um tempo, ninguém pode dizer. E o que o outro licitante pensa sobre o seu private value? A distribuição dos valores é de conhecimento comum? Como você vê, a grande teoria dos livros não oferece muita ajuda.

Mesmo assim, acho que a Teoria dos Jogos é útil. De fato, muito útil. E pessoalmente, eu uso diariamente. A meu ver, em qualquer interação a Teoria dos Jogos identifica os aspectos que cada participante deve considerar antes de escolher uma ação. O modelo básico da Teoria dos Jogos nos diz que devemos identificar o jogo: quem são os jogadores, quais são as suas ações, quais são seus objetivos. Quando o jogo for repetido, a teoria nos diz que a coordenação pode ser conseguida por meio de ameaças. Jogos sequenciais chamam nossa atenção para os promessas e reputação. Em suma, a meu ver, as pessoas que usam Teoria dos Jogos na "vida real" desenvolvem modelos que fornecem insights sobre como entender melhor os vários tipos de situações interativas.

Eran retruca: minha experiência pessoal é completamente diferente. Eu não uso a Teoria dos Jogos no dia a dia, e na verdade não me lembro de uma única instância em minha vida quando eu conscientemente usei. Assim, por exemplo, eu não acredito que meu conhecimento sobre jogos repetidos mudou o meu comportamento nas interações de longo prazo com outras pessoas e certamente não entra o meu raciocínio em tais situações.

Eilon complementa: a Teoria dos Jogos não inventou nada. Ele explica os fenômenos. E como tal, tenho certeza que pessoas inteligentes, sem qualquer experiência em Teoria dos Jogos pode explicar os fenômenos também. Eu acho que a questão não é se as pessoas inteligentes usando apenas o seu senso comum poderiam ter a mesma conclusão que nós teóricos dos jogo chegamos, mas se elas conseguem fornecer uma explicação clara para certos fenômenos. Tomemos por exemplo a "Maldição do Vencedor". Este era um problema real na década de 50, e a Teoria dos Jogos explicou o erro de licitantes. Como não foi possível alguém inteligente chegar à mesma conclusão antes? Claro, alguém até pode ter feito isso, mas a Teoria dos Jogos deu uma explicação muito elegante a este fenómeno. Ou pegue o exemplo de desenhar um leilão. Qualquer pessoa pode lançar um leilão de primeiro preço, mas é a arte de desenhar um leilão que gera altas receitas para o vendedor. Uma pessoa esperta pode fazê-lo, certamente, mas a Teoria dos Jogos pode explicar porque um bom desenho de uma pessoa inteligente funciona, e talvez possa melhorá-lo. No fim, acho que a teoria ajuda a tomar decisões melhores.

E qual a minha opinião? Eu acho a Teoria dos Jogos é útil para melhorar o raciocínio estratégico. Também admito que aplicação prática não é fácil, nem direta. Mas não me preocupo com isso. Várias outros conceitos da Economia e Estratégia ensinados nas universidades também são bem diferentes da Física aplicada - são teorias que ajudam o indivíduo a ter um background mais abrangente para fazer livre associação quando necessário. Alguns exemplos:
- as Cinco Forças de Porter (em Estratégia): o conceito é bastante interessante e abre a visão para encarar a concorrência, mas nunca vi ninguém usá-lo no dia a dia, e vi quase nada nas apresentações estratégicas dentro da empresa onde trabalho e nas empresas de amigos.
- Sunk Cost, ou custo afundado (em Economia): talvez as pessoas raciocinem de acordo com o Sunk Cost sem saber o conceito; quando o aprendem dizem "a-ha! então existe um conceito formal por trás disso!".

Teoria dos Jogos é um estudo formal. Incorporá-la é tão útil quanto incorporar todos os outros estudos formais, como Economia, Filosofia ou Psicologia. Quanto mais teoria você tem no seu background, mais você fará associações e analogias para colocar em prática e, principalmente, você vai se expressar de forma convincente, transmitir os conceitos e ensinar outras pessoas.

 
(1) Mais informação sobre Ariel Rubinstein no site pessoal (http://arielrubinstein.tau.ac.il) e perfil na Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Ariel_Rubinstein)

(2) Os blogs com repercussão, recomendo ler nesta sequência, incluindo os comentários:
- http://theoryclass.wordpress.com/2010/10/12/ariels-afterword/
- http://cheeptalk.wordpress.com/2010/10/06/rubinsteins-afterward/
- http://theoryclass.wordpress.com/2010/10/14/does-game-theory-improve-the-world/
- http://theoryclass.wordpress.com/2010/04/26/what-is-game-theory-good-for/

(3) Em outro texto, Rubinstein responde a entrevista no livro Game Theory: Five Questions, publicado aqui, onde ele também questiona algumas utilidades da Teoria dos Jogos.



Ehud Kalai: as especializações da Teoria dos Jogos
 
Ehud Kalai, ex-presidente do Game Theory Society, em palestra no 2o Congresso da Game Theory Society em 2004, disse que o estudo dos jogos se expandiu tão significantemente além das duas principais teorias (cooperativa e não-cooperativa) que no estágio atual a Teoria dos Jogos requer especialização.

Assim, ele dividiu a pesquisa atual em Teoria dos Jogos em treze principais especialidades (com colaboração de Aumann, Schmeidler e Wilson):

1. TEORIA DOS JOGOS NÃO-COOPERATIVOS (Noncooperative Game Theory): estuda o comportamento de jogadores maximizadores de ganhos que levam em consideração todas as informações e estratégias

2. TEORIA DOS JOGOS COOPERATIVOS (Cooperative Game Theory): estuda como as considerações de eficiência, justiça e estabilidade direcionam a alocação de custo e benefício de coalisões de jogadores racionais

3. TEORIA DOS JOGOS EMPÍRICO/HISTÓRICO (Empirical/Historical Game Theory): estuda o comportamento passado e atual de jogadores no mundo real

4. TEORIA DOS JOGOS COMPORTAMENTAL (Behavioral Game Theory): usa pesquisas e experimentos de laboratório para estudar comportamento de jogadores

5. TEORIA DOS JOGOS EVOLUCIONÁRIA (Evolutionary Game Theory): estuda jogos guiados por princípios como imitação e sobrevivência dos mais ajustados

6. TEORIA DOS JOGOS ALGORÍTIMICA/ARTIFICIAL (Algorithmic/Artificial Game Theory): estuda assuntos de complexidade computacional, comportamental e de informação em jogos feitos por jogadores humanos ou computadores

7. EPISTOMOLOGIA INTERATIVA (Interactive Epistemology): estuda o assunto de conhecimento, incluindo o conhecimento sobre o conhecimento

8. JOGOS COMBINATÓRIOS (Combinatorial Games): lida com assuntos matemáticos particulares aos jogos

9. TEORIA DA DECISÃO NÃO-BAYESIANA (Non-Bayesian Decision Theory): se concentra no processo decisório sob incertezas, quando se relaxam ou substituem as premissas bayesianas da teoria clássica

10. ESTUDOS NEUROLÓGICOS DOS JOGOS (Neurological Studies of Games): lida com atividades psicológicas observadas durante o jogo

11. JOGOS ECONÔMICOS (Economic Games): usa as ferramentas acima para ganhar insights nas interações estratégicas-econômicas e a performance de sistemas econômicos

12. JOGOS POLÍTICOS (Polítical Games): usa as ferramentas acima para ganhar insights nos comportamentos políticos-estratégicos e a performance de sistemas políticos e sociais

13. ENGENHARIA DE JOGOS (Game Engineering): usa o conhecimento teórico e comportamental na construção de efetivos jogos no mundo real e suas estratégias.

Esta divisão didática ajuda a focar melhor no que desejamos para o mundo empresarial - os Jogos Econômicos (11) e a Engenharia dos Jogos (13) e assim nos especializarmos neste seguimento.

No lugar de desenvolver novos modelos matemáticos para encontrar equilíbrios nos jogos, ou desenvolver modelos que capturem em fórmulas os comportamentos de jogadores com racionalidade integral ou limitada, é muito mais útil aos executivos de empresas usar as ferramentas teóricas como insights para reagir diante de situações estratégicas no mundo dos negócios.

 
Insights do Paper publicado na revista Games and Economic Behavior, Volume 63, Número 2, Julho 2008, página 421



O que Teoria dos Jogos precisa melhorar, segundo três "Prêmios-Nobel"
Comentários de três acadêmicos premiados com Nobel de Economia
 
Ao participar do Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society (Kellogg Schooll, Evanston, IL, EUA, 12/7 a 17/7/08), assisti a um painel com três acadêmicos que ganharam o Nobel de Economia com contribuições em Teoria dos Jogos.

Uma das perguntas foi: onde a Teoria dos Jogos ainda precisa se desenvolver?

A resposta: não falta desenvolver algo muito novo na parte teórica (não há nada pendente de solução). Entretanto, comentaram que o grande desafio é transformar a Teoria do Jogos em algo mais aplicável e mais acessível ao público comum.

Da esquerda para direita: Maskin, Myerson e Aumann

Algus detalhes:

1. ROBERT AUMANN

Disse que em setembro de 2001 ele estava na conferência de Teoria dos Jogos em StoneBrook, vizinho de Nova York. Terminado o evento ele queria passar o final de semana em NY. Pegou um taxi de manhã e o taxista respondeu: não dá, não está sabendo da confusão? Qual? Aviões bateram nas Torres Gêmeas, está uma correria. Melhor não ir para lá. Mas Aumann não queria passar o final de semana em StoneBrook. Insistiu. E nunca chegou tão rápido - o trânsito estava livre e maravilhoso.

Daí pergunta para a platéia: "O que isso tem a ver com Teoria dos Jogos?"

Após silêncio, continuou. Imagine um GPS. O GPS é um ótimo mapa, mas não transmite informação sobre tráfego e congestionamentos. Se o aparelho dissesse que naquele momento há um acidente em certo local, todo mundo iria desviar e congestionar outro ponto da cidade. Assim, o melhor caminho seria justamente as ruas do acidente.

E complementa: "O maior desafio da Teoria dos Jogos são as aplicações práticas".


2. ROGER MYERSON

Segundo Myerson, falta um livro no mercado que faça um resumo de todos os modelos e aplicações da Teoria dos Jogos para ensinar as escolas. Existem alguns que ele usa nas aulas que ministra, dos quais ele considera como melhor o usado na graduação de economia, e não os usados nos mestrados e doutorados.

Para ele, o que falta é conseguir converter Teoria dos Jogos para aqueles que não tem familiaridade com o ramo, caso contrário teoria continuará confinada no meio acadêmico.


3. ERIC MASKIN

Para Maskin, um assunto recente é o Behavioral Economics (Economia Comportamental). Segundo ele, essa teoria não é totalmente compreendida e há espaço para aprofundamento.

O grande desafio é integrar a Teoria Comportamental com Teoria dos Jogos num MESMO framework, tornando a aplicação na vida real mais viável.



Obs1: Kellogg School depois publicou uma nota sobre este painel em seu site. Veja aqui.

Um trecho interessante é:

“Cooperative game theory, by its very nature, takes a broader view,” said Maskin, adding that another area of economics — behavioral — had demonstrated considerable development but remained “just a collection of anomalies” at the moment. Maskin said he would like to see efforts to integrate behavioral economics within game theory.

For his part, Myerson pointed out “a big problem” facing game theorists who are educating the next generation of scholars: “What models do you want to teach undergraduates?” he asked. “The question of how you export game theoretic insights in systematic ways for students who are not going to be game theorists, that’s our job.”

Aumann, a professor at the Hebrew University of Jerusalem who earned his Nobel Prize in 2005 for work in enhancing the understanding of cooperation and conflict using game theoretical analyses, reminded the audience that “some disciplines, like mountain climbing … have very visible challenges,” making it easier to see the road ahead. For game theory, and indeed for most sciences, Aumann said it’s less evident how the field will develop. “It doesn’t become obvious what’s important until much later,” said Aumann, providing an example from genetic research: “Before the discovery of DNA, you couldn’t say ‘Go discover DNA.’”


Obs2 - Veja o site oficial do Prêmio Nobel (http://nobelprize.org/index.html)

Robert Aumann ganhou o prêmio em 2005 "for having enhanced our understanding of conflict and cooperation through game-theory analysis" segundo esta página

Roger Myerson e Eric Maskin ganharam o prêmio em 2007 "for having laid the foundations of mechanism design theory", segundo esta página

 



Marilda Sotomayor: Teoria dos Jogos ensina a pensar
 
Cópia de texto original do blog http://ph-acido.blogspot.com/2006/01/teoria-dos-jogos-ensina-pensar.html

Por ser interessante, abaixo a transcrição exata para facilitar a leitura e pelo fato do link ser público.

Teoria dos jogos ensina a pensar

Terça-feira, Janeiro 17, 2006

A seguir, uma entrevista que fiz com a professora Marilda Sotomayor, da FEA-USP, e que não pude aproveitar para a matéria que publiquei no Valor - por causa do deadline. Uma das maiores autoridades em teoria dos jogos do país, a professora resumiu em um único texto as sete perguntas abaixo.

1. Qual o papel da teoria dos jogos na teoria econômica atual?

2. A teoria dos jogos está cada vez mais presente nos livros-texto de microeconomia. Ela é parte da teoria neoclássica? O conceito de racionalidade dos agentes é a mesma nas duas teorias?

3. Como a senhora analisa os dois prêmios Nobel dados à teoria dos jogos? Quero dizer, quais as características dos laureados deste ano e quais as dos vencedores em 1994?

4. No livro Theory of Games and Economic Behavior, von Neumann e Morgenstern argumentavam que a economia precisava ganhar estatus de ciência, como a física - o grande paradigma para eles. A senhora acha que a Teoria dos Jogos foi uma tentativa de axiomatização da economia, uma forma de trazer a uma "ciência social" os padrões epistemológicos das chamadas "ciências duras"?

5. O comitê que define os vencedores do prêmio do Banco da Suécia também premiou, em 2002, pesquisadores (Kahnemann e Tversky) cujas pesquisas de economia aplicada, de alguma forma, contrariavam os conceitos da teoria dos jogos sobre o comportamento das pessoas. O que a senhora pensa disso?

6. Como está o ensino de teoria dos jogos no Brasil? As escolas estão atualizadas?

7. Alguns economistas considerados não-ortodoxos questionam o uso de teoria dos jogos como sendo mais uma das tentativas de matematizar uma realidade muito mais complexa, incapaz de caber nos modelos matemáticos. Qual a sua opinião?

Respostas:

Sem ir a fundo no que voce quer saber, o que posso lhe dizer é que Teoria dos Jogos tem representado um papel fundamental na Teoria Econômica. Robert Aumann costuma dizer nas suas conferências que a maior aplicação de Teoria dos Jogos à Economia é em Jogos Cooperativos, contrariamente à opinião de muitos economistas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma central que usa um algoritmo para distribuir os médicos que terminam as Escolas de Medicina pelos hospitais onde devem fazer um ano de residência. Esse mecanismo, chamado National Residence Matching Program (NRMP), existe desde de 1951, com participação voluntária de 90% dos médicos e hospitais. Mas antes disso, o mecanismo era descentralizado, com os hospitais fazendo ofertas aos candidatos por telefone, um procedimento parecido ao que acontece hoje no Brasil com omercado de admissão dos estudantes de economia aos cursos de pós-graduação da ANPEC.

Esse procedimento tinha regras que mudavam praticamente a cada dois anos, pois não conseguiam chegar a uma alocação dos médicos aos hospitais que fosse satisfatória para todos os participantes. Quase sempre sobravam vagas em hospitais bem conceituados, e médicos com bons currículos ficavam sem poder fazer a residência. Este processo de ensaio e erro perdurou por 50 anos.

A explicação do insucesso do procedimento antes de 1951 e do sucesso do mecanismo atual, que já dura mais de 50 anos sem sofrer alteração, é dada através da teoria dos jogos cooperativa. De fato, a teoria dos jogos prega que o conceito de equilíbrio cooperativo em jogos em que a principal atividade dos jogadores é a formação de coalizões (grupos de jogadores) é dado pelo conceito de núcleo. Neste mercado, uma alocação em que existem um hospital e um candidato tais que o hospital prefere o médico a algum daqueles alocados a ele e o candidato prefere o hospital àquele para o qual foi alocado, não está no núcleo do jogo.

