Tipos de professores e abordagens com crianças
 
O que passa na cabeça dos cachorros e outras aventuras, Malcolm Gladwell, 2010, Editora Sextante
 

Imagine uma jovem professora do pré-escolar sentada no chão de uma sala de aula, cercada de sete crianças. Ela segura uma cartilha e percorre as letras com as crianças, uma por uma: "A de ave... C de coelho." A sessão foi gravada, e o vídeo está sendo observado por um grupo de especialistas, que registram e avaliam cada um dos movimentos da professora.

Após 30 segundos, o líder do grupo - Bob Pianta, o reitor da Curry School of Education da Universidade de Virgínia - pausa o vídeo. Aponta para duas menininhas no lado direito do círculo. Elas estão agitadas, debruçando-se sobre o círculo e tentando tocar no livro. "O que me impressiona é a energia dessa turma", observou Pianta. "Uma das coisas que a professora está fazendo é criar um espaço de acolhimento para isso. E o que a distingue das outras professoras é que ela permite que as crianças se mexam e apontem para o livro. Não força as duas a se sentarem e ficarem quietas."

A equipe de Pianta desenvolveu um sistema para avaliar diferentes competências relacionadas à interação aluno-professor. Entre elas está a "consideração pela perspectiva do aluno", ou seja, a capacidade que tem o professor de permitir certa flexibilidade na forma como os alunos se envolvem com a aula. Pianta parou e rebobinou a fita duas vezes, até que o que a professora procurava conseguir ficou claro: as crianças estavam ativas, sem que a aula virasse uma bagunça.

"Uma professora pior teria repreendido as crianças que se debruçaram no círculo", prosseguiu Pianta. "Agora não é hora disso. Fiquem quietinhos, sentados." Bridget Hamre, uma das colegas de Pianta, interrompeu: "Essas crianças têm 3 ou 4 anos. Nessa fase, quando mostram seu envolvimento, não são como os adultos, que ficam alerta. Elas estão se debruçando para a frente e se mexendo. As crianças são assim. E um bom professor não interpreta isso como mau comportamento. É difícil passar essa idéia aos professores novos, porque no momento em que você ensina a terem consideração pela perspectiva do aluno, eles acham que estarão abrindo mão do controle sobre a turma."

A aula continua. Pianta observou como a professora consegue personalizar o material. "C de coelho" tornou-se uma breve discussão sobre quais das crianças já haviam visitado um zoológico. "Quase sempre que uma criança diz algo, ela reage, e chamamos isso de sensibilidade do professor", explicou Bridget.

A professora então pergunta se o nome de alguma criança começa com aquela letra. "Calvin", diz um menino. A professora concorda com um movimento da cabeça e diz: "Calvin começa com C." Uma menina no meio diz: "Eu!" A professora se volta para ela. "Seu nome é Venisha. Letra V. Venisha." Aquele foi um momento-chave. De todos os elementos dos professores analisados pelo grupo de Virgínia, o feedback - uma resposta direta, pessoal do professor a uma afirmação específica de um aluno - parece ser o mais estreitamente ligado ao sucesso acadêmico. A professora não só captou o "Eu!" em meio à agitação e ao tumulto, como reagiu de maneira direta.

"Esse não é um feedback espetacular", observou Hamre. "O feedback de alta qualidade é quando existe um intercâmbio nas duas direções a fim de se obter um entendimento mais profundo." A forma perfeita de lidar com aquele momento seria se a professora fizesse uma pausa, pegasse o cartão com o nome de Venisha, apontasse para a letra V, mostrasse a diferença em relação à letra C e fizesse a turma proferir as duas letras. Mas a professora não fez isso - talvez por não ter pensado nisso ou por ter sido distraída pela agitação das meninas à sua direita. "Por outro lado, ela poderia ter ignorado completamente a menina, algo que acontece com freqüência", prosseguiu Bridget.

"Outra coisa que acontece muito é a professora dizer apenas: "Você está errado." O feedback do tipo sim ou não é provavelmente o predominante, fornecendo quase nenhuma informação às crianças em termos de aprendizado."

