O lado bom e ruim dos hábitos |
Parece mais não é, Ubaldo Nicola, 2007, Editora Globo, pag 45
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Os hábitos podem ser definidos como o resultado dos processos de aprendizagem gravados na memória, que tendem a se repetir de modo quase igual, produzindo uma espécie de economia da energia mental. De fato, a realização de um ato habitual requer menos atenção e, logo, menor gasto de energia, possivelmente liberando espaços mentais para outras tarefas. Portanto, os hábitos são de grande utilidade; graças a eles é possível realizar duas ou mais ações ao mesmo tempo, como conversar dirigindo um automóvel, enquanto observamos a paisagem e ouvimos um fundo musical.
O aspecto estranho dos hábitos é que a eficiência obtida por eles tem sempre como contrapartida em prejuízo para a consciência. Reflita, por exemplo, sobre a sua capacidade de descrever as ações que realiza todos os dias. Você terá dificuldade justamente para as mais usuais: qual é a sucessão de gestos usados para amarrar os cordões dos sapatos? Como você cruza os braços ou os dedos? O que está desenhado numa nota de 10 reais? Como é seu relógio? Paradoxalmente, a força do hábito o torna menos conhecedor daquilo que você justamente faz e sabe melhor. Pode-se dizer que você faz de memória ou por hábito aquelas ações que não sabe descrever como executa.
Existem riscos nesse desconhecimento? Pode a força de um hábito inadvertido condicionar a consciência? A resposta mais radical a essa pergunta foi dada em meados do século XVIII pelo filósofo inglês David Hume. Segundo ele, o pensamento humano como um todo se resume a uma série de crenças fundadas em hábitos mentais. Quando, por exemplo, você prevê que uma coisa provocará outra, está exprimindo uma crença baseada nos hábitos adquiridos no passado, quase como se você projetasse para o mundo a inércia de seus hábitos. Se no passado muitas vezes foi assim, assim será também no futuro. As idéias, pensava Hume, são apenas hábitos do espírito. Ainda que hoje poucos concordem com tais conclusões, o peso condicionante dos hábitos cognitivos se impõe como um problema aberto e de grande atualidade. |
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