Num artigo meu com David Gale, de 1985, é provado que a alocação produzida pelo algoritmo usado pelo NRMP está no núcleo do jogo cooperativo e que as falhas na organização do mercado antes de 1951 levavam a alocações fora do núcleo. Assim, a alocação produzida antes de 1951 não era um equilíbrio cooperativo, enquanto que a produzida pelo algoritmo o é. É, portanto, a constatação na prática da teoria, num experimento natural de organização de mercado!

Este fato tem sido citado por Aumann frequentemente. É claro que os modelos teóricos do jogo, como todo modelo matemático, não podem retratar fielmente a realidade e nem se propõem a isso. No entanto, eles têm um compromisso com a realidade e através deles muitos mercados têm sido estudados e melhor compreendidos, o que têm ajudado as instituições criadas para organizar tais mercados.

Veja o que aconteceu, por exemplo, com os modelos de jogos de matching de dois lados ao longo dos últimos vinte anos. Esses jogos que modelam mercados de trabalho em nível de entrada, mercados de compra e venda, mercados de admissão de candidatos à instituições, leilões, etc, deixaram de ser apenas modelos de matemática pura para tornarem-se parte importante do campo emergente de Desenho de Mercados.

Com raras exceções, os mais renomados teóricos do jogo são matemáticos, como Aumann, Nash, David Gale, Shapley, Sergiu Hart, Hervé Moulin, etc. Os melhores centros de Teoria dos Jogos pertencem a Departamentos de Matemática, como em Israel e Rússia. No Brasil, todos os cursos de jogos são oferecidos por departamentos de Economia e o ensino dessa disciplina ainda deixa muito a desejar.

Além de não ser ensinada em muitas universidades brasileiras, a USP/SP é, até que eu saiba, a única que oferece jogos cooperativos a alunos de graduação e pós-graduação. No congresso internacional que organizei na USP, em 2002, Aumann ministrou um mini curso de jogos cooperativos. Tivemos 70 alunos brasileiros, vindos das mais diversas universidades brasileiras, comoPUC/RJ, FGV/RJ, UFRJ, Unicamp, UnB, etc. Tenho defendido que o ensino de teoria dos jogos deveria ser feito nas escolas secundárias brasileiras.

Meus alunos sempre me dizem, quando o meu curso de jogos na USP termina, que estão deixando o curso com "a cabeça diferente". O ponto é que ensinamos matemática às crianças com o intuito de ensiná-las a pensar. No entanto, elas têm dificuldades com os números e assim nem sempre conseguimos alcançar nosso objetivo. Com a teoria dos jogos nao precisamos dos numeros...

Quanto ao Nobel, era esperado há bastante tempo que Aumann o ganhasse um dia. Só que dividido com Lloid Shapley, com quem, inclusive, Aumann fez diversos trabalhos importantes. Costumava-se dizer: "Aumann é o papa da Teoria dos Jogos, mas Shapley é o deus!"

 
Link original http://ph-acido.blogspot.com/2006/01/teoria-dos-jogos-ensina-pensar.html



Ariel Rubinstein: o uso da Teoria dos Jogos
 
O livro Game Theory: 5 questions apresenta uma entrevista de 5 perguntas a vários teóricos dos jogos renomados.

Abaixo uma seleção (tradução adaptada) de parte das respostas de Ariel Rubinstein.

Por que você ficou inicialmente interessado em Teoria dos Jogos?

Eu poderia dizer que é o nome dada a essa engenhosa disciplina - Teoria dos Jogos - que me atraiu. Duvido que eu teria escolhido um campo chamado "Teoria da racionalidade e da tomada de decisões em situações economicamente interativas". Mas, na verdade meu primeiro encontro com a teoria dos jogos foi uma decepção. No meu segundo ano de graduação (1972-3), eu tentei um curso ministrado pelo Departamento de Matemática, intitulado Introdução à Teoria dos Jogos. Lembro-me que o auditório estava cheio e o professor muito entusiasmado. Ele começou o curso com alguns teoremas abstratos sobre convexidade. Sai antes do final da primeira classe.

Eu também poderia dizer que eu escolhi a Teoria dos Jogos porque eu queria melhorar minhas habilidades estratégicas para as aventuras do futuro ou para melhorar minhas habilidades de negociação em mercados ao ar livre em Jerusalém. Mas isso não seria justo também. Eu nunca pensei na Teoria dos Jogos como sendo útil em um sentido prático. Na verdade, fiquei bastante chocado em 1987 quando eu descobri pela primeira vez que alguns dos meus colegas teóricos econômicos acreditavam que um modelo poderia ser confirmado em laboratório usando dados reais e empíricos.

As sementes do meu interesse em Teoria dos Jogos foram plantadas durante a minha graduação em matemática na Universidade Hebraica. Enquanto eu admirava a beleza intelectual do material, eu tinha uma vaga noção de que, apesar de seu caráter abstrato, a matemática tinha alguma ligação com a vida real. Então, eu tentei sobrepor os modelos matemáticos sobre o tema que ocupou meus pensamentos desde então: o reino da interação humana. Em algum lugar entre a matemática e o estudo da interação humana, a Teoria dos Jogos que me esperava.


Que exemplo(s) de seu trabalho (ou o trabalho dos outros) ilustra o uso da teoria dos jogos para os estudos básicos e/ou aplicações?

Implícito nesta questão é a idéia de que a Teoria dos Jogos pode e provavelmente deve ser avaliada de acordo com sua utilidade. A frase "o uso da teoria dos jogos", que aparece na pergunta, soa semelhante a "o uso da física no projeto de foguetes" ou "o uso da biologia na identificação de doenças genéticas." Na minha opinião, não é análogo.

A discussão sobre a utilidade da Teoria dos Jogos é carregada de emoção e sujeita a equívocos. A terminologia cotidiana da teoria dos jogos atrai a atenção das pessoas, mas pelo motivo errado. Os seres humanos estão ansiosos para encontrar soluções profissionais para os problemas que precisam resolver. Olham para as técnicas e idéias para melhorar suas habilidades estratégicas, como se fosse musculação para reforçar as suas habilidades atléticas. Em meus trinta anos de profissão ainda não encontrei um único caso em que a Teoria dos Jogos tenha proporcionado a solução de um problema real e não encontrei nenhuma evidência de que tenha a capacidade de melhorar o pensamento estratégico.

Um artigo que li no jornal israelense "Haaretz", enquanto escrevo este ensaio, demonstra a confusão do público sobre a Teoria dos Jogos. Um ex-político estava escrevendo sobre a atual tensão entre Irã e Israel. Ele afirma que a Teoria dos Jogos já é capaz de explicar as interações entre dois jogadores racionais. Ele também afirma que, segundo a Teoria dos Jogos, um jogador irracional tem uma vantagem sobre um racional. (Na minha opinião, isso é um mito promovido por radicais que querem convencer as pessoas racionais para agir de forma leviana). Mas então, ele alega que no momento ninguém sabe como analisar um jogo entre dois jogadores irracionais. Ele passa a assumir que o Presidente do Irã é irracional e que o governo israelense aprovou recentemente uma estratégia irracional através da nomeação de um dos políticos mais controversos para lidar com ameaças estratégicas. Isso o levou-o a recorrer a Teoria dos Jogos, e Robert Aumann, em particular, para "nos salvar".

Essa pessoa, obviamente, leva a Teoria dos Jogos muito a sério quando afirma que a Teoria dos Jogos é útil. Esta alegação é feita frequentemente. Quase toda pesquisa e textos em Teoria dos Jogos começa com uma frase como "A teoria dos jogos é útil em uma ampla gama de campos - na Botânica, Zoologia e Medicina, passando pela Economia, Administração, Ciência da Computação e Política até História e Estudos Bíblicos". No entanto, o fato do "Dilema do Prisioneiro" ser mencionado em um texto não significa que ele seja uma aplicação da Teoria dos Jogos. E o fato de que os teóricos do jogo estarem envolvidos em uma discussão não significa que exista uma aplicação da Teoria dos Jogos.

Lembremo-nos que os teóricos do jogo e os economistas são, no final, apenas humanos. Paradoxalmente, assumimos que todo agente no mundo é egoísta, manipulador e age para conquistar seus próprios interesses, mas de alguma forma não estamos acostumados a pensar em nós mesmos desta forma quando se avalia a utilidade dos nossos próprios modelos.

Acredito que um dos objetivos da sociedade deve ser a busca do conhecimento para seu próprio benefício. Para mim, a Teoria dos Jogos é uma investigação sobre as formas pelas quais os seres humanos pensam em situações interativas. Mesmo que a Teoria dos Jogos não tenha nenhum uso prático, ela ainda tem valor como parte de nossa investigação contínua da mente.


Qual é o verdadeiro papel da teoria dos jogos em relação a outras disciplinas?

Qual seria uma resposta à seguinte pergunta: "Qual é o papel apropriado da lógica em relação a outras disciplinas?" Eu diria que se a palavra "lógica" for substituída por "Teoria dos Jogos" a resposta a essa pergunta seria a mesma.

Há muitas semelhanças entre a lógica e a Teoria dos Jogos. Considerando que a lógica é o estudo da verdade e da inferência, Teoria dos Jogos é o estudo das considerações estratégicas. A lógica é motivada pela forma como usamos as noções da verdade e consequências na vida diária, enquanto a Teoria dos Jogos é motivada por considerações estratégicas que usamos na vida diária.

Tanto a lógica e a Teoria dos Jogos são analisados através de modelos formais. A lógica não induz as pessoas a pensar de forma lógica assim como a Teoria dos Jogos não induz as pessoas a pensar estrategicamente. Então, qual é o papel da lógica ou da Teoria dos Jogos em relação a outras disciplinas? A resposta é simplesmente que ambos fornecem um conjunto de idéias e ferramentas bem embasadas para uso em outras disciplinas.
 



Robert Aumann: para atingir a paz não se pode fazer concessões
Ele discute sobre paz e conflito entre paises
 
Robert Aumann deu uma entrevista interessante à Revista Veja.

Como curiosidade: encontrei-o pessoalmente no evento Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society (Evanston, IL, EUA, 12/7 a 17/7/08). Ele participou de uma plenária, a qual eu cito meu texto O que Teoria dos Jogos precisa melhorar, segundo três "Prêmios-Nobel" (inclusive há uma foto dele).

Reproduzi abaixo alguns dos trechos desta entrevista. A texto completo está no link da revista.

Robert Aumann recebeu, em 2005, o Prêmio Nobel de Economia por seus estudos na área da Teoria dos Jogos. Suas teses ajudam a compreender os princípios que regem os conflitos e como se consegue convencer adversários a cooperar entre si. As teorias do judeu ortodoxo de 79 anos têm aplicação prática na economia, na diplomacia, em política e até em religião. Aumann começou a se interessar pelo assunto na década de 50, depois de conhecer John Nash – vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1994 – e de receber a missão de desenvolver estratégias de defesa para os Estados Unidos em plena Guerra Fria. Aumann nasceu na Alemanha e sua família emigrou para os Estados Unidos em 1938, para fugir do nazismo. Um de seus filhos morreu na primeira guerra do Líbano, em 1982. Aumann, que vem ao Brasil no próximo dia 9 para uma série de palestras, concedeu a seguinte entrevista a VEJA, de sua sala na Universidade Hebraica de Jerusalém.

O que é a Teoria dos Jogos?
É uma ciência que examina situações em que dois ou mais indivíduos ou entidades lutam por diferentes objetivos, nem sempre opostos. Cada jogador tem consciência de que os outros também agem de forma a atingir as próprias metas. Um exemplo óbvio são os jogos recreativos ou esportivos, como o xadrez, o pôquer e o futebol, em que todos os participantes possuem metas próprias. No xadrez, cada peça movida por um jogador desencadeia uma série de reações no adversário. A compra de uma casa também pode ser analisada por meio da Teoria dos Jogos, mas sugere um cenário completamente diferente, pois o comprador tem objetivos comuns aos do vendedor. Ambos estão interessados em que o negócio se concretize. Alguns aspectos da negociação, porém, são opostos, porque o comprador quer um preço mais baixo e o vendedor um preço mais alto. Nessa disputa, o comprador analisa os movimentos do vendedor, e vice-versa. Cada um pensa sob o ponto de vista do outro para elaborar uma maneira de atuar. O mesmo vale para a política ou para a guerra. Minha pesquisa consiste em analisar as estratégias de situações interativas como essas.

Há fórmulas matemáticas para analisar as estratégias possíveis?
Não há uma fórmula matemática universal, mas existem conceitos fundamentais na Teoria dos Jogos, como a noção de equilíbrio. Esse conceito foi inventado por John Nash, a quem a maioria das pessoas conhece pelo filme Uma Mente Brilhante (com Russell Crowe no papel do cientista). Nash desenvolveu a noção do ponto de equilíbrio, que ocorre quando cada jogador encontra sua maneira ideal de atuar no jogo. Cada um, portanto, cria sua melhor estratégia possível, levando em conta o que o outro está fazendo. Para cada tipo de situação há fórmulas diferentes a ser aplicadas.

Nash ganhou o Prêmio Nobel por sua teoria do ponto de equilíbrio e o senhor por ter dado um passo além, com a Teoria dos Jogos Repetitivos. Em que elas diferem?
A base conceitual é a mesma. Mas a maneira de as pessoas se comportarem no jogo repetitivo é diferente. Quando se joga o mesmo jogo repetidas vezes, o comportamento de um jogador hoje afeta a atuação do outro amanhã, e assim por diante. Minha teoria vê toda essa repetição como um único jogo e determina qual é o equilíbrio do processo inteiro. A conclusão é que, em uma situação repetitiva – uma negociação que se estende por várias rodadas, por exemplo –, é mais fácil conseguir cooperação entre as partes. A ideia básica dessa teoria é o uso de incentivos. No ponto de equilíbrio de um jogo, cada um faz o que é melhor para si. Para convencer o outro a fazer algo que é bom para você, é preciso dar a ele motivos para que o ajude.

Se fazer concessões não ajuda, que tipo de incentivo pode acabar com um conflito?
É preciso dizer na mesa de negociação: "Não vamos aceitar essas demandas e, se vocês insistirem nelas, vamos revidar com violência". Há dois tipos de incentivo: a cenoura e o porrete. Theodore Roosevelt dizia para falar com suavidade, mas ter sempre à mão um porrete. Se Chamberlain tivesse dito a Hitler em 1938 em Munique que não aceitaria certas demandas, Hitler teria de recuar, porque não estava ainda preparado para a guerra. Na crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o presidente americano John Kennedy deixou claro aos russos que, se os mísseis não fossem retirados da ilha, os Estados Unidos agiriam. Com isso, Kennedy conseguiu a paz.

Foi a partir desse ponto que a Guerra Fria atingiu seu equilíbrio?
Exato. A Guerra Fria nunca esquentou porque nenhum dos lados cedeu às demandas do outro além de determinados limites. Havia aviões carregando armas nucleares no ar 24 horas por dia, 365 dias por ano, durante mais de quarenta anos. Em um jogo, algumas concessões podem ser necessárias, mas sempre com uma contrapartida. Do contrário, o adversário torna-se mais e mais intransigente e segue em frente com seus planos, sentindo-se impune.
 



Freakonomics: sobre Schelling e Teoria dos Jogos
Texto retirado do livro Freakonomics
 
Steven Levitt postou em seu blog uma resenha interessante sobre Thomas Schelling, autor de Strategy of Conflict, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2005. Esta é a versão contida na 2a edição em português do Freakonomics.

Mudei de endereço dez vezes desde que me formei na faculdade. E em todas essas vezes sempre me peguei olhando para a velha e mal­tratada caixa de cadernos da faculdade e me perguntando se nao seria hora de joga-la fora. Afinal, ela já tinha 15 anos e jamais fora aberta uma única vez.

O fato de Thomas Schelling abocanhar o Premio Nobel de Economia finalmente me deu motivos para abrir a caixa. No meu segundo ano de faculdade tive aula com Schelling. Acredito que o curso se chamava algo do tipo "Conflito e Estrategia". Ainda tenho uma clara lembrança das aulas. Um Schelling de corte escovinha andava para lá e para cá no tablado jamais lendo anotações, contando uma história atrás da outra para ilustrar a aplicação dos conceitos simples da teoria dos jogos na vida cotidiana. (...)