Pianta mostrou outro vídeo, de uma situação quase idêntica: um círculo de crianças do pré-escolar em torno de uma professora. A lição era sobre como podemos saber se alguém está feliz ou triste. A professora começou encenando uma breve conversa entre dois fantoches, Henrietta e Twiggle: Twiggle está triste até que Henrietta divide sua melancia com ele.

"A idéia que a professora está tentando transmitir é a de que, olhando o rosto de uma pessoa, dá para saber como ela está se sentindo, se está triste ou feliz", disse Bridget. "Nessa idade, as crianças tendem a dizer que você sabe como estão se sentindo por causa do que aconteceu com elas. Elas perderam seu cachorrinho e por isso estão tristes. Elas não captam realmente essa idéia que a professora está transmitindo. Por isso, ela está sendo desafiada, e está se esforçando."

A professora começa: "Lembram-se daquele dia em que pintamos nosso rosto?" Ela toca o próprio rosto, apontando para seus olhos e sua boca. "Quando alguém está feliz, o rosto mostra que está feliz." As crianças olham para ela, sem expressão. A professora prossegue: "Vejam, vejam." Ela dá um sorriso de orelha a orelha: "Isto é feliz! Como vocês podem saber que estou feliz? Vejam meu rosto. Digam o que muda no meu rosto quando estou feliz. Não, não, olhem o meu rosto... Não..." Uma menininha ao lado dela diz: "Olhos", dando à professora uma oportunidade de usar uma de suas alunas para aprofundar a lição. Mas a professora não ouve. De novo, ela pergunta: "O que mudou no meu rosto?" Ela sorri e fecha a cara, como se pudesse atingir as crianças pela mera força da repetição. Pianta parou a fita. Ele observou um problema: Henrietta deixou Twiggle feliz dividindo a melancia com ele, o que não ilustra o objetivo da aula.

"Uma forma melhor de lidar com isso seria envolver as crianças", sugeriu Pianta. "Ela poderia perguntar: "O que deixa vocês felizes?" As crianças responderiam e a professora pediria em seguida: "Mostrem como seu rosto fica quando se sentem assim. Como está o rosto do fulano? Agora digam o que deixa vocês tristes. Mostrem seu rosto quando estão tristes. Olhem, o rosto dela mudou!" Com isso, você basicamente ensinou o que queria. Depois poderia fazer com que as crianças praticassem, ou algo semelhante. Mas daquele jeito ela não chegará a lugar algum." "O que mudou no meu rosto?", repetiu a professora pelo que pareceu a enésima vez. Um menino debruçou-se sobre o círculo, tentando se envolver com a lição, como costumam fazer as crianças pequenas. Seus olhos estavam fixos na professora. "Sente-se!", repreendeu-o.

A medida que Pianta exibia um vídeo após outro, os padrões começaram a ficar claros. Apareceu uma professora que lia frases em voz alta num teste de ditado, e cada frase vinha de sua própria vida - "Fui a um casamento na semana passada"-, o que significava que ela estava perdendo uma oportunidade de dizer algo que mobilizasse os alunos. Outra professora foi até um computador para fazer uma apresentação de PowerPoint e percebeu que estava desligado. Enquanto o computador inicializava, a turma se agitou e o caos se instalou. Depois foi a vez do superstar - um jovem professor de matemática do nível médio vestindo jeans e camisa polo verde. "Então vejamos", começou, diante do quadro-negro. "Triângulos retângulos especiais. Vamos praticar isso, botar as idéias para fora." Ele desenhou dois triângulos. "Digam o comprimento do lado, se souberem.

