Hoje vamos ver como podemos aprender com os livros ou, em outras palavras, ler como forma de aprendizado.
Nós vimos que todo aprendizado genuino é ativo, e não passivo. Nem mesmo o melhor professor pode nos ajudar a aprender qualquer coisa a não ser que, primeiro, nós mesmos nos esforcemos para aprender. Quando a maioria de nós pensa em professores nos ajudando a aprender, pensamos em outro ser humano na mesma sala que nós, conversando conosco, mostrando-nos algo ou nos dando orientações. Mas é certo que os professores podem tomar outras formas.
Todo ensino envolve linguagem e símbolos, algum tipo de comunicação entre pessoas. E, portanto, a palavra escrita, na forma do livro, pode funcionar como professor da mesma forma que a palavra falada. Na verdade, eu diria que o processo de aprendizado de um curso de leitura de livros é essencialmente o mesmo de um processo de aprendizado de um curso de aulas. A arte de ler e a arte de ouvir são muito parecidas.
Livros e aulas não são realmente as únicas formas de comunicação com as quais alguém ensina e alguém aprende com o outro. Há outras formas. Por exemplo, quando duas pessoas se sentam para discutir um assunto sobre o qual ambas se interessam muito e compreendem bem, é bem provável que elas aprendam algo com essa discussão.
O problema do aprendizado em tais situações é bem diferente do problema do aprendizado com os livros. Linguagem não é o único meio de comunicação; imagens também servem, às vezes de forma mais eficaz do que palavras. E a combinação de imagens e palavras é talvez a forma mais eficaz de comunicação. É com certeza o meio mais popular hoje. Pense nas revistas, nos filmes, na televisão. Por isso eu gostaria de dedicar o último programa dessa série sobre o aprendizado ao modo como podemos aprender com a combinação de imagens e palavras, seja nos filmes, seja na tela da televisão. Mas hoje vamos tratar da questão de como aprender lendo.
COMO APRENDER POR MEIO DA LEITURA
Eu acho que a melhor forma de começar a discussão seja considerando os diferentes tipos de leitura, porque certamente nós não lemos sempre para aprender. E muitas das coisas que lemos não servem como meios de aprendizado. A primeira divisão que eu gostaria de apresentar é, penso eu, uma que é inteiramente óbvia para todos nós: lemos por prazer/relaxar ou para aprender.
Não há muito que se dizer sobre ler por prazer. Todos nós o fazemos, da mesma forma que todos nós jogamos, vamos ao teatro, ouvimos rádio, ou assistimos à TV para passar o tempo e conseguirmos nos distrair e nos entreter. Às vezes, o aprendizado acontece acidentalmente ou por acaso no decorrer da leitura por prazer. Mas, justamente por não ser intencional, não podemos considerar qualquer regra para este aprendizado. Não é possível fazer acontecer o desenvolvimento de qualquer habilidade.
LEITURA PARA INFORMAÇÃO E LEITURA PARA ILUMINAÇÃO
O outro tipo leitura é quando nossa intenção é aprender alguma coisa. Esse tipo de leitura pode, é claro, envolver alguma diversão, talvez até prazer.
Mas eu não quero dar ao aprendizado um estímulo falso dizendo o que algumas pessoas dizem: "o aprendizado é sempre divertido". Não é sempre divertido, às vezes, o aprendizado é um trabalho duro. Na verdade, é frequentemente assim. E, na minha própria experiência, o que geralmente acontece é que quanto mais doloroso for o próprio processo de aprendizado, mais o resultado final tende a ser proveitoso. Mas apesar de o aprendizado não ser sempre divertido e apesar de a leitura envolver algum trabalho quando é para aprender, toda leitura não é igualmente difícil. Há uma forma mais fácil de leitura para o aprendizado e uma forma mais difícil.
Deixem-me fazer uma distinção agora entre essas duas formas. A primeira delas é ler para informação, quando sua meta é adquirir um conhecimento de fatos. Nós fazemos esse tipo de leitura quando lemos jornais ou guias, artigos de revistas ou registros históricos simples de eventos do passado. Na verdade, neste país, uma pessoa letrada significa uma pessoa que consegue fazer esse tipo de leitura. Esse não é um padrão alto de alfabetização, mas é o que queremos dizer quando falamos sobre o eleitorado letrado ou a população letrada dos Estados Unidos: pessoas que conseguem ler revistas ou jornais para informação.