Para mim, essa primeira apresentação à teoria dos jogos foi estimulante. Para alguém que pensa de forma estratégica, ou gostaria de pensar assim, as ferramentas básicas da teoria dos jogos sao essenciais. A beleza das aulas de Schelling residia em vislumbrar como era fácil a matemática e com que presteza ela podia ser aplicada as situações do mundo real. Os tópicos do curso eram básicos: o Dilema do Prisioneiro, na primeira aula; o modelo "ponto focal", do próprio Schelling, nas segunda e terceira aulas; a trágedia dos recursos comuns e do bem público em seguida. Depois, vinham os movimentos estratégicos de compromisso, as ameaças críveis e nao­críveis e estratégias e táticas para controlar o próprio comportamento (para quem não sabe, Schelling cunhou o termo "ponto focal" trinta anos antes de Malcolm Gladwell popularizá-lo).

Qualquer economista poderia ensinar essas disciplinas em sala de aula, mas ninguém as teria ensinado como Schelling. Cada conceito vinha acompanhado de uma bateria de exemplos. Minhas anotações são tão pobres - eu anotava apenas algumas palavras-chave ­ que agora só me resta adivinhar que historia se escondia por trás das palavras (...) "VHS x Beta", "a natureza do jogo nas ligas de bridge", "a escolha de universidades", "o aeropono de Dulles x aeropono National", (...) "um bom meteorologista faz apostas provaveis", "andando grudado no carro da £rente", (...) "dando aleatoriamente a descarga no vaso" etc.

Chego a me lembrar de ter tentado imediatamente por em prática as aulas de Schelling. Quem me conhece sabe que posso adormecer em qualquer lugar, a qualquer hora. Imagino que tenha dormido durante cerca de 90% de minhas aulas na faculdade. Por isso, quando Schelling nos ensinou sobre compromisso, resolvi passar a sentar na primeira fila da sala como forma de me comprometer a não dormir. Infelizmente, a tentação do sono revelou-se demasiadamente forte na maioria das vezes. Se Schelling se lembrasse de mim, seria como o único aluno da primeira fila que sempre caia no sono.

Em minha opiniao, Schelling representa o que há de melhor na teoria dos jogos. Foi pioneiro na área, um homem de idéias.

Infelizmente para a teoria dos jogos, as idéias simples que são tão atraentes foram rapidamente minadas.

O que veio a seguir foi menos interessante. A moderna teoria dos jogos tomou-se extremamente matemática, carregada de notações e apartada da vida cotidiana. Muitos de meus colegas não concordariam comigo, mas acho que a teoria dos jogos falhou no cumprimento de sua grande promessa inicial. Nao sou o único a se sentir assim.

Conversei recentemente com um conhecido teórico dos jogos. Ele me disse que, se soubesse o que sabe hoje e estivesse começando na profissão, sequer pensaria em ser um teórico dos jogos.

Schelling foi uma de minhas primeiras inspirações. Seu curso e seus escritos foram uma das grandes influências que me levaram a economia. Minha abordagem tem muito em comum com a dele. Comentei isso no ana passado com um de meus colegas, que por acaso encontrou-se com Schelling e lhe disse que podia me contar entre seus ex-alunos. Schelling nao demonstrou qualquer emoção.

Steven D. Levitt (20 de outubro de 2005)
 
Original em inglês no próprio blog http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2005/10/20/nobel-prize-winner-thomas-schelling/

Thomas Schelling ganhou Prêmio Nobel em 2005 "for having enhanced our understanding of conflict and cooperation through game-theory analysis". Mais detalhes no link http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/2005/



Tim Harford: sobre John Von Neumann e sua obsessão pelo pôquer
 
O texto abaixo, do livro A lógica da vida, de Tim Harford (pag 55) apresenta um interessante relato sobre as origens da Teoria dos Jogos, com John Von Neumann e seu gosto pelo pôquer.

A teoria dos jogos surgiu da mente brilhante de John Von Neumann, um célebre e prodigioso matemático, quando ele decidiu criar uma teoria do pôquer. O brilhantismo acadêmico de Von Neumann nos proporcionou percepções fascinantes, mas a força fria de sua lógica poderia ter nos levado ao Armagedom. Esse brilhantismo foi reforçado pela sabedoria mais terrestre de Thomas Schelling, frequentemente expressa por meio de uma prosa inteligente, em vez de por meio de equações. Atormentado por um vício em cigarros do qual não conseguia se livrar, Schelling desviou a teoria dos jogos para uma direção que hoje nos permite análises surpreendentes dos infelizes viciados em máquinas caça-níqueis.

No fim dos anos 1920, o homem mais brilhante do mundo decidiu elaborar a maneira correta de jogar pôquer. John Von Neumann, um matemático que ajudou a criar o computador e a bomba atômica, estava interessado em uma nova ideia. A sua amada matemática poderia descobrir os segredos do pôquer, que parecia ser o jogo tipicamente humano, de segredos e mentiras?

Von Neumann acreditava que se desejássemos uma teoria que pudesse explicar a vida - ele a chamava de "teoria dos jogos" - deveríamos começar com uma teoria que pudesse explicar o pôquer. Seu objetivo era levar o rigor da matemática às ciências sociais, e isso queria dizer voltar-se para a economia, já que as decisões racionais da economia podem ser modeladas com a matemática. Von Neumann achou que poderia desenvolver uma explicação matemática, racional, para muitos aspectos da vida e que sua teoria poderia vir a ser aplicada em soluções diplomáticas, no surgimento inesperado de cooperação entre inimigos, nas possibilidades do terrorismo nuclear e mesmo no lado oculto do namoro, do amor e do casamento.

Mas, como ele explicou para seu colega Jacob Bronowski, o pôquer era o ponto de partida: ``A vida real consiste em blefes, em táticas sutis de engano, em perguntar para si mesmo o que a outra pessoa acha que quero fazer. E é a isso que se referem os jogos em minha teoria."

Blefe, enganos e adivinhação do pensamento alheio são temas pouco promissores para um matemático, mas se alguém poderia fazer isso, esse alguém era Johnny Von Neumann. Suas façanhas com cálculos eram notórias: em Princeton, após a guerra, ele ajudou a planejar o computador mais rápido do mundo, antes de desafiar a máquina em um torneio de operações matemáticas para mostrar que ele era mais rápido. Ninguém se surpreendeu com o resultado ou com o fato de o exibido Von Neumann ter sugerido o torneio.

Em outra ocasião, ele recusou um pedido para trabalhar com o auxílio de um supercomputador na solução de um importante problema, em vez de uma solução direta com lápis e papel. Embora houvesse matemáticos mais profundos, ninguém era mais rápido que Johnny. Na imaginação popular dos anos 1940 e 1950, Von Neumann talvez se destacasse mais que seu contemporâneo de Princeron, Albert Einstein, e seus colegas brincavam que ele era um semideus, que, tendo estudado intensamente os homens, era capaz de imitá-los com perfeição.

Contudo, para entender o pôquer, Von Neumann tinha de descobrir novos caminhos. O pôquer não é simplesmente um jogo de azar, com base em probabilidades, nem é um jogo de pura lógica, sem elementos aleatórios ou segredos, como o xadrez. O pôquer, ao contrário do que aparenta, é um desafio muito mais sutil. Durante o jogo, os jogadores fazem apostas para obter o direito de confrontar suas cartas com as dos adversários. No entanto, as informações mais importantes no pôquer são privadas.

Cada jogador vê apenas uma parte de um que­bra-cabeça e deve formar a imagem completa, observando o que os outroS jogadores fazem. A melhor mão leva a mesa (pot) - o acumulado das apostas; por isso, quanto maior a aposta, mais caro se torna perder a mesa. Ainda assim, em muitas rodadas, especialmente entre jogadores experientes, não há abertura das cartas, porque um dos jogadores faz uma aposta agressiva o suficiente para intimidar os outros. Isto é, não há conexão direta entre o que um jogador aposta e a mão que ele detém.

Os iniciantes acreditam, equivocadamente, que o blefe é apenas uma maneira de se levar a mesa com canas ruins. Na final de 1972 da World Series ofPoker, o famoso ladino Amarillo Slim ganhou o campeonato porque blefou tantas vezes que, quando apostou todas as suas fichas em um full house (uma mão excelente), seu adversário, "Puggy" Pearson, tinha certeza de que Slim estava blefando novamente; com isso, cobriu a aposta e perdeu. Um jogador que nunca blefa jamais ganhará uma boa mesa, porque nas raras vezes em que ele aumentar a aposta, os adversários vão sair da rodada sem comprometer muito dinheiro.

E há o blefe reverso: simular fraqueza quando você está com uma boa mão. Naquela que foi a final de 1988 da World SefÍes of Poker, Johnny Chan (apelidado de "Expresso do Oriente", por ter ganhado muito dinheiro tão rapidamente) desprezou todas as oportunidades de aumentar as apostas e apenas "pagava para ver" despretensiosamente o jogo adversário. Na última rodada, seu adversário, Erik Seidel, estava convencido de que Chan não tinha uma boa mão e apostou tudo o que possuía. Chan cobriu a aposta e exibiu urna sequência, arrematando 700 mil dólares e o título de campeão mundial pelo segundo ano consecutivo.

Tentar enganar o adversário parece uma questão de psicologia, não de matemática. Poderia realmente haver uma estratégia racional por trás de todos esses blefes, que não passasse pela ideia de leitura corporal ou de interpretação dos movimentos sutis do adversário? A matemática pura poderia identificar esses movimentos de blefe? Von Neumann achava que sim. Seu trabalho sobre a teoria dos jogos atingiu o ápice com o livro Theory of Games and Economic Behavior, lançado em 1944 e escrito em conjunto com o economista Oskar Morgenstern. O livro incluía um modelo estilizado de pôquer, no qual dois jogadores racionais se confrontavam em um cenário extremamente simples.

Para entender a abordagem do autor, imagine-se jogando uma rodada do pôquer de Von Neumann. As regras mais simples limitam sensivelmente a capacidade de variar suas apostas ou de você estudar seu adversário, aumentando as apostas. Ainda assim, essas regras traduzem algo da essência do jogo de pôquer. Você e seu adversário fazem uma pequena aposta inicial na mesa, e você começa.

Você olha para suas cartas e pensa. As regras mais simples lhe dão duas opções: ou passar a vez (não apostar) ou fazer uma aposta maior. Nesse jogo simplificado, quando você passa a vez, as mãos são mostradas e a melhor mão ganha a mesa. (Seu adversário não tem de tomar nenhuma decisão nesse momento; como o pôquer real, isso não é justo, e é por isso que os jogadores se alternam em cada jogada.) Contudo, se você faz a aposta, é o adversário que deve optar agora: ele pode desistir, encerrando a jogada e cedendo a pequena mesa para você, ou ele pode "pagar para ver", aceitando a sua aposta, o que significa abrir o jogo diante das apostas maiores. Qual seria o movimento racional? E qual seria a resposta racional de seu adversário?

Na realidade, as duas respostas estão relacionadas. Você não deve decidir sem considerar a resposta do adversário, e este não deve reagir à sua aposta sem refletir sobre a estratégia que você tenha. A relação recíproca das duas estratégias é o que toma a questão um problema para a teoria dos jogos de Von Neumann, e não tanto para a teoria das probabilidades, necessária para o entendimento do jogo de roleta.

À primeira vista, mesmo essa versão simplificada do pôquer parece terminar em um ciclo de raciocínio sem fim. Se você decidir apostar mesmo com cartas muito ruins, então o adversário, com qualquer mão razoável, deverá "pagar para ver". Se você preferir apostar somente com as melhores mãos possíveis, ele deverá desistir quando você fizer as apostas. O que temos é um processo de raciocínio que passa pelo ciclo: "Se ele pensa que eu penso que ele pensa ... " Não podemos fazer mais nada? Sim, podemos, se seguirmos a análise de Von Neumann.

O que Von Neumann criou foi uma teoria do processo perfeito de tomada de decisão; ele estava procurando os movimentos que os jogadores infalíveis executariam. A teoria dos jogos encontra esses movimentos procurando as estratégias de oposição que sejam consistentes, no sentido de que nenhum jogador infalível mudaria sua estratégia se soubesse a estratégia do outro jogador. Há várias estratégias que não seguem esse padrão. Por exemplo, se o adversário for muito cauteloso e desistir do jogo com frequência, você provavelmente blefará bastante. Mas se você blefar muito, o adversário provavelmente não será tão cauteloso. As duas estratégias não se encaixam. Elas poderiam ser usadas por jogadores ingênuos, mas não pelos jogadores perfeitamente racionais de Von Neumann.

Em vez disso, precisamos considerar a combinação das estratégias dos dois jogadores. A estratégia de seu adversário é mais simples que a sua. Uma vez que o jogo simplificado não lhe dá a opção de desistir, também não dá ao adversário a chance de blefar, porque não é possível blefar alguém que não pode desistir. (A ele, por outro lado, é permitido desistir, o que quer dizer que você pode tentar blefá-lo.) Uma vez que ele não pode blefar, ele deve simplesmente "pagar para ver", quando estiver com uma mão boa, ou desistir, quando estiver com uma mão ruim. A única questão é saber qual o nível de "mão boa" que ele deve ter para "pagar para ver". Isso vai depender da frequência com que você blefa.

Que atitude tomar, então? Com uma mão excelente, você deve fazer a aposta: não perderá nada se o adversário desistir, enquanto terá chance de ganhar uma boa mesa se ele "pagar para ver". Mas com uma mão mediana, você não deve apostar: se ele estiver com uma mão ruim, ele desistirá e você levará a mesa, que você ganharia do mesmo jeito se passasse a vez; mas se de estiver com uma boa mão, ele "pagará para ver" e ganhará. Cara, ele ganha; coroa, você perde. Você deve passar a vez e torcer para que sua mão mediana ganhe a mesa.

E se você estiver com uma péssima mão? Deve passar ou apostar? A resposta é surpreendente. Passar seria pouco inteligente, porque os jogos seriam abertos e você perderia. Faria mais sentido apostar com essa péssima mão, porque a única maneira de você ganhar alguma coisa é com a desistência do adversário, e a única maneira de ele desistir é se você fizer a aposta. Paradoxalmente, é melhor você apostar com cartas ruins do que com uma mão mediana: o blefe perfeito (e racional)!

Há uma segunda razão para você apostar com cartas ruins e não fazê-lo com uma mão mediana: seu adversário terá de "pagar para ver" com um pouco mais de frequência. Como ele sabe que suas apostas são bem fracas às vezes, não poderá se permitir a desistência com muita facilidade. Isso significa que, quando você apostar com uma boa mão, provavelmente ele "pagará para ver" e você ganhará com essa boa mão. Como você está blefando com cartas ruins, suas boas mãos lhe darão mais dinheiro - como aconteceu com o fuIl house de Amarillo Slim na última rodada da final de 1972.

"Dos dois motivos possíveis para o blefe", escreveu Von Neumann em Theory of Games, "o primeiro é dar uma (falsa) impressão de força em situação de fraqueza (real); e o segundo é a intenção de dar uma (falsa) impressão de fraqueza em situação de força (real)."

O que é notável na análise de Von Neumann é a maneira como sua tática surge racionalmente da lógica do jogo. Von Neumann havia encontrado o desafio que mencionara a Bronowski e mostrou que o blefe, longe de ser algum insondável elemento humano do jogo de pôquer, é regido por leis matemáticas. A mensagem de Von Neumann é de que há uma base matemática, racional, mesmo para o jogo aparentemente psicológico de blefar no pôquer. E se ele estava certo de que o pôquer era uma analogia significativa para os problemas cotidianos, seu sucesso sugeria que talvez, apenas talvez, houvesse uma base matemática e racional para a própria vida.

O livro de Von Neumann tornou-se muito famoso não como um manual de pôquer, mas por situar a economia e as ciências sociais em uma base lógica, matemática. Um crítico daquela época declarou: ``A posteridade poderá considerar esse livro como uma"das maiores conquistas científicas da primeira metade do século XX". Mas os acadêmicos se decepcionaram: logo perceberam que a aplicação da teoria dos jogos na vida real era difícil.

Por muitos anos após a morte de Von Neumann, em 1957, os acadêmicos lutaram para aplicar a teoria dos jogos em questões de economia, biologia e estratégia militar, mas não conseguiram corresponder às expectativas trazidas por Theory of Games. O problema talvez fosse que Von Neumann era considerado um semideus, enquanto, para ser útil, a teoria dos jogos teria de se aproximar do cérebro mais limitado dos simples mortais.

