A conversa foi demorada; versou sobre a forma de governo, os costumes, as mulheres, os espetáculos públicos, as artes. Finalmente, Cândido, que ainda gostava de metafísica, pediu que Cacambo perguntasse se havia uma religião no país.
O ancião corou levemente. "Como, disse ele, pode duvidar disso? Será que o senhor acha que somos ingratos?"
Cacambo perguntou humildemente qual era a religião do Eldorado. O ancião corou novamente. "Será que pode haver duas religiões? disse; temos, creio, a religião de todo o mundo: adoramos Deus de manhã até de noite.
Só adoram um Deus único? disse Cacambo que continuava sendo intérprete para as dúvidas de Cândido. - Aparentemente, disse o ancião, não há dois, nem três, nem quatro. Confesso que as pessoas de seu mundo fazem perguntas assaz singulares".
Cândido não se cansava de fazer perguntas para o bom ancião; quis saber como se orava a Deus no Eldorado. "Nós não rezamos, disse o bom e respeitável sábio; não temos nada para pedir-lhe; já nos deu tudo o que precisamos; estamos sempre agradecendo-lhe."
Cândido teve a curiosidade de ver os padres e quis saber onde estavam. O bom ancião sorriu. "Meus amigos, disse, todos nós somos padres; o rei e todos os chefes de família entoam cântigos de ação de graças solenemente toda manhã; e cinco ou seis mil músicos os acomapanham.
Como? Não tem monges que ensinam, que disputam, que governam, que intrigam e que mandam queimar as pessoas que não compartilham sua opinião? - Só se fossemos loucos, disse o ancião; aqui somos todos da mesma opinião, e não entendemos o que o senhor quer dizer com os monges.
Cândido ficava extasiado com todos esses discursos e dizia consigo mesmo: isso é bem diferente da Vestfália e do castelo do senhor barão: se nosso amigo Pangloss tivesse visto o Eldorado, teria deixado de dizer que o castelo de Thunder-ten-tronckh era o que tinha de melhor na terra; é verdade que é preciso viajar.
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