O tipo muito mais difícil e proveitoso de leitura, que eu gostaria de distinguir da leitura para informação, é o que chamo de leitura para iluminação, quando nosso propósito não é conhecer os fatos, mas compreender as ideias, aumentar nossa compreensão.
Aqui há um problema, porque esse tipo de leitura para iluminação é muito difícil de se fazer. E não são muitas as pessoas que conseguem fazê-la, mesmo entre aqueles que se consideram e poderiam ser chamados pelo outros de pessoas letradas. A razão para isso é que este tipo de leitura para iluminação não é ensinado em nossas escolas, ou pelo menos não é ensinado muito bem em nossas escolas, apesar de não existir coisa mais importante que nossas escolas devessem fazer.
Hoje os estudantes das faculdades simplesmente não sabem como ler, ou certamente não leem bem o suficiente para se iluminarem, ao contrário da leitura para informação. E eu temo que o pior disso é que nós não fazemos muito em nossas faculdades para ajudar esses estudantes a melhorarem suas habilidades de leitura para iluminação.
As escolas pensam que fizeram o suficiente após terem ensinado às crianças nas primeiras séries o tipo mais simples de leitura para informação, o tipo de leitura que envolve a leitura de jornais, revistas, ou mesmos textos de livros escolares, os quais não são muito difíceis de ler, para poder passar a informação que os alunos têm de memorizar e responder aos professores em provas.
O outro tipo de leitura, a leitura para iluminação, não poderia ser ensinado nas séries em que, no presente, a maior parte da leitura é ensinada. Seria meu palpite que a leitura para iluminação teria de ser ensinado na faculdade. E, a meu ver, faculdades fariam bem se fizessem isso antes de tudo, se nossos formados pudessem mostrar e usar a habilidade da leitura dessa forma.
Para tornar a questão clara, deixem-me explicar precisamente o que quero dizer com leitura para iluminação. Eu acho que a forma mais direta é apresentar a vocês uma série de alternativas. Vamos começar com você sentado em seu quarto com um livro em suas mãos. Então, vamos ver as alternativas.
Este livro pode ser um livro que, ao ler, você entende perfeitamente e de imediato, sem dificuldade, ou não entende. Na primeira alternativa, se você entende esse livro perfeitamente e de imediato, página após página, não há nenhum problema na leitura para você. Nem mesmo o livro ajudará a ensinar alguma coisa; pois você consegue aprender tão prontamente, rapidamente e perfeitamente, que você não consegue aumentar sua compreensão lendo esse livro.
Vamos pegar a outra possibilidade, supondo que você não entende dessa forma. Aqui, novamente, há duas alternativas: ou você não compreende nada (realmente não compreende nada, e neste caso não há nada que se possa fazer) ou você consegue entender de alguma forma. Vamos dizer que você entende apenas o suficiente para saber que você não entende tudo, que há mais para você tentar compreender.
É neste último caso que temos um problema. E há apenas três coisas que podemos fazer nesta condição. A primeira é desistir, apenas desistir, seja porque você não quer fazer o esforço de ler, seja porque você não sabe como fazer esse esforço. A segunda coisa que você pode fazer é quase tão ruim quanto isso. Você pode ir até outra pessoa e pedir a ela que explique o livro a você. Eu acho que isso não pode ser feito muito bem porque se você pudesse compreender a explicação, você poderia ter compreendido o livro em primeiro lugar. E se outra pessoa conseguisse explicar o livro a você, você não teria aprendido a ler. Qual é a terceira coisa que você pode fazer? A terceira possibilidade é sentar-se com esse livro, um livro que está um pouco além de suas capacidades, e elevar-se de um estado de compreensão menor para um estado de compreensão maior.
Isso, parece-me, é a definição da leitura para iluminação. E com essa definição eu posso dar a você um teste simples pelo qual você pode determinar o quanto de habilidade desse tipo você tem. O tipo de aprendizado que é o mais importante para um adulto fazer, consiste principalmente em adquirir insights e aumentar ou aprofundar sua compreensão. E isso pode ser feito com a leitura. Se um livro está "além de sua capacidade" você pode elevar-se de um estado de compreender menos para um estado de compreender mais. Mas lembre-se de que esses livros que estão acima de sua capacidade não o elevam como se fosse por atração capilar. Você não pode se sentar e simplesmente esperar ser elevado por um livro que está acima da sua capacidade, apenas olhando para ele. Você tem de se esforçar, você tem de exercitar alguma habilidade, você tem de escalar, uma mão sobre a outra como se fosse a corda do aprendizado.