Para compreender a dificuldade, considere o que Von Neumann entendia por "jogo": é a descrição matemática do vínculo entre as estratégias e as possíveis remunerações. Para definir um curso racional de ação, bastaria aplicar a matemática. Isso tudo pode parecer muito abstrato, mas a teoria dos jogos de Von Neumann é abstrata. Se você já está confuso, está começando a perceber as dificuldades dessa teoria.

Fundamental na abordagem de Von Neumann é a suposição de que os jogadores são tão inteligentes quanto o próprio Von Neumann. Ele queria entender como seria o jogo infalível, e sua teoria pode, em princípio, ser aplicada a qualquer jogo de "soma zero" entre dois jogadores, como o pôquer, em que o valor que um jogador perde é o valor que o outro ganha. Mas, na prática, há dois problemas.

O primeiro é que o jogo pode ser tão complexo que mesmo o mais rápido dos computadores não poderia calcular a estratégia perfeita. O modelo do pôquer é uma ilustração exata do porquê de a teoria dos jogos ter começado a provocar cena desapontamento no mundo real. Enquanto a análise de Von Neumann destilava com grande elegância alguns insights essenciais para uma boa jogada no pôquer, ela não ia muito longe como um manual prático. O modelo de Von Neumann alcança alguma simplicidade ao limitar o número de jogadores, suas opções e o tipo de cartas.

O emaranhado do pôquer real torna-serapidamente impressionante: considerando-se dez possibilidades por segundo, um jogador teria de ter começado a calcular desde o nascimento da galáxia para encontrar uma solução por meio da teoria dos jogos para apenas dois jogadores dentro do jogo mais popular de pôquer, o Texas Hold`em. E se o pôquer real já representa tamanho desafio, que dizer de um problema real de economia, como negociar um aumento ou definir uma estratégia de negócio?

O segundo problema é que a teoria dos jogos torna-se menos útil se o adversário é falível. Se o jogador 2 não é um expert, o jogador 1 poderá explorar seus erros, em vez de se defender das brilhantes estratégias que nunca acontecerão. Quanto pior o adversário, menos útil é a teoria dos jogos.

Esse problema manifesta-se particularmente no pôquer. Uma estratégia de pôquer perfeita sob a ótica da teoria dos jogos deixará passar boas oponunidades no caso de um jogo contra um adversário falível - isto é, contra qualquer um. Ao final do jogo, conforme as probabilidades vão se equilibrando, a estratégia não será derrotada. Mas ela poderá ganhar muito lentamente diante de adversários fracos. Um adversário pode estar blefando muito; outro pode nunca blefar. Para um tipo de falibilidade, exige-se um jogo mais conservador; para o outro, um jogo mais agressivo. A teoria dos jogos presume que erros nunca serão cometidos.

Um jogador de pôquer real que quisesse usar as teorias de Von Neumann teria de ser capaz de executar cálculos mais rapidamente que o próprio semideus. Ele também teria de lidar com o problema dos adversários ingênuos, cujo comportamento não se enquadrasse nas jo­gadas perfeitas imaginadas pela teoria de Neumann.

Não surpreendeu, portanto, que a Princeton University Press tenha divulgado em 1949 um anúncio um tanto tímido para celebrar os cinco anos das fracas vendas do livro Theory of Games and Economic Behavior. O anúncio dizia: "Bons livros sempre levam algum tempo para alcançar reconhecimento ... sua influência ultrapassa em muito o número de leitores", e mencionava "alguns exemplares comprados por jogadores profissionais". Mas há pouca evidência de que as teorias de Von Neumann tenham provocado impacto imediato na comunidade do pôquer.
 



Ehud Kalai: Teoria dos Jogos e relação com Aviões e Matemática
 
Ehud Kalai, ex-presidente do Game Theory Society, em palestra no 2o Congresso da Game Theory Society em 2004, faz uma analogia entre Teoria dos Jogos e a construção de aviões.

Para aviões, os físicos desenvolvem a teoria básica, os engenheiros desenham a aeronave e os pilotos as dirigem. Os engenheiros tem o conhecimento básico da física envolvida, mas grande conhecimento prático é adquirido ao fazer experimentos com túneis de vento e ao aprender com aviões feitos anteriormente. Os pilotos tem conhecimento básico de física e engenharia, mas tem habilidades práticas adicionais para voar corretamente.

Da mesma forma, para desenhar e jogar leilões é preciso especializações similares. Especialistas téoricos de jogos oferecem a teoria básica. Em complemento, os profissionais de leilão precisam ter conhecimento de teoria comportamental, obtidas em laboratório ou estudando os jogos de leilões anteriores.

A Teoria dos Jogos parece estar evoluindo na direção similar ao da Física, segundo Kalai.

A matemática pode ser uma disciplina pura - por isso há faculdade e pós-graduação específicos para matemática. Mas a matemática é usada pela física. Por sua vez, a física também pode ser uma disciplina isolada (por isso há faculdade e pós-graduação específicos para física). Por exemplo: o logarítimo é uma invenção da matemática e pode ser estudado por si só. Já a física usa logarítimo para explicar certos fenômemos naturais.

Continuando, a engenharia usa a física para as aplicações reais. Para construir um avião, um prédio, um carro, um computador ou uma lâmpada, são necessários os conceitos teóricos da física, que por sua vez utiliza os conceitos matemáticos.

Uma crítica comum é que o conhecimento de Teoria dos Jogos não faz um indivíduo ser um melhor jogador. Essa afirmação é controversa. É muito provável que ser um bom físico não o qualifica o indivíduo a ser um bom engenheiro ou um bom piloto, mas também não quer dizer que o físico é inútil na construção ou operação de aviões.

Com apenas conhecimento de teoria dos jogos, uma pessoa não é necessariamente boa em dar lances em leilões. Entretanto, tal conhecimento, quando combinado com outras habilidades, melhora a performance nas áreas de conhecimento inter-relacionadas.

Comparando com o assunto, a Matemática está para Teoria dos Jogos da mesma forma que Matemática está para Física. E a Teoria dos Jogos está para a Economia da mesma forma que a Física está para a Engenharia. A Engenharia pode ser teórica ou prática, da mesma forma que Economia pode ser teórica ou prática.

Uma boa explicação de Economia, do ponto de vista prático, foi dado por Stephen Dubner, em palestra em 2007 na Conferência da IBM em São Paulo. Segundo ele, Economia não é apenas sobre dinheiro, inflação e taxas de juros, e sim a ciência de como a pessoas reagem a incentivos e modelar incentivos para influenciar comportamentos.

Igualmente, a Matemática oferece para a Teoria dos Jogos a possibilidade de criar e transmitir conceitos lógicos para ser melhor comunicada. E a Teoria dos Jogos oferece para Economia e Ciência das Decisões um modelo formal para explicar e orientar as melhores decisões.


 
Insights do Paper publicado na revista Games and Economic Behavior, Volume 63, Número 2, Julho 2008, página 421



A aposta de Pascal - Você concorda?
 
O argumento abaixo é chamado de "Aposta de Pascal" (Pascal´s Wager) pois é atribuído ao filósofo do século 17 Blaise Pascal. Esse texto é encontrado no livro de Graham Priest. [NOTA1]

Você pode escolher em acreditar na existência de Deus ou não. Suponha que você escolha acreditar. Ou Deus existe ou não. Se Deus existe, então tudo ótimo. Se não existe, então a sua crença é apenas uma inconveniência (você deve ter perdido tempo na igreja ou feito algumas coisas que não quis fazer, mas nenhuma delas é desastroso).

Agora suponha que você tenha escolhido não acreditar em Deus. De novo, se ele não existe, tudo ótimo. Mas se ele existe, então você está encrencado. Você sofrerá após a morte, talvez até a eternidade se nenhum perdão ocorrer. Assim, qualquer pessoa sábia deveria acreditar na existência de Deus - é apenas mais prudente
.

O argumento possui muitos críticos pois parte da premissa que Deus, se existir, é vingativo contra aqueles que não acreditam. Um contra argumento bem interessante é um vídeo curto no Youtube. Outros detalhes você consegue procurando na Web.

Mas o ponto aqui não é sobre Deus, crenças ou castigos, e sim sobre a lógica deste raciocínio. No caso, Pascal usa, de forma implícita, a teoria do valor esperado. [NOTA2] Graham vai um pouco além na matemática para exemplificar a questão. Digamos que exista 10% de probabilidade de existir Deus e 90% de não existir Deus, e que cada combinação exista uma consequência também numérica.

Em outras palavras, o raciocínio de Pascal seria o seguinte:
1. Se você acredita em Deus e Ele existe, será beneficiado com a ida ao paraíso (100 pontos).
2. Se você acredita em Deus e Ele não existe, não terá perdido muita coisa (-10 pontos).
3. Se você não acredita em Deus e Ele não existe, não terá perdido nada (0 pontos).
4. Se você não acredita em Deus e Ele existe, você irá para o fogo eterno (-1.000.000 pontos).

Então:
- O valor esperado em Acreditar em Deus é = 10% x 100 + 90% x -10 = 1
- O valor esperado em Não Acreditar em Deus é = 10% x -1.000.000 + 90% x 0 = -100.000

O percentual exato sobre a probabilidade de Deus existir não importa muito, tão pouco a acuracidade dos "pontos" no resultado. O tamanho da diferença entre eles na forma de ranking é o que importa nessa análise da teoria da decisão. Admitindo que a combinação 4 (não acreditar em Deus e Ele existir) resulta em um prejuízo muito grande, o valor esperado para Não Acreditar é muito alto. Assim, é "mais prudente" acreditar, como diz Graham Priest.

Apesar dos ensinamentos do valor esperado e utilidades serem bem divulgados nas aulas de lógica, matemática, estatística e economia, na vida cotidiana não vejo muita gente fazendo o cálculo para tomada de decisão. Em todo caso, entendo que há algum cálculo semelhante mesmo quando a decisão é intuitiva. Vejamos o caso de decidir andar de bicicleta.

Andar de bicicleta quando não está chovendo é muito divertido, digamos 10 pontos. Mas andar quando está chovendo é horrível, digamos -5 pontos. Se há 10% de chance de chover, o valor esperado para andar de bicicleta é 10% x -5 + 90% x 10 = 8,5 pontos. Já ficar em casa quando está sol, deixando de ter andado de bicicleta é muito ruim, digamos -5. No entanto, ficar em casa quando chove não é grande coisa, mas ao menos não se molha, então vale 0 pontos. Portanto, o valor esperado para ficar em casa é 10% x 0 + 90% x -5 = -4,5.

Note que agora sim a probabilidade de chover importa mais uma vez que os pontos (as utilidades) do resultado são mais próximos.
1. Se você for andar de bicicleta e não chover, você tem o passeio perfeito (10 pontos).
2. Se você for andar de bicicleta e chover, você se molha (-5 pontos).
3. Se você não for andar de bicicleta e não chover, você perdeu uma oportunidade (-5 pontos).
4. Se você não for andar de bicicleta e chover, você não se molhou mas não também não fez outra coisa (0 ponto).

Portanto, para essa probabilidade de chover e o tamanho da recompensa, é melhor se arriscar e andar de bicicleta.
 
1. Fonte: Logic - A very short introduction, de Graham Priest, Editora Oxford, página 94.

2. O valor esperado (em inglês, expected value ou expectation) é o ganho ou perda média que resulta de uma situação tendo em conta todos os resultados possíveis e as suas probabilidades.



Dilema dos Prisioneiros em formato de diálogo
 
Tradução e adaptação livre de um trecho do livro Negociation Analysis, no capítulo de Game Theory (pag. 64)

É uma boa explicação sobre o Dilema dos Prisioneiros explorando a racionalidade individual versus a racionalidade grupal.



Considere o jogo abaixo usando as seguintes premissas: (1) conhecimento comum entre os jogadores, (2) escolhas simultâneas e (3) nenhuma comunicação entre eles.

Colin
Esquerda
Direita
Rowena
Cima
5 , 5
-5 , 10
10, -5
-2, -2
Baixo


Se você fosse o Rowena, que alternativa escolheria: para Cima ou para Baixo? Se você fosse a Colin, que alternativa escolheria: Esquerda ou Direita?

Acompanhe o diálogo abaixo, onde um Moderador ajuda os dois jogadores a escolher.

COLIN: Bem, parece que Direita domina Esquerda e Baixo domina Cima, então...

MODERADOR: Com licença, vejamos, você está dizendo que Direita domina Esquerda porque...

COLIN: Porque 10 é melhor que 5 no caso de Cima e -2 é melhor -5 no caso de Baixo. Assim eu pensaria em escolher Direita. Eu também acho que Rowena preferia escolher Baixo, porque 10 é melhor que 5 e -2 é melhor que -5. Mas isso nos dá um resultado de (-2, -2). Ao mesmo tempo, há um outro ponto, Cima-Esquerda, que nos dá o resultado de (5, 5). Parece louco nós terminarmos com (-2, -2). Então vou escolher Esquerda e espero que Rowena veja o que eu vejo e que há outro resultado bom para ambos.

MODERADOR: OK, assim você escolheu Esquerda. Rowena, o que você fez?

ROWENA: Desculpe, Colin, mas eu escolhi Baixo.

COLIN: Mas, Rowena, como você pôde fazer isso?

ROWENA: Escute, eu estou aqui para maximizar o meu resultado e sabendo que você escolheu Esquerda, eu tenho só uma escolha. Eu poderia ganhar 5 or 10 e minha responsabilidade é maximizar meu retorno. Estou agindo como se fosse um agente para meu chefe.

MODERADOR: Me deixe interromper aqui. Neste jogo Baixo domina Cima. E semelhantemente Direita domina Esquerda. O par de estratégia (Baixo, Direita) está em equilíbrio. É o único equilíbrio. Colin, como você reage a tudo disto?

COLIN: Eu sinto como se eu tentasse fazer a coisa inteligente e Rowena levou vantagem disso.

ROWENA: Isso é tolice! Eu não levei vantagem, eu simplesmente olhei para o que meus payoffs (resultados). Você poderia ve-los da mesma maneira que eu. Não há nenhuma razão para escolher 5 em lugar de 10. Baixo domina Cima.

COLIN: Você está dizendo que não importa o que eu faço, você ainda escolheria Baixo. Mas se eu pensasse da mesma maneira, então você não estaria ganhando seus 10, você ganharia -2.

ROWENA: Sim, mas se você escolhesse Direita, então eu teria que escolher entre -5 e -2 e eu preferiria -2.

COLIN: Sim, mas se você escolhesse Baixo, então eu também teria que escolher entre -5 e -2 e eu preferiria -2.

MODERADOR: Colin, antes de escolher você gostaria de saber o que Rowena escolheu? Saber antes te ajudaria?

COLIN: Com certeza ajudaria.

MODERADOR: Bem, suponha você descubra que ela vai escolher opção Cima.

COLIN: Se nós estivéssemos num jogo, eu acho que eu escolheria Direita.

MODERADOR: Assim, se você tivesse espionado e descobrisse o que ela iria escolher, o que você faria?

COLIN: Eu escolheria Direita, como eu já disse.

MODERADOR: E se nosso serviço de espionagem falasse a você que ela escolheu a opção Baixo, o que você faria?

COLIN: Eu ainda escolheria Direita.

MODERADOR: Mas é exatamente isso que nós dissemos.

ROWENA: Isso é uma armadilha. Nós fomos presos no resultado (-2, -2) mas ainda há outro resultado (5, 5) que é melhor. Como podemos sair daquela armadilha?

COLIN: Bem, nós podemos tentar fazer um acordo.

MODERADOR: Ok, mas esse é o ponto: é uma armadilha mesmo. É a chamada "armadilha social". Há algo intrigante aqui. A anomalia mora no próprio jogo. O comportamento racional prescreve para jogadores usarem a estratégia dominante: o jogador da linha deve escolher Baixo e o jogador da coluna deve escolher Direita.

COLIN: Você está dizendo que é racional fazer escolhas que levam a resultados inferiores?

MODERADOR: Sim, nesta situação os dois jogadores racionais fazem pior do que dois jogadores irracionais.

ROWENA: O que tem de racional fazer o pior?

