Por que pagar $36,09 por uma galinha estragada?
 
Freakonomics Edição Ampliada, Stephen Dubner, 2007, Editora Campus
 

Um blog também pode ser um ótimo lugar para catarses - arengas (e, vez por outra, louvores) de natureza mais pessoal.

Um velho amigo esteve na cidade faz pouco tempo e nos encontramos para almoçar no Upper West Side. Trilby pediu um hambúrguer sem pão com queijo Brie; eu pedi meia galinha assada com purê de batata. A comida demorou a chegar, mas tínhamos tanto assunto para por em dia que não nos incomodamos.

Minha galinha, quando chegou, não veio com boa aparência, mas provei-a mesmo assim. De tão rançosa, precisei cuspir minha garfada no guardanapo. Uma coisa abominavelmente rançosa de causar náuseas. Chamei a garçonete, que fez uma expressão conve­nientemente horrorizada e levou o prato embora.

Veio a gerente. Era mais velha que a garçonete, usava cabelos compridos e tinha sotaque francês. Desculpou-se, disse que os chefs estavam provando o prato na tentativa de descobrir se, quem sabe, as ervas ou a manteiga seriam a causa do problema. Acho que não, disse eu, acho que a galinha está estragada. Estou cansado de cozinhar galinhas e conheço o cheiro de uma galinha estragada.

Trilby concordou: dava para sentir o cheiro de podre do outro lado da mesa, provavelmente do outro lado do restaurante. A gerente se mostrou relutante em entregar os pontos. As galinhas haviam chegado naquela manhã, insistiu ela, o que a mim não pareceu realmente relevante, soando algo como: "Não, fulano não pode ter cometido um homicídio hoje porque não cometeu um ontem". A gerente se foi e, cinco minutos depois, voltou.

O senhor tem razão! A galinha estava estragada. Segundo ela, os chefs haviam checado a galinha, verificando que estava estragada e jogado-a fora. Vitória! Mas de quem? A gerente se desculpou de novo, perguntou se eu gostaria de uma sobremesa ou de um drinque de cortesia.

Bom, primeiro me deixe encontrar alguma coisa em seu cardápio que não pareça ruim depois daquela galinha. Pedi uma sopa de cenoura com laranja, batatas fritas e espina­fre sauté. Trilby e eu almoçamos, razoavelmente satisfeitos, embora o gosto da galinha estragada continuasse a me perseguir. Trilby havia tomado uma taça de vinho antes de pedirmos a comida e tomou outra com a refeição. Quando retirou nossos pratos, a garçonete perguntou se queríamos sobremesa. Só café, respondemos.

Durante a nossa conversa, comentei com Trilby que havia entrevistado, pouco tempo antes, Richard Thaler, o padrinho da economia comportamental, um campo de estudos relativamente novo que tenta explicar por que a psicologia do dinheiro é tão complicada. Mencionei o conceito de "ancoragem" dos comportamentalistas - conceito que os vendedores de carros usados conhecem especialmente bem: fixar um preço que talvez esteja 100% acima do que você precisa a fim de garantir que, ainda assim, ele leve uns 50% de lucro.

A conversa se voltou para o que diríamos quando chegasse a conta. Havia, aparentemente, duas boas opções: (1) "Não estamos interessados em sobremesa de cortesia, obrigado, mas tendo em vista o que houve com a galinha, queríamos que o almoço todo fosse de graça." Isso fixaria a âncora em 0% da conta. (2) A outra opção era a seguinte: "Não estamos interessados em sobremesa de cortesia, obrigado, mas tendo em vista o que houve com a galinha, veja com a gerente o que é possível fazer com a conta". Esta âncora estaria fixada em 100% da conta.

Nesse exato momento, a garçonete trouxe a conta. O total era $36,09. Talvez por timidez ou pressa, ou mais provavelmente­ medo de parecer mesquinho (quando se trata de dinheiro, nada é simples), desembuchei a opção 2: Por favor, veja com a gerente "o que pode ser feito com a conta".

A garçonete respondeu, sorrindo, que já nos haviam feito a cortesia de não cobrar as duas taças de vinho. Para mim, pessoalmente, era uma mísera recompensa, já que Trilby foi quem tomou o vinho, enquanto eu continuava a ruminar o gosto de galinha estragada. Mas a garçonete, ainda sorrindo, pegou a conta e se dirigiu à gerente, que veio até nós rapidamente, também sorrindo.

Tendo em vista o que houve com a galinha, insisti, eu gostaria de saber o que pode ser feito com a conta. Não cobramos as duas taças de vinho, respondeu ela com imensa delicadeza. Esta é a sua melhor proposta para mim? - perguntei (ainda sem conseguir fixar uma âncora em 0%). A gerente me olhou com firmeza, ainda amistosa. Lá estava ela, calculando, preparando-se para fazer o tipo de joguinho que é, ao mesmo tempo, financeiro e psicológico, o tipo de jogo que cada um de nós faz diariamente. Ela estava prestes a apostar que eu não era o tipo de pessoa que armaria uma cena.

Afinal, eu havia sido educado ao longo de todo o dilema, não elevara o tom de voz em momento algum e sequer pronunciara as palavras "vomitar" e "es­tragada". E ela simplesmente achou que eu manteria esse comportamento. Apostou que eu não jogaria minha cadeira no chão e me poria a gritar, que eu não me postaria à porta do restaurante avisando a potenciais clientes que minha galinha estava podre, que todas as galinhas estavam podres, que os chefs deviam ter sentido o cheiro e fingido que não havia nada de errado, etc. E assim, tendo feito essa aposta, a gerente respondeu que "sim", ou seja, "sim, esta é a melhor proposta que estou disposta a lhe fazer".

Tudo bem, respondi, e ela se foi. Deixei uma gorjeta de $5 - não fazia sentido punir a pobre garçonete, certo? - e saí com Trilby, a quem pus num táxi.

A gerente apostara que eu não lhe criaria problemas e estava certa. Até agora. O restaurante, se você se der ao trabalho de anotar, chama-se French Roast e fica na esquina da Rua 85 com a Broadway, em Manhattan. Da última vez que conferi, a galinha assada continuava no car­dápio. Bon appétit. - SJD (8 de maio de 2005)


Meu comentário:

Dubner conta uma histórica bem humorada onde a moral é: uma vez que não fiz escândalo no restaurante e me dei mal, ao menos tenho o poder de reclamar em público no meu blog, escrachando o nome do estabelecimento.

Como ele mesmo concluiu, se ele queria pagar menos, não usou a melhor estratégia mesmo sabendo conceitos de economia comportamental e ancoragem. Uma vez ancorando a posição em "pagar 100% a conta" ao pedir "veja o que pode ser feito" e por não ter feito escândalo desde o início, era fácil prever que a resposta seria "apenas um leve desconto". Este foi o erro de Dubner. Antecipando de que a gerente não daria muito desconto, a estratégia mais correta seria colocar a "ancoragem em 0%", ou seja, dizer que não queria pagar nada, e esperar a contra-oferta.

Mesmo assim, como ele mesmo diz, os movimentos as vezes são complicados e imprevisíveis, e é isso que torna a economia menos ciência exata e mais comportamental.

By the way: esse restaurante existe mesmo (link French Roast) e também pode ser visto no Google Street. Apesar de ter galinha estragada, dá vontade de ir lá, só para conferir o local...

 

Link: http://www.barrichelo.com.br/blog/trechos.asp?id=130