A ARTE DE LER PARA ILUMINAÇÃO
Aqui, então, está o teste. Aqui está um bom sinal pelo qual você pode dizer se tem essa habilidade. Quando você encara o desafio de um livro que está acima da sua capacidade, que você sabe que não entende bem o suficiente e tenta compreender mais, o que você pode fazer para resolver o problema? Quantas coisas você sabe fazer que tornarão o livro mais claro e mais inteligível para você?
A resposta a essa pergunta, é claro, consiste em uma declaração das regras básicas da leitura, da arte da leitura. Antes de eu declarar as próprias regras, deixem-me lembrá-los de uma coisa preliminar a todas as regras; a coisa mais importante sobre a leitura como aprendizado é que nós devemos ser ativos, não passivos.
Isso não deveria ser muito difícil de compreender, mas a maioria das pessoas pensa que escrever ou conversar é ativo e que ler ou ouvir é passivo. Mas pense em um jogo de beisebol por um momento. Pegar a bola é menos ativo do que jogá-la? Bem, se pegá-la não é menos ativo do que jogá-la, então ler e ouvir também não são menos ativos do que escrever e conversar.
O que eu quero dizer com leitura ativa? Com leitura ativa eu quero dizer simplesmente isto: que você se mantenha acordado enquanto lê. E quando eu digo acordado, eu não quero dizer simplesmente para manter seus olhos abertos enquanto sua mente vai dormir. Como você se mantém acordado enquanto lê? Fazendo perguntas, perguntando a si mesmo sobre o livro e fazendo perguntas ao livro para o autor responder.
A diferença entre a leitura passiva e a ativa é inconfundível. Os sinais jamais nos deixariam confundir sobre qual estamos fazendo, se leitura passiva ou ativa. Por um motivo: quando você lê ativamente, você realmente se cansa. Há um trabalho envolvido. Quando há um trabalho, em vez de diversão, você se cansa. Contudo, se você lê um livro por uma hora ou duas e não se cansa, então você não está lendo ativamente neste sentido. E há outros sinais de leitura ativa: lápis e papéis, anotações, marcações, marcações nas margens, sublinhar passagens nas páginas. Este é meu melhor teste para saber se você está lendo ativamente ou não.
E eu acho que posso lhes mostrar isso. Tenho aqui na prateleira alguns livros que eu li há muito tempo. E acho que se eu tirasse um da prateleira, poderia ver que uma vez, há muitos anos, li esse livro ativamente. Deixem-me ver se consigo encontrar um. Aqui está um. Aqui está um livro que li na faculdade, Pragmatismo, de William James. Está um pouco rasgado e um pouco amarelo nas orelhas, e aqui na parte da frente estão algumas anotações que eu fiz enquanto lia o livro. As páginas estão rasgadas e amarelas. Foi há pelo menos vinte e cinco anos, mas estas anotação indicam que eu estava lendo o livro, eu estava lendo acordado, não dormindo. E agora, olhando pelo próprio livro, encontro páginas nas quais marquei as margens e escrevi nas margens também, anotações que indicam que eu estava pensando e fazendo perguntas enquanto lia o livro. Não me lembro de ter lido, mas sei que por esses sinais eu o li, e eu o li muito ativamente.
AS TRÊS QUESTÕES E AS TRÊS COMBINAÇÕES DE REGRAS
Agora, deixem-me retomar novamente. Eu disse que para ler ativamente você deve ler fazendo perguntas. Que perguntas? Bem, acho que a resposta a isso não é difícil. Há apenas três perguntas principais que alguém pode fazer, apesar de elas poderem ser transformadas em formas subordinadas. Deixem-me mostrar quais são elas.
As três questões principais são: . Sobre o que esse livro todo trata e como suas partes se relacionam com esse todo? . O que, em detalhe, o livro diz e o que o autor quer dizer quando ele o diz? . O que é verdade nisso?