MODERADOR: Bem, me deixe repetir. Imagine que você é o jogador da coluna e seu chefe disser para você fazer o melhor possível. O que você, Colin, faria se você soubesse que Rowena escolheu Cima? Você escolheria Direita? O que faria você se escolhesse Baixo? Você escolheria Direita. Certo?

ROWENA: Um dos meus professores de Economia dizia que a racionalidade individual as vezes pode conduzir a um resultado coletivo inferior. É este um caso em questão?

MODERADOR: Bem, nós poderíamos dizer que racionalidade individual pode levar a uma irracionalidade grupal ou resultados pobres. Este é o dilema; é o que se chama de dilema social, ou uma armadilha social.

COLIN: Este provavelmente é um jogo onde nós gostaríamos de falar primeiro um com o outro.

MODERADOR: Certamente. Se você pudesse falar com o outro, o que faria?

ROWENA: Tentaria chegar a algum tipo de acordo. Com algum tipo contrato nós combinaríamos chegar no ponto de Esquerda-Cima.


O Dilema do Prisioneiro

O dilema de duas pessoas é sem dúvida o mais célebre de todos os jogos.

Em 1950, muitas pessoas que trabalhavam em Teoria dos Jogos sabiam que este dilema era de conhecimento de povo. Mas não foi chamado o dilema do prisioneiro naquele momento.

A interpretação do jogo como um dilema de dois prisioneiros foi introduzida em 1953 por AJ Tucker e milhares documentos, experiências e teses de doutorado foram baseadas nele desde então.

Ele é importante porque sua mensagem está tão clara: comportamento sem coordenação, racional e egoísta pode resultar em resultados terríveis. É a essência de uma patologia social e evidência desta estrutura pode ser encontrada extensivamente em nossa sociedade.

Mas antes proseguir, me deixe descrever primeiro a interpretação de Tucker sobre este dilema.

Um acusador público sabe que dois prisioneiros realmente são culpados de um crime, mas ele não tem prova aceitável para convencer um júri deste fato. Os criminosos sabem isto. O acusador público apresenta o seguinte problema de escolha a cada dos prisioneiros, separadamente.

Os prisioneiros são mantidos em separado. A cada um é dada a escolha de não confessar ou confessar o crime eles tinham cometido.
- Se nenhum confessar, eles serão presos durante um ano em um inquérito menor: posse de arma ilegal.
- Se eles ambos confessarem, cada um ganha um sentença de três anos, menos que a sentença de pena máxima para o crime.
- Se uma pessoa confessar e o outro não, então o confidente sairá impune e o não confidente ganhará cinco anos de prisão. Estes resultados são como mostrado abaixo.

Prisioneiro 2
Não confessar
Confessar
Prisioneiro 1
Não confessar
1 , 1
5 , 0
0, 5
3, 3
Confessar


Para dar ao jogo a estrutura que queremos discutir é extremamente importante que cada prisioneiro prefira se livrar e ter o amigo pegar cinco anos do que a opção de ambos ganharem um ano. Cada uma está preocupado com si mesmo; não há nenhuma honra entre ladrões.

Lembre que eles são presos de forma incomunicável e que cada um não tem lealdade ao outro. Naturalmente o jogo será jogado uma vez. Confessar domina não-confessar. Desde confessar é melhor que não-confessar, não importa o que o outro prisioneiro vai escolher. Assim eles confessam e cada um pega três anos de prisão. Isso é a armadilha social.

 



Relato sobre 2º Brazilian Workshop of Game Theory Society



Evento ocorreu na USP de 29/07 a 04/08/2010
 
Se você gosta de Teoria dos Jogos, de antecipar e modelar as ações dos concorrentes com movimentos sequenciais (numa árvore de decisões) ou simultâneas (numa matriz de payoffs) e acha que este congresso apresentaria vários textos de negócios com estudos de casos reais ou fictícios para melhorar seu poder de decisão empresarial, desista. Este evento foi acadêmico mesmo.

Veja o site oficial e o programa completo. Neste evento encontrei Nash pela segunda vez.

De forma geral, o evento tem o mesmo formato e conteúdo que o Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society (Evanston, IL, EUA, 12/7 a 17/7/08). Veja também programa completo. Neste evento encontrei Nash pela primeira vez.

Claramente o evento é voltado a acadêmicos (professores, pesquisadores, estudantes) de Economia e Matemática que gostam dos conceitos formais da Teoria dos Jogos, sem necessariamente relação com o ambiente empresarial. Isso não é nenhum demérito aos eventos e seus participantes. Pelo contrário, é a reunião das cabeças inteligentíssimas trocando informações e experiência entre si. Eu sou um executivo de mercado, procuro escrever de forma mais simples as aplicações da Teoria dos Jogos, e mesmo assim fui aos dois eventos. O que eu busco é energia e inspiração, e eventos deste quilate os têm de sobra.

Na ocasião várias veículos de comunicação publicaram notícias. Abaixo são os que consegui colecionar. Alguns falam do evento, outros falam de algumas aplicações após entrevistar as personalidades presente.

Site da FEA USP, Videos do evento, entrevistas, etc

UOL Notícias (Ciência), 04/08/10, Prêmios Nobel discutem Teoria dos Jogos em São Paulo

Folha.com (Ciência), 04/08/10, Para cientista israelense, armas trazem paz

Folha.com (Ciência), 04/08/10, Sociologia precisa de equações, dizem prêmios Nobel

Época Negócios (Economia), 04/08/10, "Crise econômica é uma doença que precisa de tratamento", diz John Nash

Estadão.com (Ciência), 03/08/10, Corte unilateral de emissão de CO2 seria ´ato de caridade´, diz ganhador do Nobel

Site Itamarary (by Valor Econômico), 04/08/10, A teoria dos jogos, aplicada por seus grandes nomes

Agência Fapesp, 04/08/10, Quatro mentes brilhantes

Jornal da USP, 10/08/10, O mundo explicado pela teoria dos jogos

Site da FEA, 19/08/10, Workshop sobre teoria dos jogos traz quatro ganhadores do Nobel + (PDF da revista)

Reitoria da USP no Youtube, Matéria no Jornal da Cultura sobre Nash e o Evento (Vídeo)
 



Teoria dos Jogos dentro de cursos executivos
 
[Este é o anexo do artigo Onde aprender mais sobre Teoria dos Jogos]

Três exemplos de cursos curtos que possuem conteúdo de Teoria dos Jogos no currículo.

1. Kellog Schooll of Management (NorthWestern University), curso executivo Competitive Strategy:

Fundamentals of Competitive Strategy
-Analytical frameworks for strategy formulation
-The economics of value creation and capture

External Environment Analysis
-Market forces underlying industry profitability and firm performance
-Modern game-theory approaches to effectively compete with a small number of rivals
-Industry evolution and optimal responses to growth opportunities and shakeouts
-Winner-take-all markets: when it’s a different battle

Internal Profitability Analysis
-Critical evaluation to indentify firms’ competitive advantage
-Assessments for determining long-term sustainability of competitive advantage
-Strategic investments: developing effective resources and capabilities
-Capitalizing on growth opportunities through strategic positioning and “fit”


2. University of Chicago, curso executivo de Corporate Strategy:

Industry Analysis and Positioning
-Economic framework for analyzing the structure of the industry in which a firm competes
-How the competitive position of a firm determines its level ofperformance

Competitive Advantage, Sustainability, and Entry
-How the capabilities and strategic assets of a company determine its competitive advantage
-The effects of competition on the longevity of competitive advantage
-Implications for entry decisions

Corporate Strategy
-Allocation of resources and coordination of activities between business units
-Optimal scope of the firm in terms of diversification and vertical integration
-Effective organization and management of multi-unit companies

Strategic Scenario Analysis and Game Theory
-Integrate the insights of game theory into a formal decision making model
-Interaction among firms in concentrated industries where reactions and counterreactions are anticipated
-Positioning, resource, and process choices
-Integrate traditional scenario analysis and game theory

Strategic Planning
-Defining long-term objectives, strategic objectives, and strategic initiatives
-Translating strategic objectives into an execution plan
-Developing a strategic execution roadmap

Strategy Implementation
-Relationship between a firm`s competitive strategy and the organizational structure and resources that enable it to implement that strategy
-Framework for identifying the set of requisite resources that underlie a strategy
-Critical organizational mechanisms required to effectively implement the strategy

New Venture Strategy
-Analysis of new business opportunities
-Unique problems associated with analyzing future competition for products which do not exist
Technology Strategy
-How to use corporate-level strategy to understand strategy formulation and implementation in high-technology industries
-Unique strategic issues for industries that focus on technology
-The impact technology shifts have on strategy across industries

Strategic Thinking
-The process companies can use to develop and analyze unique, creative strategies
-Utilizing decision making models and avoiding common decision traps
-Analyzing and managing uncertainty


3. Fundação Getúlio Vagas (FGV), curso executivo GV-PEC Intensivo de Economia:

I. O funcionamento do sistema de preços ou como os economistas pensam: para entender o "economês";
II. Elasticidade-preço, elasticidade preço-cruzado da demanda, elasticidade renda e tipos de bens: conceitos econômicos que dão base a procedimentos de como identificar mercados, segmentá-los e definir estratégia para produtos;
III. Estruturas de mercado: do modelo ideal de competição perfeita aos modelos de reais de competição imperfeita: como identificar estratégias específicas para empresas em monopólios, oligopólios e mercados com diferenciação de produto em geral;
IV. Jogos e estratégia: quais são os conceitos econômicos pressupostos pelos modelos de estratégia competitiva entre firmas e nações?;
V. Jogos de empresas: a economia em ação no cotidiano das empresas;
VI Modelo de principal e agente: aplicação na economia;
VII. Análise da conjuntura setorial (Microeconômica): como definir uma estratégia empresarial?;
VIII. Modelos de decisão aplicados às organizações e teoria dos jogos;
IX. Formulação de cenários estratégicos para instituições financeiras, empresas e famílias;
X. Princípios macroeconômicos básicos: conceitos fundamentais para a construção de cenários estratégicos e para a interpretação da conjuntura econômica;
XI. Crescimento econômico 1: O que é crescimento e quais são seus determinantes? Por que não há ``Milagre do Crescimento``? Como utilizar tais conceitos em cenários de planejamento estratégico setorial, macroeconômico e nas suas finanças pessoais?;
XII. Crescimento econômico 2: O que fazer para o Brasil voltar a crescer? Aplicações práticas para o planejamento estratégico setorial, macroeconômico e pessoal (famílias);
XIII. As flutuações econômicas de curto-prazo: Por que existe desemprego? Quais são as relações entre desemprego e inflação? Quais são as relações entre a conjuntura política e econômica?;
XIV. Workshop 1: Para entender a política econômica na prática: jogos e casos;
XV. Workshop 2: Construção de cenários para a economia brasileira em 2007/2008.

O curso em vídeo sobre Strategic Thinking Skills da empresa The Great Courses também apresenta um capitulo sobre Teoria dos Jogos:
The World of Strategic Thinking
The Origins and Relevance of Ancient Strategy
The Dawn of Modern Strategic Thinking
Modern Principles of Strategic Conflict
Geography—Know Your Terrain
Grand Strategists and Strategic Intent
The Core and the Rise of Strategic Planning
Which Business Strategy? Fundamental Choices
Your Competitive Advantage—Find the Blue Ocean
Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats
Avoid the Pathologies of Execution
Tactics of Combat as Problem-Solving Tools
Shock of the New—Inflection Points
Surprise! Perils and Power of Strategic Deception
The Sources and Uses of Reliable Intelligence
Move and Countermove — The Theory of Games
The Evolution of Cooperation
When Strategy Breaks Down
Leverage Cognitive Psychology for Better Strategy
Strategic Intuition and Creative Insight
From Systemic Problems to Systemic Solutions
Seize the Future with Scenario Analysis
The Correlation of Forces, Luck, and Culture
Strategic Thinking as a Way of Life.
 



Exemplos ruins na mídia sobre Teoria dos Jogos
 
Não é fácil encontrar casos reais e práticos sobre Teoria dos Jogos em jornais e revistas onde o autor mostre um problema de negócios e resolva-o usando conceitos da teoria. Abaixo alguns exemplos ruins.


Exemplo 1. Link da Revista Exame de 26.01.2010.

Sob o título "CSN, Camargo ou Votorantim. Quem leva a Cimpor?", o artigo inicia com o seguinte parágrafo:

"Desde quando o matemático húngaro John von Neumann conheceu a lógica do jogo de pôquer, ele notou certa semelhança com o mundo dos negócios. Os óculos de sol e o boné, para esconder qualquer expressão reveladora, indicam que o resultado de qualquer jogador depende não só do que ele faz mas também de como os adversários reagem. Essa sacada de Neumann provocou uma revolução nas ciências econômicas. Vira e mexe, a chamada Teoria dos Jogos está presente em produções de Hollywood, na hora de pagar a conta do bar e, vá lá, em operações de fusões e aquisições."

A partir daí, explica os cenários possíveis sobre a briga das três empresas (CSN, Camargo e Votorantim) para comprar a Cimpor e esquece sobre a Teoria dos Jogos. Não cita nenhum conceito e não faz nenhuma comparação com a teoria. É como se a introdução estivesse desconectada com a matéria em si.


Exemplo 2. Link do Estadão de 16.01.2009.

Sob o título "Teoria dos jogos explica por que paqueras são demoradas", o texto é interessante e informa que "fêmeas usam o tempo para isolar os machos ruins, já que os bons se dispõem a esperar". Um dos trechos é:

"A pesquisa, publicada na revista especializada Journal of Theoretical Biology, usa teoria dos jogos para analisar como machos e fêmeas se comportam estrategicamente no jogo do acasalamento. O modelo matemático considera um macho e uma fêmea em um encontro de cortejo, e o jogo termina quando um dos dois desiste ou a fêmea aceita acasalar. O modelo pressupõe que o macho é "bom" ou "ruim", do ponto de vista da fêmea, e que ela está interessada em aceitar o "bom" e rejeitar o "ruim". Já o macho ganha pontos se conseguir acasalar com qualquer fêmea, mas recebe mais se for "bom"."

Nos outros parágrafos o raciocínio sobre esperar o bom é desenvolvido mas, como em outras matérias, não cita mais a Teoria dos Jogos. Igualmente, não correlaciona os seus conceitos em relação ao tema.


Exemplo 3. Link do Site Consultor Jurídico de 06.08.2008.

Sob o título "Juiz dá preço a litigância de má-fé e condena advogado", o episódio não deixa de ser engraçado:

"No começo do mês passado, o juiz Fábio Eduardo Bonisson Paixão, da 12ª Vara do Trabalho de Vitória, folheava os processos que entrariam na pauta no dia seguinte, quando foi surpreendido por uma inusitada petição. O advogado Alberto José Oliveira pedia R$ 830 mil de indenização por danos morais da Companhia de Transportes Urbanos de Vitória por causa da greve de ônibus de três dias que tomou conta da capital do Espírito Santo em maio deste ano.

O argumento do advogado era o de que foi moralmente afetado, como passageiro, pelos distúrbios causados pela greve. Ele nunca trabalhou para a empresa de ônibus. O juiz sequer analisou o mérito da questão ao lembrar que, na Justiça do Trabalho, é preciso provar a relação material prévia entre as partes. No caso de greve, isso só acontece quando, por exemplo, o trabalhador é impedido de exercer seu direito de greve.

Dado o valor do pedido, Bonisson Paixão não só arquivou a ação como também aplicou uma multa por litigância de má-fé. Primeiro porque o cálculo apresentado por Oliveira estava fora da realidade: como a greve durou três dias, a empresa teria que indenizar o advogado em R$ 1.527,77 por hora de ônibus parados.

“A estratégia do pedido foi muito arriscada”, afirma o juiz. Ele cita a teoria dos jogos para mostrar que Oliveira arriscou perder R$ 190 mil ao pedir R$ 830 mil de indenização. Isso porque havia o risco processual de 2% de custas, 1% por litigância de má-fé e 20% de indenização por litigância. “Melhor teria sido gastar R$ 1,50 e concorrer aos R$ 15 milhões da mega-sena acumulada”, comentou o juiz."


Entretanto, qual fundamento da Teoria dos Jogos para induzir o raciocínio para rejeitar o pleito? O artigo não explica.

