Meditação, neurociência e visualização
 
A maior de todas as mágicas, James R. Doty, Sextante, 2016
 

O primeiro som que todo ser humano ou são as batidas do coração da mãe. Aquele ritmo regular é o primeiro vínculo que todos conhecemos, não com nossa mente, mas com nosso coração. É no coração que encontramos consolo e segurança nas situações mais sombrias. É ele que nos une e que se parte quando ficamos distantes. O coração tem seu próprio tipo de mágica - o amor.

Quando Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin, começou a estudar a compaixão, ele o fez com monges tibetanos que praticavam a meditação há muito tempo. Os monges foram informados de que usariam um gorro na cabeça e de que nele estariam inseridos inúmeros eletrodos do eletroencefalógrafo (EEG) que mediria sua compaixão. Ao ouvirem isso, os monges começaram a rir. Os pesquisadores acharam que era porque o gorro tinha um aspecto engraçado, com todos aqueles eletrodos, cada um ligado a um fio comprido, parecendo uma peruca desgrenhada. Mas eles não riam devido ao gorro, como pensaram os cientistas. Os pesquisadores entenderam tudo errado. E um monge finalmente explicou o que eles tinham achado tão divertido:

- Todo mundo sabe que a compaixão não vem do cérebro. Vem do coração.

As pesquisas mostram que o coração é um órgão inteligente, com uma influência própria e profunda que provém não apenas do cérebro, mas é exercida nele, em nossas emoções, nosso raciocínio e nossas escolhas. Em vez de esperar passivamente as instruções do cérebro, o coração pensa por si e envia sinais ao resto do corpo. A parte do nervo vago que nasce no tronco encefálico e tem uma imensa inervação no coração e em outros órgãos faz parte do sistema nervoso autônomo (SNA).

O padrão de ritmos cardíacos conhecido como variabilidade do ritmo cardíaco (VRC) é um reflexo de nosso estado emocional interno e é influenciado pelo SNA. Nas horas de estresse ou medo, o tônus do nervo vago diminui e há um predomínio da expressão da parte do SNA chamada de sistema nervoso simpático (SNS).

O SNS é associado a uma parte muito primitiva do nosso sistema nervoso, feita para responder às ameaças ou ao medo elevando a pressão sanguínea e a frequência cardíaca, bem como diminuindo a variabilidade do ritmo cardíaco. Inversamente, quando a pessoa está calma, receptiva e relaxada, o tônus vagal aumenta e a expressão do sistema nervoso parassimpático (SNP) predomina. O SNP estimula nossa reação de repouso e digestão, ao passo que o SNS estimula a reação de luta ou fuga. Pela medição da VRC, os pesquisadores conseguem analisar como o coração e o sistema nervoso respondem ao estresse e às emoções.

Os sentimentos de amor e compaixão estão associados a um aumento da VRC, e, quando sentimos insegurança, raiva ou frustração, nossa VRC diminui, tornando-se mais contínua e regular. Muita gente se confunde com isso, pois pareceria lógico que, com o aumento do estresse e da frequência cardíaca, nossa VRC se tornasse caótica, irregular e variável. E, ao contrário, quando a VRC fosse mais regular é que deveríamos ficar mais calmos e relaxados. Ocorre, porém, que a VRC é justamente o oposto do que esperamos.

Curiosamente, uma das maiores causas de morte súbita cardíaca é a falta de variabilidade do ritmo cardíaco - resultante da agitação provocada por ameaças e da redução do tônus vagal. Estresse, ansiedade, medo crônico, pensamentos negativos, tudo isso pode fazer o sangue martelar o coração com uma força extra. É o equivalente corporal a um grito de "Fogo!" num cinema lotado. Repetidas vezes. Alguém acaba sendo pisoteado.

Ruth estava me ajudando a formar novas conexões neurais no cérebro. Foi minha primeira experiência com a neuroplasticidade, muito antes de esse termo passar a ser comumente usado. Na verdade, embora o psicólogo americano William James tenha apresentado essa teoria pela primeira vez há mais de 120 anos, só na última parte do século XX se veio a compreender que a neuroplasticidade era possível. Ruth me treinava não apenas para modificar meu cérebro, criando novos circuitos neurais, como também para regular meu tônus vagal e, com isso, afetar meu estado emocional, minha frequência cardíaca e minha pressão sanguínea.

Tendo apenas um senso intuitivo do efeito daquilo que me ensinava, e sem possuir qualquer conhecimento da fisiologia por trás da mágica, ela ia me tornando mais concentrado, atento e calmo, ia aprimorando meu sistema imunológico, reduzindo meu estresse e até baixando minha pressão sanguínea. Um dia, mamãe me perguntou se eu andava usando drogas. Até então, eu nunca o fizera. Tinha pavor de álcool e drogas. Àquela altura, mamãe já havia tentado o suicídio várias vezes com drogas medicamentosas. Ela me disse que eu parecia muito mais calmo e feliz e bem menos tenso. Ruth aprimorava minha capacidade de regular as emoções, aumentando minha empatia e minha criação de vínculos sociais, e me tornando mais otimista. Ela modificou minha maneira de perceber a mim mesmo e o mundo. E isso mudou absolutamente tudo.

 

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