Vamos falar sobre estas três combinações de regras. Primeiro, as quatro regras que estabelecem como descobrir sobre o que o livro trata e como suas partes se relacionam. A primeira regra é classificá-lo de acordo com o tipo de livro que ele é e o tipo de assunto que ele tem. A segunda regra é resumir o livro o mais brevemente possível em suas próprias palavras. A terceira é ver suas partes principais em ordem e a relação de uma com a outra. E a quarta é definir o problema ou problemas que o autor está tentando resolver.
Vamos considerar a primeira e a segunda dessas quatro regras por um momento, e deixem-me ver se consigo ilustrar como elas funcionam. Em primeiro lugar, para poder dizer que tipo de livro é, você deve poder utilizar alguns sinais no livro, o título, o subtítulo, o índice, frequentemente o prefácio do autor; muitas vezes, as sentenças de abertura do livro dizem que tipo de livro é e sobre o que ele se trata.
Mas você deve ter em mente também uma quantidade de categorias básicas. Você deve saber a distinção entre poesia e história, a diferença entre tipos de história, a diferença entre tipos de poesia, e como estes se diferenciam de ciência e filosofia, como política e economia se diferenciam; para que, quando você for ler um livro, as categorias gerais de um assunto se tornem significativas para que você compreenda sobre o que o livro trata.
Sobre resumir um livro extenso e difícil - isso pode ser feito. Muitas pessoas acham que isso é muito difícil de fazer, mas na verdade não é. E, às vezes, o autor faz isso por você.
Agora, deixem-me seguir para a segunda combinação de regras. Estas são as regras sobre a interpretação do conteúdo de um livro. Aqui você deve, em primeiro lugar, abordar o autor ao interpretar suas palavras básicas. Em segundo lugar, você deve descobrir as sentenças que declaram suas maiores proposições. Em terceiro lugar, você deve encontrar o argumento com o qual ele tenta sustentar estas proposições. E finalmente, você deve determinar quais desses problemas o autor resolve e quais ele não resolve.
Estas regras de leitura seriam desnecessárias se a linguagem fosse uma forma perfeita de comunicação, se a linguagem trouxesse à mente um contato imediato com o pensamento do autor. Mas, infelizmente, linguagens estão longe de ser um meio perfeito de comunicação. Linguagem é muito mais como uma barreira entre o autor e o leitor, uma barreira que ambos devem atravessar se eles vão se encontrar e ter algum tipo de abordagem ou encontro de mentes. Não vai adiantar se só o autor tentar atravessar até você e você deve saber como atravessar até ele. E todas essas regras são regras que o guiam ao atravessar em direção ao autor e à compreensão do que ele quer dizer.
Eu não vou discutir a terceira combinação de regras agora porque ela trata de responder ao autor e criticar o livro de acordo com sua verdade e significância - são regras para se discutir entre o leitor e o autor, e eu vou tratar dessas regras no próximo encontro, quando considerarmos como alguém aprende discutindo. Esta terceira combinação de regras será útil para nós quando considerarmos todo o problema do aprendizado pela discussão.
Agora, no tempo que nos resta, eu gostaria de adicionar dois comentários a todas estas regras de leitura para iluminação. O primeiro é que é muito mais fácil ler um bom livro do que um ruim, porque o autor de um bom livro é ele mesmo um homem que sabe ler bem e, portanto, escreve seus livros de forma mais legível, de acordo com estas regras básicas. O segundo é que não há uma grande quantidade de livros que valha a pena ler dessa forma. De qualquer modo, todo o propósito de se ler por iluminação não é o número de livros que você lê, mas quão bem você os lê.
Abraham Lincoln leu apenas alguns livros, mas ele os leu muito bem. E o filósofo inglês Thomas Hobbes disse: "Se eu lesse tantos livros como alguns homens leem, eu seria tão monótono quanto eles".
Os únicos livros para ler desta forma são os livros que estão além da sua capacidade. E isso, por sinal, é a definição de um grande livro. Os grandes livros são os livros que valem a pena serem lidos por todos, porque eles estão acima da capacidade de todo mundo o tempo todo.
Uma pessoa comum precisa de alguma ajuda ao ler os grandes livros? Sim, e uma das melhores ajudas ao ler esses livros é a discussão, a discussão do livro entre você e outras pessoas que leram o mesmo livro. Mas isso é algo que nós trataremos no próximo encontro, ao lidarmos com o modo como aprendemos por meio da discussão. |