Comentários: Por que é difícil achar na mídia exemplos didáticos sobre Teoria dos Jogos? Minha hipótese é que a Teoria dos Jogos é muito complexa para ser detalhada em jornais e revistas de massa. Isso é assunto para revistas especializadas. Como consequência, o que se encontra nas revistas de negócios e jornais são casos como estes - citam que algum pesquisador ou empresa usou Teoria dos Jogos mas não explica em detalhes.

Exemplo 4. Link da Forbes Magazine

Aqui um outro exemplo onde o autor utiliza Teoria dos Jogos mas não convence muito. Em um artigo da Forbes, Cybercrime Game Theory: Why Apple`s Malware Grace Period Ended Early, o jornalista cita um estudo de um pesquisador que teria usado a Teoria dos Jogos para prever quando os computadores MACs seriam atingidos por malwares.

O artigo é interessante e mostra uma fórmula de cálculo, algumas premissas e um resultado. Mas não cita COMO o pesquisador usou a Teoria dos Jogos para isso. Ao menos oferece link para o paper original publicado no IEEE Security & Privacy, neste link.

Entretanto, ao ler o paper, o conceito de Teoria dos Jogos não é usado na sua concepção correta. O autor utiliza uma matriz de payoff, jogadores, estratégias, mas comete dois erros. Primeiro, na matriz utiliza um jogador (os hackers) contra dois jogadores (os PCs e os MACs), um em cada coluna de ação. O correto é usar apenas um jogador com duas opções de ação, e não a opção de dois jogadores. Segundo, coloca o payoff apenas do hacker, e não do adversário, como se a ação de um jogador não afetasse a ação do outro.

O pesquisador até pode ter usado um bom raciocínio e fórmulas (Decision Analisys e equivalentes) para resolver o problema, mas não usou a Teoria dos Jogos propriamente dita.
 
[1]: http://www.forbes.com/sites/andygreenberg/2012/04/20/cybercrime-game-theory-why-apples-malware-grace-period-ended-early/
[2]: http://www.securitymetrics.org/content/attach/Metricon3.0/j3attAO.pdf



Porque é difícil usar a Teoria dos Jogos nas empresas
 
Um contexto histórico ajuda a explicar porque a Teoria dos Jogos ficou complexa o suficiente para ter difícil aplicação prática. Ela nasceu nos anos 40 por John Von Neumann como um ramo da matemática e conviveu por um bom tempo apenas no meio acadêmico. Até hoje os congressos sobre o tema são voltados para a matemática, onde a Teoria dos Jogos é reverenciada pelos acadêmicos que gostam de problemas complexos e desafios intelectuais. John Nash, em particular, resolveu um problema complexo nos anos 50, criou um conceito que ganhou o seu nome, o chamado "equilíbrio da Nash", e levou o Prêmio Nobel em 1994. Suas formulações matemáticas afastam o executivo de empresas que quer algo mais simples.

Como método matemático para resolver problemas bem definidos, a Teoria dos Jogos não deixa de ser mais uma ferramenta de otimização, como a Decision Analysis, que é bem usada por profissionais na prática. Entretanto, tem uma característica diferente. Enquanto a Decision Analysis tem como variáveis-inputs as incertezas, probabilidades e restrições para achar o ponto ótimo que maximize os trade-offs, a Teoria dos Jogos incorpora dois elementos extras complicados. Primeiro, adiciona os payoffs do segundo jogador quer reage para otimizar as condições dele, afetando o seu resultado, e vice versa. Ambos precisam incorporar no algoritmo de otimização as reações, pressupostos e incentivos alheios. Segundo, não é uma otimização estanque, ou seja, de uma jogada só; é preciso avaliar uma cadeia de reações sucessivas e otimizar todo o cenário. Portanto, como exercício matemático é mais complexo.

Neste fascínio pela complexidade, os acadêmicos estão interessados no processo de otimização em si. Para isso, utilizam os payoffs e estratégias como um dado do problema. Pouco importa se os jogadores se chamam Coca-Cola e Pepsi, ou simplementente A e B. Também, pouco importa se os valores dos payoffs são reais ou fictícios, se são referente a lucro, receita, prazo, ou simplemente uma utilidade. Não interessa se tem valor de 1.234 versus 2.453, basta ser diferente e representar uma hierarquia de preferências do jogador, como 1, 2, 3 e 4. Ainda, não importa se os movimentos se referem a entrada no mercado, abaixar o preço ou virar a esquerda, basta que o movimento A do jogador B seja coerente com o payoff de valor 1. Como conclusão, a relevância neste cenário de otimização matemática está em achar uma solução de equilíbrio que resolvar o melhor interesse dos jogadores, e isso não é trivial (John Nash, John Von Neumann e outros que o digam).

Até aqui não existe novidade conceitual pois essa situação de usar dados prontos (fictícios ou não) é comum em outras disciplinas. Quando se aprende sobre Curva de Demanda (calcula quanto é a quantidade em função do preço) e Valor Presente (calcula quanto vale o dinheiro agora em função de um fluxo de entrada e saída futuros) é a mesma coisa - o professor faz um enunciado dos dados e verifica se o aluno aprendeu a usar os dados corretamente dentro as fórmulas.

Onde reside o maior problema

Mas não é apenas a matemática a principal vilã. O problema é que na vida real os dados não estão disponíveis. Se a otimização matemática em si na Teoria dos Jogos já é mais difícil de a complicada Decision Analysis (usar mix strategy ou quando há dois equilíbrios), no mundo real achar os dados corretos é o pior complicador. Você precisa saber qual o problema que quer otimizar e qual payoff correspondente. Se isso não é fácil dentro da sua empresa, pior ainda é descobrir o payoff do seu concorrente. Vocês não estão sentados numa mesma sala de aula para combinar a estrutura do jogo na lousa. Além de supor o valor dos payoffs dele, você precisa supor que ele está usando os mesmos payoffs, e que ele sabe os seus. Ainda, é preciso confiar que estão usando a mesma métrica (receita ou lucro?), um número finito de estratégias (aumentar preço, diminuir, sair do mercado), a sequência de ações e a influência das combinações de ações nos payoffs de cada um. Esta é a premissa da Teoria dos Jogos Matemática (TJM): conhecimento comum, racionalidade e maximização das utilidades escolhidas. Quer piorar um pouco? Se tudo isso é complicado para dois jogadores, imagine mapear, estruturar e otimizar para três ou mais empresas, o que mais se aproxima com a realidade. É por isso que a maioria dos livros-textos em Economia apresentam o conceito usando uma situação de Oligopólio.

Pankaj Ghemawat, no livro Games Businesses Play, menciona quatro problemas da Teoria dos Jogos na perpectiva da estratégia de negócios. Primeiro, o conhecimento sobre o fenômeno estratégico a ser estudado está fora do escopo da Teoria dos Jogos em si (que mostra a solução matemática e não a formulação do problema). Ainda, o téoricos dos jogos (game theorists) não estão muitos dispostos a aprender muito sobre negócios, deixando esse papel aos estrategistas, e não aos economistas. Segundo, a análise dentro da Teoria dos Jogos (game-theoretic analysis) foca mais na explicação dos efeitos interativos do que testar a importância prática. Terceiro, teoristas dos jogos modelam os fenômenos estratégicos de forma fragmentada, uma vez que foca em um mínimo número de variáveis econômicas ao excluir outras - psicológicas, políticas, organizacional, technológica - o que limita tanto o teste científico como sua utilidade prática. Quarto, o equilíbrio na Teoria dos Jogos (game-theoretic equilibrium) pode ser um resultado não realista de se observar na prática devido a informação e grau de racionalidade.

Como conclusão, a Teoria dos Jogos Matemática não é nada prática, ou ao menos é difícil de aplicar com a mesma sofisticação em que os acadêmicos chegaram nas suas simulações teóricas. Executivos querem fórmulas e recomendações para usar. Para isso contratam consultorias para fazer diagnósticos e reduzir o complexo em simples. As melhores estratégias são as mais simples de comunicar em poucos slides (de preferência uma simples que ninguém tenha pensado antes, que provavelmente é derivada de pensamentos complexos iniciais).

Mas não descarte a Teoria dos Jogos

Entretanto, antes que os inimigos da Teoria dos Jogos comemorem essa declaração dizendo "eu não disse?", importante considerar um contra-argumento. Alguns dizem que não é possível usar Teoria dos Jogos "porque não sei calcular as estratégias e payoffs do meu concorrente". Essa desculpa é muito simplista e perigosa. Se você não sabe nada sobre seu adversário, como quer competir de outra forma séria, mesmo utilizando técnicas mais simples (ex: SWOT Analisys e Cinco Força de Porter)? Utilizar essas técnicas sem considerar o concorrente no mínimo é suicida. Assim, dizer que não aplica nada da Teoria dos Jogos "simplemente porque" é difícil prever as reações do concorrente (ou fornecedor, cliente, gestor, funcionário, amigo, esposa) significa admitir que não é um bom estrategista.

Pode ser difícil converter todas as estruturas de decisão numa árvore ou matriz de payoff de forma clássica e acadêmica, bem como definir o equilíbrio de Nash e resolver a questão da mesma forma que os acadêmicos faria se os dados do problema fossem fornecidos. Mesmo que você conseguisse fazer tudo isso, se seu adversário não fizer o mesmo cálculo, improvável que o equilíbrio ou resultado do seu jogo seja o mesmo previsto que o seu.

Entretanto, não imagino que as empresas usem a Curva de Demanda para verificar a elasticidade em cada ponto matemático da curva, preço a preço, quantidade a quantidade, no gráfico. Para realmente ter esse gráfico com todos os pontos é extremamente difícil e custoso - ou seria necessário uma pesquisa longa muito bem feita ou previamente ter testado de forma real todas os preços para ver a reação do cliente. Mesmo assim, ninguém reclama da Curva de Demanda - todos aprendem, usam os jargões, e isso se torna suficiente para o executivo que quer modelos simples para se comunicar e discutir numa reunião.

Você verá em outros artigos deste site que a Teoria dos Jogos oferece insights palpáveis para conseguir avaliar cenários competitivos e assim usar em situações análogas para tomar decisões mais embasadas. Teoria dos Jogos oferece uma estruturação de raciocínio através de modelos formais, sem precisar de sofisticação matemática.

Conclusão

Os acadêmicos estudaram tanto e criaram uma coisa tão complexa que agora resta ao mundo executivo e consultorias simplificar um pouco, como já o fizeram para outros conceitos econômicos. As grandes escolas de administração do mundo não incluiriam a Teoria dos Jogos no currículo se ela fosse irrelevante ou difícil demais, o objetivo das B-schools é preparar futuros executivos. A ironia do destino é a seguinte. Muitos reclamam que "modelos" acadêmicos são muito simplistas e não capturam a realidade do dia a dia. Entretanto, a Teoria dos Jogos é bem mais complexa por natureza, incorpora a interdependência das decisões e exige que saiba do concorrente. Isso é muito mais parecido com o mundo real do que outros conceitos em Economia e Administração, mas daí a criticamos por ser muito complexa.

Por isso, a grande vantagem é conseguir aprimorar o pensamento estratégico ao raciocinar com os conceitos da Teoria dos Jogos: pensar com a cabeça do outro jogador, levantar opções de estratégias e pressupor reações, encarar os interlocutores como maximizadores com auto-interesse, entender dinâmicas da colaboração através do Dilema dos Prisioneiros e seu equilíbrio ineficiente, etc. O que está faltando é colocar tudo isso num framework mais fácil de ser explicado - quem já passou por esta fase vira um fã da Teoria.
 



O dilema do Viajante
 
Ao jogar este jogo simples, as pessoas sempre rejeitam a escolha racional. De fato, agindo ilogicamente, acabam colhendo uma recompensa maior - um resultado que exige um novo tipo de raciocínio formal.

Baseado no artigo "The Traveler´s Dilemma", American Scientific, 20/05/2007 - original nos Links

Lucy e Pete, retornando de uma remota ilha do Pacífico, descobrem que a companhia aérea quebrou antiguidades idênticas que cada um tinha comprado. Um gerente de companhia aérea diz ficaria feliz em compensá-los, mas é prejudicado por não ter idéia do valor desses objetos estranhos. Perguntar aos viajantes qual o preço seria impossível, pois eles iriam inflá-lo.

Em vez disso, ele elabora um esquema mais complicado. Ele pede a cada um deles para escrever o preço da antiguidade qualquer valor inteiro entre 2 dólares e 100, sem falar entre si. Se ambos escreverem o mesmo número, este deverá mesmo ser o preço de verdade, e ele vai pagar a cada um deles desse montante. Mas se eles escrevem números diferentes, ele irá assumir que menor valor é o preço real e que a pessoa que escreveu o maior número estava trapaceabdo. Nesse caso, ele vai pagar aos dois o número mais baixo, juntamente com um bônus e um pênalti - a pessoa que escreveu o menor número receberá $2 mais como uma recompensa pela honestidade e quem escreveu o maior número receberá $2 a menos como um castigo. Por exemplo, se Lucy escrever $46 Lucy e Pete escrever $100, Lucy vai receber $48 e Pete receberá $44.

Quais números Lucy e Pete escreveriam? Qual o número que você escreveria?

Cenários deste tipo, em que um ou mais indivíduos têm escolhas a fazer e será recompensado de acordo com essas escolhas, são conhecidos como jogos pelas pessoas que os estudam (Teoria dos Jogos). Kaushik Basu criou este jogo, "Dilema do Viajante", em 1994 com vários objetivos em mente: para contestar a visão estreita de um comportamento racional e processos cognitivos utilizados por economistas e muitos cientistas políticos, para desafiar os pressupostos da economia tradicional e para destacar um paradoxo lógica da racionalidade.

Dilema do Viajante (TD) alcança esses objetivos, pois a lógica do jogo determina que 2 é a melhor opção, mas a maioria das pessoas escolhe 100 ou um número próximo a 100 - tanto aqueles que não tenham pensado a partir da lógica e aqueles que compreendem que eles são desviando acentuadamente da escolha racional. Além disso, os jogadores colhem uma recompensa maior por não aderir a razão desta maneira. Assim, existe algo racional quando se escolhe não ser racional aos jogar o Dilema do Viajante.

Nos anos que se seguiram desde que eu criei o jogo, TD assumiu uma vida própria, com os investigadores ampliando e reportando resultados de experimentos de laboratório. Estes estudos têm produzido insights sobre a tomada de decisão humana. No entanto, permanecem questões em aberto sobre como a lógica e o raciocínio pode ser aplicado a TD.

Senso Comum e Nash

Para ver por que 2 é a escolha lógica, plausível considerar uma linha de pensamento que Lucy poderia prosseguir: sua primeira idéia é que ela deve escrever o maior número possível de 100, que vai ganhar o seu $100 se Pete é igualmente ávido. (Se o antigo realmente lhe custou muito menos do que $100, ela agora seria feliz pensando na insensatez do esquema inventado pelo gerente da companhia aérea.)

Logo, porém, ela percebe que se tivesse escrito $99 em vez disso, ela faria um pouco mais de dinheiro, porque nesse caso ela receberia $101. Mas certamente essa percepção também ocorrerá com Pete, e se ambos escreveu $99, Lucy receberia $99. Se Pete escreveu $99, então ela poderia fazer melhor se tivesse escrito $98, caso em que ela receberia $100.

No entanto, a mesma lógica que levaria Pete escolher $98 também. Nesse caso, ela poderia desviar para $97 e ganhar $99. E assim por diante. Continuando com essa linha de raciocínio levaria os viajantes em espiral decrescente para o menor número permitido, ou seja, 2. Pode parecer altamente implausível que Lucy realmente fosse nesta aspiral até atingir $2. Isso não importa (e é, de fato, o ponto em questão) - este é o lugar onde a lógica nos leva.

Teóricos dos jogos geralmente usam este estilo de análise, chamado de backward induction. Backward induction prevê que cada jogador irá escrever dois e que eles vão acabar recebendo 2 dólares cada (um resultado que pode explicar por que o gerente de companhia tem feito tão bem em sua carreira corporativa). Praticamente todos os modelos usados pelos teóricos dos jogos prevem este desfecho para TD - os dois jogadores ganham $98 menos do que seria se cada um deles inocentemente escolhesse $100 sem pensar nas vantagens de escolher um número menor.