Se não souberem, vamos todos fazer juntos." Ele estava falando e se movendo rapidamente, o que Pianta disse que poderia ser interpretado como algo negativo, porque aquilo era trigonometria, uma matéria difícil. Mas sua energia parecia contagiar a turma. E a toda hora ele oferecia a promessa de ajuda. Se não souberem, vamos todos fazer juntos. Num canto da sala havia um estudante chamado Ben, que evidentemente perdera algumas aulas. "Veja o que você consegue lembrar, Ben", disse o professor. O garoto estava perdido. O professor se aproximou dele: "Vou lhe mostrar uma maneira de chegar lá." Ele deu uma sugestão rápida: "Que tal isto?" Ben voltou à sua atividade. O professor se dirigiu à aluna ao lado de Ben e observou seu trabalho. "Muito bem!" Foi até um terceiro aluno, depois um quarto.

Dois minutos e meio após o início da aula - o tempo que a professora medíocre levou para ligar o computador - ele já havia formulado o problema, verificado a solução de quase todos os alunos da sala e estava de volta ao quadro-negro, para levar a aula um passo adiante. "Num grupo como esse, o modus operandi corriqueiro seria: ele está no quadro-negro, transmitindo a aula aos alunos, e não tem a menor idéia de quem está acompanhando ou não", disse Pianta. "Mas ele está dando um retorno personalizado. Em termos de feedback, é fora de série." Pianta e sua equipe observaram, admirados.

As iniciativas de reforma educacional costumam começar com uma tentativa de elevar o nível dos professores - ou seja, tornar os requisitos acadêmicos e cognitivos para o ingresso na profissão o mais rígido possível. Mas, depois de assistir aos vídeos de Pianta e ver a complexidade dos elementos do ensino eficaz, a ênfase nos conhecimentos teóricos parece estranha. A professora do pré-escolar com a cartilha se mostrava sensível às necessidades dos seus alunos e sabia como deixar as duas meninas à direita se agitarem e se contorcerem sem perturbar os demais alunos. O professor de trigonometria sabia como estimular a classe a completar uma atividade em dois minutos e meio e fazer com que todos sentissem que estavam recebendo atenção pessoal. Mas essas não são habilidades cognitivas.

Um grupo de pesquisadores - Thomas J. Kane, um economista do instituto de educação de Harvard; Douglas Staiger, um economista de Dartmouth; e Robert Gordon, um analista de políticas do Center for American Progress (Centro para o Progresso) - investigou se é útil ter um professor com licenciatura ou mestrado. Ambas são credenciais caras e demoradas que quase todas as escolas esperam que os professores adquiram, mas que não fazem nenhuma diferença na sala de aula. Notas de provas, títulos de pós-graduação e licenciaturas - por mais que pareçam associados ao talento dos professores - acabam se revelando indicadores de sucesso tão úteis como um quarterback lançando bolas dentro de latões de lixo.

Outro pesquisador educacional, Jacob Kounin, certa vez realizou uma análise de eventos disciplinadores em que um professor deve impedir algum tipo de mau comportamento. Num caso, "Mary se debruça na mesa à sua direita e sussurra algo para Jane. Ambas dão risadinhas. A professor diz: "Mary e Jane, parem com isso!"" Trata-se de um evento disciplinador. Mas a maneira como um professor disciplina - seu tom de voz, suas atitudes, suas palavras - parece não fazer nenhuma diferença para que uma turma se mantenha disciplinada. Como isso é possível?

Kounin retornou ao vídeo e observou que, 45 segundos antes de Mary cochichar com Jane, Lucy e John começaram a cochichar. Aí Robert percebeu e aderiu, fazendo Jane dar risadinhas e então Jane disse algo para John. Depois Mary cochichou com Jane. Foi uma seqüência contagiosa de indisciplina, e o importante não era como um professor impediu o mau comportamento ao final da seqüência, mas se seria capaz de detê-la antes que começasse.

Kounin denominou essa capacidade de "withitness" que definiu como "um professor se comunicando com as crianças por meio de seu comportamento real (e não anunciando verbalmente: "Estou percebendo tudo") que sabe o que elas estão fazendo, ou seja, os proverbiais "olhos nas costas"". E evidente que para ser um excelente professor você precisa dessa capacidade. Mas como saber se alguém possui essa aptidão antes de ter encarado uma turma de 25 Janes, Lucys, Johns e Roberts irrequietos e tentando impor a ordem?

 

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