Dilema dos Prisioneiros está relacionado com a mais popular do Dilema do Prisioneiro, em que dois suspeitos que foram presos por um crime grave são interrogados separadamente e cada um tem a opção de incriminar os outros (em troca de indulgência pelas autoridades) ou manter o silêncio (que deixa a polícia com evidência inadequada para um caso, se o outro prisioneiro também permanece em silêncio). A história soa muito diferente do nossa estódia dos dois viajantes com antiguidades danificadas, mas a matemática das recompensas para cada opção no Dilema do Prisioneiro é idêntico ao de uma variante da TD em que cada jogador tem a escolha de apenas 2 ou 3 em vez de cada inteiro 2-100.

Os teóricos do jogos analisam os jogos sem usar toda a pompa das narrativas coloridas e sim através das chamadas matrix de recomensas - uma grade quadrada com todas as informações relevantes sobre as escolhas possíveis e resultados para cada jogador. A escolha de Lucy corresponde a uma linha da grade e escolha de Pete para uma coluna, os dois números no quadrado selecionado especificam as suas recompensas.

Apesar de seus nomes, Dilema do Prisioneiro e a versão de duas-escolhas no Dilema do Viajante não retrata um dilema real. Cada participante tem uma escolha inequívocamente correta, a saber, 2 (ou, no caso dos presos, incriminar o outro). Essa escolha é chamada a "escolha dominante" porque é a melhor coisa a fazer não importa o que o outro jogador faça. Ao escolher a 2 em vez de 3, Lucy vai receber $4 em vez de $3, se Pete escolher $3, e ela irá receber $2 em vez de nada, se Pete escolher $2.

Em contraste, a versão completa do TD não tem escolha dominante. Se Pete escolher $2 ou $3, Lucy faz melhor escolhendo $2. Mas, se Pete escolher qualquer número entre 4 e 100, Lucy ganharia mais ao escolher um número maior do que 2.

Ao estudar uma matriz de recomensa, Teoria dos Jogos se baseia com mais freqüência no Equilíbrio de Nash, em homenagem a John F. Nash Jr, da Universidade de Princeton. (Russell Crowe retratou Nash no filme Uma Mente Brilhante). Um Equilíbrio de Nash é um resultado do qual nenhum jogador pode fazer melhor ao desviar de forma unilateral. Considere o resultado (100, 100) em TD (o primeiro número é a escolha de Lucy, e a segunda é de Pete). Se Lucy alterar a sua selecção a 99, será o resultado (99, 100), e ela vai ganhar $101. Pelo fato de Lucy ganhar mais por esta mudança, o resultado (100, 100) não é um equilíbrio de Nash.
 



Vender ou ficar com o ingresso do show do Michael Jackson?
 
Responda essa pergunta: "Após a morte de Michael Jackson, as pessoas que compraram um ingresso do show de Londres devem vendê-lo ou não, segundo Teoria dos Jogos?". Essa mesma questão apareceu em vários jornais e blogs em 2009. Selecionei dois deles abaixo, numa tradução livre.

1. Os ingressos de Michael Jackson valem mais do que a restituição? (Times Online, Dr. Christopher Paley, postado por Hannah Devlin, em 01/07/2009) [1].

Na oferta aos donos de bilhetes do show de Michael Jackson de terem o dinheiro de volta ou ficar com o bilhete inutilizável como lembrança, AEG introduziu aos fãs um dos mais intratáveis problemas nas ciências matemáticas. Se quase todo mundo tem a restituição, em seguida, os bilhetes, desenhado pelo próprio Rei do Pop, se tornam item de colecção e valem uma fortuna. No entanto, se todos os 750.000 fãs ficarem com seus bilhetes, então todos eles terão todos inúteis pedaços de papel.

A escolha que os fãs enfrentam é análoga ao problema "Bar El Farol", que tem sido alvo de centenas de trabalhos acadêmicos e inspirou toda uma nova disciplina (Minority Game). Neste problema, há um pequeno bar, que oferece uma grande diversão as quintas-feiras à noite, caso tenha menos de sessenta pessoas. Entretanto, será uma noite muito desagradável se mais de sessenta pessoas estiverem presentes. Existem 100 pessoas na cidade. Assim, em uma quinta-feira à noite, você irá ao bar ou não?

Se você pensar que a maioria das pessoas vai ficar em casa, então você deve ir. Mas se todo mundo pensar da mesma maneira, o local ficará lotado. Uma vez que você percebeu isso, você deve ficar em casa e ouvir um CD. Entretando, se todo mundo pensar como você, daí o bar ficará vazio e você perdeu a chance de se divertir no bar. Da mesma forma, se você raciocinar que cada fã Michael Jackson pedirá a restituição, então você deve ficar com o bilhete, mas eles pensam da mesma maneira e haverá uma abundância de lembranças. Assim que você deve pedir seu dinheiro de volta, mas então ...

Então, com o benefício de centenas de trabalhos acadêmicos de cientistas ao redor do mundo, o que deve fazer leitor que possui um bilhete? A pesquisa nos diz que, se você assume que todo mundo vai usar a mesma estratégia que você, então o melhor que pode fazer é arremessar um dado: decidir se deve ou não manter o bilhete, de acordo com uma probabilidade determinada pela demanda de bilhetes e preços.

No entanto, calcular a probabilidade é bem difícil e os fãs, sem conhecer a teoria do Minority Game, não vão jogar os dados. Existe um fator de que o problema Michael Jackson não está no mesmo padrão problema Bar El Farol. Se os proprietários do Bar El Farol distribuíssem folhetos anunciando que iriam ficar quietos nesta semana, então, seria uma aposta segura ficar em casa com um copo de vinho. Portanto, meu conselho seria ler os jornais e decidir o que fazer com base nos conselhos de um expert. Se todos os artigos estiver dito que os bilhetes ficarão como coleção, então melhor pedir um reembolso. Se todos artigos acusarem a AEG de rasgar os bilhetes de fãs distraidos, melhor então ficar com o bilhete. Foi, afinal, projetado por Michael Jackson.

Sei tudo isso soa implausível, e é. Teoria dos Jogos faz suposições exigentes sobre a racionalidade humana que pode não se aplicar ao luto fãs. Eu faria uma investigação mais minuciosa em psicologia econômica que sugere que as pessoas não estão muito dispostas a se afastar de um item quando sentem um senso de propriedade. Um fã nostálgico deve pedir o reembolso.


2. Dear Economist: Michael Jackson: ticket or refund? (Financial Times, por Tim Harford, 03/07/2009 [2].

Pergunta: Após ler seu capítulo sobre o Teoria dos Jogos em seu livro, The Undercover Economist, descobri que os fãs de Michael Jackson (cerca de 800.000 deles) tem a oportunidade de receber os seus bilhetes concerto como uma lembrança, em lugar de uma restituição do dinheiro. Presumo o valor futuro de qualquer um bilhete dependerá quase exclusivamente sobre as escolhas dos outros 799.999 fãs. Para o não-fã nostálgico, que apenas pretende ver o melhor resultado financeiro, qual seria o seu conselho com base numa análise de Teoria dos Jogos? Patrick Hudson

Caro Patrick,

Acho que ele é seguro assumir que se os demais 799.999 fãs ficarem com o bilhete como recordação, seria melhor ao fã remanescente pegar a restituição, ao passo que, se os 799.999 fãs pegarem o dinheiro de volta e 1 fã ficar com o bilhete, este bilhete será muito valioso. (Temos também de assumir que o promotores não irão, em seguida, inundar o mercado com os outros 799.999 bilhetes indesejados.)

Da perspectiva de Teoria dos Jogos, o equilíbrio da solução é claro. Digamos que recordação e de reembolso são igualmente valiosos se 100.000 ficarem com a recordação e 700.000 pegarem a restituição. Nesse caso, cada fã deveria adoptar uma "estratégia mista", com uma probabilidade de um oitavo tendo a recordação. (Nerdy Uma dica: roll três dados, existe uma chance de que um em oito o total é de exatamente 10.) Cada fã terá prazer em randomise, porque cada fã, sabe que uma ou outra maneira, ele ou ela vai ter algo de valor equivalente.
 
[1] Link http://timesonline.typepad.com/science/2009/07/will-your-michael-jackson-tickets-be-worth-more-than-a-refund.html
[2] Link http://www.ft.com/cms/s/2/01ce5dae-66a1-11de-a034-00144feabdc0.html



O jogo e o custo da sinalização
 
Todos nós sabemos o quão difícil é encontrar o profissional ideal para um emprego. Dezenas de candidatos enviam currículos que são repletos de credenciais impressionantes. O problema é: será que essas credenciais realmente indicam se os candidatos são de fato qualificados? Na verdade, entra em cena um jogo de sinalização através de credenciais.

Para tentar determinar se um candidato é qualificado, você precisa saber seu histórico e como ele alcançou as suas várias credenciais. Algumas delas podem sinalizar alta produtividade no local de trabalho, enquanto outras credenciais não. Um jogo de sinalização é um jogo de informação assimétrica, onde o primeiro jogador envia uma mensagem para o segundo jogador. O primeiro jogador (candidato) sabe o seu próprio tipo. O segundo jogador (recrutador) não sabe tipo do primeiro jogador, mas vai agir depois de receber a mensagem.

Por muitos anos o "bilhete de entrada" para uma carreira bem remunerada tem sido um diploma universitário. Um diploma pode revelar dedicação e inteligência, ou pelo menos demonstrar a própria vontade de investir recursos valiosos para a meta de auto-aperfeiçoamento. Provavelmente muitos programas de graduação fornecem competências que são valiosas no mercado.

Veja como o Prêmio Nobel Michael Spence abordou o problema de unir empregadores e candidatos a emprego. Os empregadores querem contratar trabalhadores produtivos, enquanto os candidatos querem empregos bem remunerados. Suponha que você tenha a sensação de que alguém com um diploma será mais produtivo do que alguém sem graduação - essa será nossa premissa básica.

Quanto um trabalhador produtivo vale para uma organização? Vamos medir o seu resultado: suponhamos que um trabalhador produtivo gera $100.000 de receita para a empresa, enquanto um trabalhador improdutivo gera menos, digamos, $50.000.

Agora considere um empregado em potencial iniciando sua carreira. Usando a mesma dicotomia, vamos supor que todo mundo no mercado de trabalho sabe seu próprio tipo: se ele é realmente um trabalhador produtivo ou improdutivo. Esta informação não é conhecida, é claro, para os empregadores. Que estratégia deve adotar esse indivíduo em particular: obter um diploma antes de entrar no mercado de trabalho, ou então entrar no mercado de trabalho imediatamente?

Nós todos sabemos que concluir um curso de graduação e pós-graduação exige muito tempo, esforço e dinheiro. Sabemos também que em muitas instituições o diploma pode ser adquirido apenas pagando mensalidades e aparecendo ocasionalmente nas classes (neste casos, entra em cena a credencial da instituição). Mas por simplificação nesta premissa, por hora vamos considerar o problema de obter um diploma basicamente como monetário. Estudantes pagam por suas credenciais, tanto diretamente em mensalidade ou em perda de rendimento.

Os empregadores estão interessados ​​em saber se os profissionais a contratar são realmente produtivos. Mas como eles não pode anexar eletrodos nas cabeças dos candidatos para descobrir isso, eles confiam em currículos e credenciais. Lembre-se, neste exemplo estamos assumindo que ser titular de um diploma é um sinal de produtividade no local de trabalho.

Obter uma gradução (ou outro diploma) é uma maneira de enviar um sinal. Mas lembre-se que diplomas universitários, como a maioria dos sinais, não pode ser obtido gratuitamente para ser significativo - deve haver algum tipo de custo ou sacrifício envolvidos. A questão agora é, quanto custa para obter uma credencial, ou em outras palavras, investir em um sinal que diz: "Eu sou produtivo" para o empregador?

Spence assumiu que é mais caro para uma pessoa improdutiva obter uma credencial do que para uma pessoa produtiva. Há maneiras diferentes de ver isso. Uma delas é que a pessoa naturalmente improdutiva precisa de mais esforço para alcançar o mesmo objetivo. Por exemplo, a pessoa improdutiva acaba terminando o curso em oito anos, em vez de quatro para obter o seu diploma. Sem chegar com um número exato, vamos supor que uma pessoa produtiva precisa gastar $C para obter suas credenciais, enquanto custa o dobro (ou seja, $2C) para a pessoa improdutiva para obter o seu.

Qual salário o empregador está disposto a pagar? Suponha que o empregador acredita que os candidatos credenciados serão produtivos, e que os candidatos não-credenciados serão improdutivos. Ainda, suponha que o empregador anuncie um salário de $90.000 para candidatos com diploma, e $ 45.000 para aqueles sem diploma. Queremos descobrir então três respostas:
1. Quais os candidatos devem procurar diploma
2. Se os empregadores estão realmente contratando as pessoas certas com os salários corretos
3. Quanto um diploma deve custar


Fazendo a análise

Primeiro, vamos resumir os dados neste mercado de trabalho:
• Os trabalhadores produtivos geram $100.000 de receita
• Os trabalhadores improdutivos geram $50.000 de receita
• A empresa paga $90.000 para candidatos que tenham um diploma
• A empresa paga $45.000 para os candidatos sem diploma
• O diploma custa $C para as pessoas produtivas
• O diploma custa $2C para as pessoas improdutivas
• A empresa não sabe o tipo do candidato (produtivo ou improdutivo)

Suponha que um candidato produtivo é contratado. (Lembre-se, o empregador não sabe se o candidato é produtivo). Considerando o custo da educação, esta pessoa receberá $90.000-C se ela tiver um diploma, e $45.000 se ela não tiver a graduação. Da mesma forma, um candidato improdutivo receberá $90.000-2C se ele tiver um diploma, e $45.000 se não.

Desta forma, o profissional tipo produtivo terá mais benefício financeiro ao obter um diploma desde que (90.000-C) > 45.000. E sobre o tipo improdutivo? Para essa pessoa, é melhor não começar um curso de graduação se 45.000 > (90.000-2C). Se resolvermos essas duas condições em conjunto, vemos que quando o custo da educação (C) é menor que $45.000, é melhor para o tipo produtivo obter seu diploma. Também, quando C é maior do que $22.500, não vale a pena para o tipo de improdutivo fazer a graduação.

O resultado é um notável equilíbrio notável separando os extremos (separating equilibrium). Enquanto o custo de um diploma universitário (neste modelo) é entre $22.500 e $45.000, os dois tipos de candidatos a emprego se segregam perfeitamente. Os tipos produtivos sempre obtem um diploma, e vice-versa, os tipos improdutivos nunca.



Conclusão: a sinalização que ambos enviam é perfeitamente confiável. O empregador vai contratar candidatos credenciados pelo salário alto, e não-credenciados pelo salário baixo. Finalmente, este simples modelo social também nos diz como a fixar um preço pela educação a fim de obter um resultado desejável. Observe que um preço baixo (por exemplo, $ 22.501) é mais eficiente para essa sociedade do que um preço elevado (digamos, 44.999 dólares).

Um alerta: não cometa o erro de tomar qualquer modelo da Teoria dos Jogos muito literalmente. O chamado equilibrio separador (separating equilibrium) apenas fornece uma história atraente. Você deve resistir à tentação de sair escrevendo uma carta a revistas especializadas dizendo quem deve ir para a faculdade e quais os preços estabelecer para cursos de graduação. Os modelos são bons enquanto as premissas são boas. Antes de tirar conclusões para o mundo real, você tem que pensar muito sobre a legitimidade das generalizações. Na prática, diferentes diplomas enviam sinais diferentes, os seus custos são diferentes, algumas instituições têm padrões mais elevados que outros, e assim por diante.

Como você pode suspeitar, o mundo perfeitamente ordenado (em forma de ranking entre os produtivos e improdutivos, por exemplo) não existe em todas as situaçoes. É possível que alguma sinalização não funcione, criando um mundo assimétrico e imperfeito.

Mas os insights do modelo são bons. Além de concluir que existe uma faixa ótima de preço da educação que ajuda ou induz uma sinalização crível, também concluimos algo importante sobre os extermos. Se é muito caro para obter um diploma, não vale a pena nem para o tipo produtivo, e certamente não vale a pena para o improdutivo (pois custo o dobro). Assim, neste caso, quando o custo da educação é elevada (superior a $45.000 no modelo), todos os candidatos são agrupados no mesmo barco. Todos eles selecionam a mesma estratégia, que é não obter o diploma.

Como ninguém vai obter um diploma, não há sinalização de produtividade e, conseqüentemente, o empregador irá oferecer a todos o baixo salário pois não consegue diferenciar os candidatos. Diferente do equilibrio separador, este é o equilíbrio de agrupamento (pooling equilibrium), onde os diferentes tipos são indistinguíveis para o empregador. Da mesma forma, se é muito barato obter um diploma, vale a pena para todo mundo, produtivos e improdutivos, e todos terão o diploma, Assim, o empregador também não consegue oferecer diferenciação no salário usando a credencial do diploma como indicador.

A vida real é repleta de sinais usados pelas pessoas usando credenciais ou outros atributos para serem percebidas de forma distinta e obter vantagem competitiva. Este jogo da sinalização é mais complexo do que o modelo apresentado, que foi propositamente simplificado. Ficam os insights para sua próxima estratégia - como desenhar um esquema de incentivos e custos que consiga diferenciar as pessoas para seu propósito? Igualmente, como emitir uma sinalização convicente?
 
Baseado no livro The Complete Idiot´s Guide to Game Theory, Edward C. Rosenthal, Alpha Editors, 2011



O jogo da busca de uma empregada doméstica
 
O serviço de uma agência de babá ou doméstica geralmente funciona assim. As babás procuram a agência, preenchem uma ficha, passam por uma triagem e fazem parte de um banco de dados. Os empregadores (pai ou a mãe com crianças pequenas) entram em contato com a agência, que envia algumas candidatas para entrevista de acordo com o perfil solicitado.

A agência não faz esse serviço de graça - o empregador paga o valor de um salário mensal da profissional e a babá paga uma comissão. O valor ao empregador é alto, mas há garantia: se durante os primeiros três meses a babá não der certo, a agência inicia outro processo de indicações e entrevistas de graça.

Antes de explorar os incentivos econômicos deste "jogo", abaixo um acontecimento real comigo. Contratamos uma agência que agendou uma entrevista com Maria numa terça-feira às 10h. No dia da entrevista, às 9h, recebemos uma ligação da agência dizendo que a candidata não viria mais pois alegou um acidente de ônibus no dia anterior. A estória estava estranha e pedimos o telefone da Maria. Ao ligar para ela percebemos certo gaguejar - estava claro que não era esta a verdade. Após insistir, Maria revelou que a agência pediu a ela para inventar esta versão e não a verdade: o cliente da entrevista anterior gostou e a contratou primeiro. Ligamos para a agência. A gerente disse que sabia apenas a estória do acidente de ônibus e nada mais sobre outro emprego (sabia das demais entrevistas, mas sem efetivação até então). Ou seja, a gerente disse que a agência também foi enganada. Quem estava dizendo a verdade? Ambas versões estavam estranhas. Não fomos a fundo pois isso pouco importava. Bola para frente, próxima candidata.

Mas o caso oferece ótimos elementos para uma análise de Teoria dos Jogos, especificamente no Dilema dos Prisioneiros. Se todos colaborassem, todos ganhariam, mas observe os motivos econômicos de cada um:
- A agência faz a triagem, oferece as babás e recebe seu pagamento (um salário)
- A babá mostra suas qualidades, recebe seu emprego e paga a comissão
- A empregador paga um salário e recebe a babá

Não é difícil de ver que existem vários incentivos para a traição. Primeiro, nada impede que o empregador acerte com a babá de contratá-la "por fora" e combinar o seguinte discurso para com a agência: o empregador diz que conseguiu uma babá com outra empresa (é legítimo procurar em mais de uma empresa) e a candidata diz que conseguiu emprego através de outra agência (é legítimo e comum uma candidata usar mais de uma agência simultaneamente). Neste caso ambos não pagam nada para a agência. Mesmo que a agência venha a descobrir o conluio, há pouco recurso judicial. Segundo, nada impede também que empregador e empregado combinem e mintam o salário final acertado para pagar menos comissão.

Na verdade, o único jogador que não possui incentivos para a traição é a agência. A única vantagem que ela possui, devido assimetria de informações, é saber de alguns "defeitos" da candidata e não revelar ao provável empregador e tentar passar "gato por lebre". Entretanto, todas as deficiências da babá são descobertas na entrevista ou nos primeiros meses, e há a garantia contratual da agência de iniciar um processo novamente sem custo. Qualquer tentativa de deslealdade ou incompetência da agência no processo agride sua própria reputação. Tecnicamente, este é um jogo repetitivo típico - a agência depende de indicações de clientes satisfeitos. Uma "escorregada" da agência faz com que ela perca clientes potenciais.

A babá é outra "jogadora" que possui poucos incentivos para trair considerando as conseqüências. Nada garante que ela fique no emprego o resto da vida e vai precisar de uma agência novamente. Certamente não terá lugar na mesma agência que traiu e, caso os concorrentes sejam minimamente organizados para criar uma lista negra de candidatos (o que seria certo, a exemplo de uma lista de mau pagadores no comércio), a traidora não conseguirá nenhuma ajuda na recolocação no mercado.

O empregador é o único que não sofre do problema de reputação no jogo repetitivo, pois não existe uma lista negra de clientes a ponto de prevenir outra agência de ter um empregador mentiroso. Neste esquema de incentivos, para o cliente trata-se de um jogo de interação única; para a agência e babá são jogos de interação repetitiva, e isso faz toda diferença no comportamento.

Mesmo assim, a maioria dos clientes são honestos, por que? Existem duas possíveis explicações para isso. Primeiro, para o empregador trair é necessário a participação da babá na trama e ela não tem garantia de sucesso no novo emprego a ponto de não precisar mais da agência do futuro. Mais que isso, existe a possibilidade do cliente propor e a babá rejeitar usando argumentos morais, e nenhum cliente gostaria de tal repreensão vexatória. Segundo, como mostram alguns experimentos, pessoas não necessariamente agem apenas economicamente quando existem nítidos componentes éticos no jogo. Ou seja, seria fácil trair, com pouquíssima consequência, mas "é errado". Assim, vamos fazer a coisa certa. Ainda bem.
 



Onde aprender mais sobre Teoria dos Jogos
 
Se você deseja se aprofundar mais sobre o tema, existem várias alternativas disponíveis em livros ou em sala-de-aula. Todas os formatos se complementam.

Para quem gosta de ler e estudar sozinho, a opção ideal são as publicações específicas sobre Teoria dos Jogos. Na página de indicação de livros [neste link] você encontra uma série para o leitor auto-didata. Há basicamente dois tipos: aqueles mais técnicos com formulações matemáticas e conceitos mais formais (uma espécie de livro-texto) e os mais voltados para o pensamento estratégico com mais estudos de caso, sem tecnicidade mas ainda específico sobre Teoria dos Jogos. A maioria são na língua inglesa, mas já há boas publicações em português, seja por autores nacionais como por traduções. Apenas indiquei livros que possuo na minha biblioteca.

Existem livros não específicos sobre Teoria dos Jogos mas que abortam o tema em algum contexto. Geralmente apresentam um capítulo (ou menos) dentro dos tópicos de Economia ou Estratégia. Abaixo são dois exemplos. Apesar de serem não serem profundos na teoria em si, apresentam uma boa noção.
- Economia: The Cartoon Introduction to Economics, de Yoram Bauman
- Estratégia: A Estratégia e o Cenário dos Negócios, de Pankaj Ghemawat

A internet possui uma infinidade de sites ou artigos, evidentemente menos estruturados ou completos, mas ajudam a você a formar uma cenário mais diverso. A página de links [clique aqui] apresenta algumas opções de sites, posts em blogs, artigos em revistas/jornais e vídeos.

Para quem quer aprender em sala-de-aula, geralmente a Teoria dos Jogos é ensinada nas disciplinas de Economia nos cursos de gradução e pós-graduação em Administração ou Economia, quando se aborda Competição em Oligopólios [se você tem alguma informação diferente, escreva aqui].

Como exemplo, alguns livros-textos de Economia que apresentam capítulos sobre Teoria dos Jogos são:
- Introdução à Economia, de R Glenn Hubbard e Antony Patrick O´Brien
- Principles of Economics, de Robert Frank e Ben Bernank
- Microecnomics and Behavior, de Robert Frank

Além dos cursos de Economia/Administração em graduação ou pós, existem poucos casos de cursos presenciais específicos sobre Teoria dos Jogos. Apenas conheci um, na Casa do Saber (link1 e link2) [se você tem mais alguma informação, escreva aqui].

Mas há ainda cursos presenciais para executivos onde Teoria dos Jogos é um tópico dentro do currículo. Como exemplo, abaixo dois cursos de Estratégia e um em Economia que utilizam a Teoria dos Jogos no contexto de tomada de decisões. Clique aqui no programa e veja onde exatamente a Teoria dos Jogos está enserida.

1. Na Kellog Schooll of Management (NorthWestern University), curso executivo Competitive Strategy.
2. Na University of Chicago, curso executivo Corporate Strategy.
3. Na Fundação Getúlio Vagas (FGV), curso executivo GV-PEC Intensivo de Economia.

Ainda, o curso em vídeo sobre Strategic Thinking Skills da empresa The Great Courses também apresenta um capítulo sobre Teoria dos Jogos. Clique aqui no programa e veja onde exatamente a Teoria dos Jogos está enserida.
 



Um software para simular o torneio e a estratégia OLHO por OLHO
 
A IOWA State University possui um ótimo sofware para simularmos os resultados do famoso torneio de Robert Axelrod, onde a estratégia OLHO POR OLHO (TIT FOR TAT).

O link é http://www.econ.iastate.edu/tesfatsi/demos/axelrod/axelrodT.htm

Com o software você pode escolher quais estratégias jogarão entre si, quais os payoffs, quantas rodadas e verificar os vencedores em formato de tabela e gráfico.

Dois grandes livros que explicam o Computer Prisioner´s Dilemma Tournament e o resultado da estratégia OLHO POR OLHO são:
- The Evolution of Cooperation, de Robert Axelrod
- Prisoner´s Dilemma, de William Poundstone

Trechos destes livros sobre o TIT FOR TAT são reveladores:

"The trouble with TIT FOR TAT. As well as TIT FOR TAT performed, it does not follow that it is the "best" of all possible strategies. It is important to realize that no strategy is good or bad out of context. How well a strategy does depends on the strategies with which it interacts. TIT FOR TAT does have several failings. It doesn´t take advantage of unresponsive strategies. When paired with ALL C (1), TIT FOR TAT coorperates and wins 3 points each dilemma.

It would do better to defect and win 5 points. In fact, with any unresponsive strategy, the best course of action is to defect. Defection always yields a higher payoff in the current dilemma, and there is no possibility of retaliation with an unresponsive strategy. TIT FOR TAT is more or less predicated on the assumption that the other player is trying to get a good score. After the first move, TIT FOR TAT repeats the strategy of the other player. When paired with a "mindless" strategy like RANDOM, TIT FOR TAT descends to its level and does no better."
(Poundstone)

"TIT TAT won the tournament because it did well in its interactions with a wide variety of other strategies. On average, it did better than any other rule with the other strategies in the tournament. Yet TIT FOR TAT never once scored better in a game than the other player! In fact, it can´t. It lets the other player defect first, and it never defects more times than the other players has defected. Therefore, TIT FOR TAT achieves either the same score as the other player, or little less. TIT FOR TAT won the tournament, not by beating the other player, but by eliciting behavior from the other player which allowed both to do well. TIT FOR TAT was so consistent at eliciting mutually rewarding outcomes that it attained a higher overall score than any other strategy." (Axelrod)

A grande contribuição deste simulador é fazer estes testes. Eu fiz. E é verdade sobre os pontos acima.
 
(1) ALL C significa Sempre Cooperar



O auto-interesse pode ajudar todo mundo
 
Nesta sua jornada em entender os reais incentivos para prever as reações do outro jogador, é muito provável que seu interlocutor busque maximizar os próprios objetivos. Chamamos este propósito de "auto-interesse" (do inglês self-interest). O auto-interesse não é sinônimo de "egoísmo" e não necessariamente possui uma visão de "eu mais, você menos" ou "eu ganho, você perde". O auto-interesse é o interesse em si próprio na busca nos próprios ganhos e é um desejo legítimo. Você pode ganhar mais, eu não me importo, desde que eu ganhe o que eu quero, como lucro, market-share, uma boa negociação de preço, ser promovido, mais dinheiro, poder ou qualquer utilidade, não importando se o outro jogador ganhe ou perca. Meu auto-interesse não está vinculado a sua perda - pode existir o "ganha-ganha" mesmo com auto-interesse. Não estamos falando de sabotagem ou métodos destruidores. Neste contexto do auto-interesse, não há nada de imoral em buscar os próprios objetivos.

Pode parecer paradoxal, mas o auto-interesse também beneficia os outros. Popularizado por Adam Smith, há uma corrente econômica que diz que a sociedade como um todo faz avanços porque os indivíduos maximizam os próprios objetivos (auto-interesse). Conhecer esses objetivos individuais, particularmente do seu adversário, é a essência do Pensamento Estratégico. James Miller faz uma caricatura interessante de como auto-interesse ajuda todo mundo e induz a colaboração. Em seu livro Game Theory at Work - How to Use Game Theory to Outthink and Outmaneuver Your Competition, ele escreve algo assim[2]:

"No mundo da Teoria dos Jogos não existe clemência ou compaixão, apenas auto-interesse. A maioria das pessoas se preocupam apenas com elas e todo mundo sabe e aceita isso. O seu empregador nunca vai te dar um aumento porque "é uma coisa legal a fazer". Você conseguirá o aumento se convencê-lo de que isso serve aos interesses dele. Este mundo da Teoria dos Jogos é igual ao ambiente supercompetitivo dos negócios no mundo capitalista.

Mas mesmo quando todos agem de forma cruel e competitiva, a lógica da Teoria dos Jogos ensina que as pessoas egoístas devem cooperar e tratar os outros com lealdade e respeito. Você poderia perguntar, "Ler este livro irá me ajudar a ganhar dinheiro?". Uma resposta genuína em Teoria dos Jogos seria: uma vez que você já comprou este livro, então eu não realmente me importo qual benefício você terá ao lê-lo.

Na verdade, você provavelmente já comprou este livro ao ler a capa, a orelha, o índice e o primeiro paragrafo da introdução. Talvez eu deveria apenas colocar muito esforço nestas pequenas partes do livro e no resto apenas ´encher linguiça´, ser verborrágico e repetitivo apenas para deixar o livro grosso o suficiente para custar mais caro. Afinal das contas, eu tenho mais coisas importantes na vida para fazer do que escrever para o prazer de pessoas que eu nunca encontrei.

É claro, eu gosto de dinheiro e quantas mais cópias do livro eu vender, mais dinheiro eu vou ganhar. Se você gostar deste livro, você pode sugerir a um amigo que comprará uma cópia. Também, se eu escrever outro livro, você estará mais propenso a comprá-lo se gostar deste aqui. Assim, por razões puramente egoístas, eu colocaria bastante esforço para oferecer a você informações valiosas.

Ainda, a editora do livro (McGraw-Hill) tem o direito contratual de rejeitar meu manuscrito. Como ela é uma empresa de longos anos no negócio de publicações, ela seria afetada negativamente se publicar um conteúdo imbecil numa boa embalagem. Por isso, se eu falhar em colocar algo de valor neste livro, a editora vai pedir de volta o dinheiro que me adiantou. Por isso, saiba que, se você acabar gostando deste livro, não é porque eu escrevi com o propósito de deixá-lo feliz. Eu o escrevi para maximizar meus rendimentos. Eu não me importo com sua satisfação. É o sistema capitalista sob o qual os livros são produzidos nos EUA que criam incentivos para eu seriamente me esforçar a escrever um livro que os consumidores vão gostar e ter benefícios ao ler."

A descrição de James Miller pode ser um tanto caricata ou exagerada, mas representa bem como o auto-interesse do escritor fornece benefícios aos leitores e a editora. Como moral da estória, você precisa manter em mente que, na maioria dos seus jogos, seus parceiros e concorrentes estão pensando NELES mesmo. Isso tem duas implicações - primeiro, como descrito no Modelo 2, você precisa saber exatamente qual é o incentivo e motivação deles; segundo, como vimos, não necessariamente o auto-interesse é ruim.
 
[2] Game Theory at Work, James Miller, 2003, McGraw-Hill